Jornal da Unicamp 182 -  29 de julho a 4 de agosto de 2002
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Outro plano de vôo

Equipe da Unicamp desenvolve para a Embraer software que simula situações como o escoamento de ar em torno do avião

MANUEL ALVES FILHO

O esforço para ampliar o desenvolvimento científico e tecnológico da indústria aeroespecial brasileira conta agora com a participação da Unicamp. A Universidade passou a integrar o programa PICTA (Parceria para Inovação em Ciência e Tecnologia Aeroespaciais), lançado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para apoiar projetos concebidos por instituições de pesquisa em conjunto com empresas do setor. Uma equipe coordenada pelo professor Philippe Remy Bernard Devloo, da Faculdade de Engenharia Civil (FEC), inicia ainda este mês os trabalhos visando à criação de um software para a Embraer, quarta colocada no ranking mundial de fabricantes de aeronaves comerciais. A ferramenta permitirá simular, a partir de um ambiente gráfico, situações como o escoamento do ar em torno do avião.

O programa PICTA funciona da seguinte maneira: os projetos apresentados por universidades ou instituições de pesquisa em parceria com uma indústria aeronáutica do Estado de São Paulo são avaliados pela Fapesp. Aprovadas as propostas, a Fundação se encarrega de financiar 50% do valor das pesquisas, ficando o restante dos recursos a cargo da empresa parceira. Embora a cooperação científica entre Unicamp e Embraer só tenha sido concretizada recentemente, com o advento dessa nova linha de financiamento, os contatos entre as duas partes remontam à década passada. Doutorado na área de mecânica de fluidos, Devloo mantém entendimentos há cerca de dez anos com a empresa.

Como a pesquisa em torno da mecânica de fluidos permaneceu latente por muito tempo no país e até mesmo no restante do mundo, Devloo a deixou temporariamente em segundo plano e passou a se dedicar ao desenvolvimento e aplicação de softwares avançados. A experiência adquirida nessas duas frentes de estudos, acredita, pesou na sua indicação para integrar a equipe encarregada de desenvolver o programa de computador para a Embraer. O professor da FEC explica que essa ferramenta permitirá, por meio de um ambiente gráfico, realizar simulações que possibilitem aos engenheiros analisar com maior precisão diversos subsistemas de um avião. “Caso seja detectada alguma deficiência, os parâmetros do projeto poderão ser aperfeiçoados, de modo a alcançar um produto final otimizado”, afirma Devloo.

O software terá capacidade, por exemplo, de simular diversos regimes de escoamento de ar: em torno da aeronave por inteiro, ao redor de suas asas ou em relação à entrada nas turbinas. Esses aspectos interferem diretamente na configuração do avião. “São essas simulações que determinam o ângulo de ataque e a posição das asas”, diz o professor da FEC. Chegar a essa ferramenta, conforme Devloo, é um grande desafio. Atualmente, a Embraer utiliza uma tecnologia similar, mas de domínio estrangeiro. “Vamos desenvolver um software que estará concorrendo com o produzido por empresas que se decidam comercialmente a essa tarefa”, compara.

Uma missão dessa envergadura, revela Devloo, tem servido de estímulo para os alunos de pós-graduação da FEC. Muitos estão demonstrando desejo de participar da empreitada. Tal interesse tem motivos mais do que justificáveis. Primeiro, trata-se de um projeto acadêmico, mas que tem como compromisso o desenvolvimento de um produto. Segundo, porque os que se envolverem no trabalho aprenderão a trabalhar em grupo e ganharão visibilidade junto a uma indústria, no caso a Embraer, que investe fortemente em tecnologia.

Além disso, como conseqüência dos aportes de recursos da empresa e da Fapesp, os mestrandos e doutorandos terão a chance de trabalhar com equipamentos de última geração. Por fim, acrescenta o professor, existe a possibilidade de que alguns desses estudantes sejam posteriormente contratados pela empresa, como ocorre ao final de programas de cooperação firmados com outros grupos empresariais. Devloo só manifestou um tipo de preocupação referente ao aproveitamento dos alunos no projeto. Segundo ele, é preciso estabelecer um modelo de atuação que não traga prejuízo às atividades acadêmicas. “A tendência é que eles trabalhem em dobro. Mas, tomando por base parcerias firmadas com a Petrobrás, acho que esse problema pode ser perfeitamente equacionado”, afirma.

A Unicamp, de acordo com o professor da FEC, também auferirá vantagens com a participação no programa PICTA. Os equipamentos adquiridos para o desenvolvimento do software serão incorporados ao patrimônio da Universidade. Mais importante do que isso, porém, é o impulso acadêmico proporcionado por esse tipo de cooperação. “Se a Embraer optar pelo nosso produto, nós estaremos criando uma tradição na área de mecânica de fluídos na nossa pós-graduação”, destaca Devloo. Esse ganho, acrescenta o especialista, será compartilhado com a própria iniciativa privada, que passará a encontrar profissionais altamente capacitados para integrar seus quadros.

O professor da FEC estima que a equipe da Unicamp contará com 15 ou 20 pessoas. Além do próprio Devloo, que coordenará os trabalhos, estarão envolvidos três ou quatro pós-doutores, além de estudantes de mestrado e doutorado. Ele também espera integrar ao projeto equipes de pesquisa de outras unidades de ensino da Universidade, como a Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC), entre outras. O prazo de vigência do contrato é de três anos, mas Devloo informa que já há a expectativa de que ele seja ampliado para mais três, o que permitiria a seqüência do trabalho e, conseqüentemente, o desenvolvimento de outros produtos.

Para Devloo, o programa PICTA está sintonizado com a evolução do fomento à pesquisa no país. Um exemplo desse esforço, segundo ele, são os Fundos Setoriais de Desenvolvimento Científico e Tecnológico criados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. “Os investimentos em setores como petróleo e telecomunicação demonstram a validade desse tipo de iniciativa”, analisa. O professor da FEC entende que não basta fomentar a pesquisa acadêmica em larga escala, embora ela seja responsável por “idéias novas”. “Também é preciso canalizar recursos para o desenvolvimento tecnológico. Desenvolver tecnologia dentro da universidade não é fácil, requer um esforço dobrado de alunos e professores. Chegar a um produto é muito mais complexo do que simplesmente realizar uma pesquisa”, conclui.

Ex-aluno da Civil agora é engenheiro aeronáutico

EUSTÁQUIO GOMES

Na primeira turma do Programa de Especialização em Engenharia (PEE) da Embraer havia oito ex-alunos da Unicamp: seis do curso de Engenharia Civil e dois do curso de Engenharia Elétrica. Para a segunda turma vieram outros oito: três engenheiros eletricistas, três engenheiros mecânicos e dois engenheiros civis. Todos eles entraram como alunos-bolsistas e mais tarde foram contratados.

É o caso do campineiro Eduardo Ribeiro, formado pela Faculdade de Engenharia Civil. Tão logo bacharelou-se no início de 2001, Eduardo fez alguns concursos para trainee e não demorou a descobrir a Embraer. Concorreu com 2.500 candidatos às 165 vagas oferecidas pelo curso do PEE e saiu-se bem tanto na prova técnica quanto na de inglês.

Em maio já estava participando de um grupo de projeto encarregado de idealizar um avião experimental para 31 lugares, o RJ-1. O projeto, embora não destinado a sair do papel, fez levantar vôo ao próprio Eduardo, que ganhou status de engenheiro aeronáutico, acaba de ser contratado pela empresa e já atua na área de interiores de aeronaves, mais exatamente no campo de configuração e certificação.