Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 259 - de 19 de julho a 1 de agosto de 2004
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Pesquisadora avalia atuações da Fundação Rockefeller
e da canadense IDRC no Brasil e propõe nova relação com agências internacionais

Da filantropia à
pesquisa participativa


LUIZ SUGIMOTO



A socióloga Maria Conceição da Costa, do DPCT: Fundação Rockefeller foi a agência mais atuante no Brasil até a década de 1950As instituições de pesquisa do Brasil dispõem de um bom momento para unir seus atores – governo, pesquisadores, organizações não-governamentais, iniciativa privada – e aumentar o poder de barganha junto às agências internacionais de fomento, formulando agendas e demandas de pesquisas que interessem ao país e não prioritariamente aos financiadores do Hemisfério Norte, e garantindo a permanência ou compartilhamento do conhecimento aqui gerado. O bom momento é proporcionado pela mudança nas relações entre doadores e países do Sul, notada nas últimas duas décadas, com a flexibilização dos critérios para financiamento e a aceitação de novos atores no processo decisório de elaboração das pesquisas.

É esta a conclusão da socióloga Maria Conceição da Costa, do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, em sua pesquisa de pós-doutorado “Cooperação para o Desenvolvimento: novas agendas, velhas questões políticas e éticas”. Orientada pelo professor Stephen Turner, da Universidade do Sul da Flórida, e com bolsa da Fapesp, a professora do IG vasculhou arquivos das agências internacionais entre setembro de 2001 e março de 2002, preocupando-se inicialmente com o período a partir dos anos 1970, mas vendo-se obrigada a retroceder até o começo do século XX – quando chegou a Fundação Rockefeller, escolhida como exemplo de agência filantrópica. A título de comparação, a pesquisadora ateve-se também à canadense IDRC (International Development Research Center), engajada em patrocinar pesquisas de cunho participativo.

Fundação financia hoje poucos programas

“Agências como as americanas Rockefeller, Ford, Carneggie, McArthur e Kellog´s vêm de uma tradição ‘filantrópica’, dita sem fins lucrativos, e com esse discurso iniciaram pesquisas em vários países do terceiro mundo, com ênfase para as áreas de saúde, sanitária, agrícola e de educação”, diz a professora. No entanto, elas foram mudando sua forma de atuação nas últimas décadas, entrando na mesma seara que as agências mais recentes, como a IDRC, Cida (espanhola), Sarec (sueca), Cirad (francesa) e ODA (inglesa): estas entendem a geração de ciência como um processo muito mais amplo, exigindo como contrapartida ao financiamento a participação de ONGs, de representantes das comunidades locais e de outros atores. “A idéia do pós-doutorado foi a de avaliar porque as agências passaram de um modelo de doação paternalista e filantrópico para outro considerado mais “democrático”, e os possíveis benefícios desta mudança para os países do Sul, como a efetiva incorporação de outros atores, o acesso de fato ao conhecimento adquirido e a possibilidade de maior barganha com os países do Norte”, informa.

Rockefeller – Segundo Maria Conceição da Costa, a Fundação Rockefeller foi a agência mais atuante no Brasil até a década de 1950. Chegou por volta de 1915, interessada em estudos sobre doenças tropicais como a febre amarela, malária e dengue, visto que os Estados Unidos se defrontavam com esta ameaça no sul do país. Investiu pesado, também, em pesquisas com o mesmo propósito na Índia e China. Nesse período filantrópico, a fundação impunha sua cartilha na montagem da infra-estrutura para combate a doenças endêmicas e tropicais, participando dos grandes levantamentos e campanhas, e acabando por interferir na área científica.

“Sem o financiamento da Rockefeller, seria impensável a criação da Faculdade de Medicina de São Paulo, do Instituto de Higiene e das escolas de enfermagem. A fundação via a produção científica como um processo linear, centrada nas universidades e centros de pesquisa. Mais do que isso, a faculdade devia integrar docência e pesquisa, exigindo do sujeito dedicação em tempo integral, modelo que mais tarde seria incorporado nas universidades públicas”, afirma a professora do IG.

A partir dos anos 1950, a Fundação Rockefeller começou a abandonar suas atividades na América Latina, fechando os escritórios no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. Durante as décadas seguintes, voltou seus interesses para a África, investindo em agricultura, tendo sido a responsável pela implantação do que se convencionou chamar de “Revolução Verde”, um amplo e polêmico programa de melhoria de sementes e técnicas de plantio, sob o argumento de combate à fome, e que se estendeu para a Ásia e Oriente Médio.

Como os interesses políticos nunca são expressos em documentos arquivados na fundação, Maria Conceição da Costa enumera algumas hipóteses para que a agência desistisse de financiar pesquisas básicas no Brasil. “Olhando apenas para o lado científico, os americanos teriam visto como esgotadas suas atividades nas áreas sanitária e de saúde, visto que as doenças foram erradicadas. A criação de instituições locais – Capes, CNPq, Faeps – também teriam tornado dispensável sua presença no país. Os cadernos de campo dos responsáveis pelos projetos apontavam, ainda, para problemas de caixa”, diz a professora. Hoje, a Rockefeller mantém poucos financiamentos no Brasil, assim mesmo de baixo custo e voltados para projetos comunitários, saúde reprodutiva, Aids e responsabilidade social.

IDRC – A partir dos 1960, outras agências vieram para o país. A Fundação Ford é atualmente a maior financiadora de pesquisas em várias áreas, inclusive em ciências humanas e artes. Maria Conceição da Costa, no entanto, optou por detalhar a atuação da IDRC, agência governamental do Canadá, por considerá-la distinta o bastante para permitir uma comparação com a filantrópica Rockefeller da primeira metade do século 20. Ela reitera que a IDRC está entre as agências que adotam um estilo de intervenção mais participativo e “democrático” de financiamento de pesquisa, vendo a ciência como uma construção social, realizada por diferentes atores – universidades, agências não-governamentais, comunidades – e voltada para o desenvolvimento local.

Sem a participação desses atores, não há financiamento. “Na última década, temos deparado com exigências da agência canadense para que haja algum recorte, por exemplo, sobre gênero e participação de comunidades locais, em projetos distintos de pesquisa”, ilustra a professora do IG. “A ciência hoje é vista como um produto de realidades múltiplas, das quais apenas uma é geralmente aceita num tempo determinado e entre uma determinada comunidade. O conhecimento científico, então, é no fundo um acordo socialmente aceito sobre o que é real, consenso a que se chega através de processos de negociação”, complementa.

Barganha – Entre as insinuações contra a Fundação Rockefeller, pesa a de procurar disseminar o american way of life através de projetos financiados nos países do Sul. Há um entendimento de que, pelo menos até os anos 1950, esta e outras agências passaram a “civilizar” outros países pela ciência, na qual ocupavam posição de destaque como produtores e disseminadores. “Além disso, grande parte dos acordos de cooperação internacional só é possível porque traz algo que interessa aos financiadores. Não é à toa que tantas agências querem ter o Brasil como parceiro privilegiado em pesquisas sobre biodiversidade. Se o tema for astronomia, o melhor parceiro será o Chile”, compara Maria Conceição da Costa.

A pesquisadora atenta, porém, que hoje o Brasil possui uma estrutura muito maior, com instituições de pesquisa e pesquisadores de alto nível, o que lhe dá um poder de barganha bem maior diante das agências internacionais de fomento. “Embora a relação assimétrica entre Norte e Sul permaneça, podemos fortalecer nossas instituições – órgãos federais, universidades e institutos de pesquisa – para garantir a contrapartida de que o conhecimento adquirido aqui permaneça ou mesmo que o país proponha pesquisas que lhe interessam”, finaliza.


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