Leia nessa edição
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Artigo: Quando o lixo vira ouro
Cartas
Ação antidemocrata e anti-
   republicana
Invasão: rastro de destruição
Repúdio a invasão
Celular e equipamentos de UTI
Deficiência sensorial
Imaterialidade do conhecimento
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FEM: Prêmio Petrobrás de Dutos
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Medicamento: disfunção erétil
O resgate dos lesados
 

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Artigo

Quando o lixo vira ouro

GERALDO GALVÃO FERRAZ

Patrícia Galvão, a Pagu, em retrato de 1941Nova York - Eh Pagu eh! O seu santo é forte mesmo! Se o mar vira sertão, como disse Glauber Rocha, no seu caso, o lixo vira ouro. Claro que uma vida como a de Patrícia Galvão, a Pagu, ou a de Geraldo Ferraz, é muito mais do que fotos antigas, documentos amarelados e recortes de jornais velhos. Mas é o que as gerações que com eles não conviveram têm para perceber de concreto na memória que os dois deixaram.

Por isso, o discernimento único da catadora de lixo Selma foi uma coisa quase sobrenatural. No meio da montanha de potinhos de iogurte, garrafas pet, restos de comida, etc., ter o olho inspirado para resgatar pedaços do passado que pertencem a essas gerações mais do que a herdeiros ou familiares, é uma coisa que tem parte com o fora da ordem natural. Sobretudo quando se pensa no background dessa brava mulher e nas circunstâncias que cercam a idéia da preservação do passado cultural brasileiro.

O jornalista e crítico Geraldo Ferraz  O fato do achado dos itens que, de certa maneira conta um pedacinho do nosso Modernismo e do século 20, ter sido localizado no lixo é uma metáfora poderosa e iluminadora. O que não se deve ter perdido de lembranças e documentação, de trechos do passado que se tornaram pó, comida de cupim ou simplesmente reciclados como adubo orgânico numa transformação certamente útil, mas inclemente para quem considere que viver é mais do que um amontoado de funções orgânicas.

Cultivar a memória de escritores e artistas, conservar suas obras e as coisas que os cercaram em vida é perpetuar uma tradição de excelência a que todos aspiramos. Desprezar isso, enfiar num saco de plástico azul os pedaços de existências que saíram da mesmice e do conformismo, é em ultima análise cortar os laços com nos mesmos, com o que guardamos no íntimo de experiências estéticas e vivenciais. Também é cortar de certa maneira a corda que nos torna guardadores de uma herança de sonhos e de beleza.

O lixo de Pagu e de Geraldo Ferraz sobreviveu felizmente. Uma experiência a mais na vida (ou sobrevida) de duas pessoas habituadas a resistir contra a opressão, contra a autoridade burra e cega, contra a injustiça. O fato desses itens encontrados pela catadora Selma terem ido parar num centro de preservação da memória e da inteligência, como a Unicamp, mostra que aquilo que meus pais fizeram em vida, que pode em resumo ser chamado de acreditar e militar pelo ideal, não pode ser apagado, obliterado ou jogado no lixo.

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