Jornal da Unicamp 185 - 12 a 18 de agosto de 2002
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Uma contribuição para o
desenvolvimento sustentável

Às vésperas dos 20 anos do Nepo, publicação organizada pelo demógrafo Daniel Hogan reúne textos sobre população e meio ambiente

MANUEL ALVES FILHO

O Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, a Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD) e a Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) estão lançando o livro “Population and Environment in Brazil”, obra que reúne textos de diversos pesquisadores sobre questões ligadas à população e ao meio ambiente. Organizada pelo demógrafo e sociólogo Daniel Hogan, atual pró-reitor de Pós-Graduação da Unicamp, a publicação é uma contribuição para as discussões que serão travadas durante a Rio + 10, a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, que acontecerá entre 26 de agosto e 4 de setembro, em Joahnnesburgo, África do Sul.

De acordo com o professor Hogan, o livro, escrito originalmente em inglês, terá tiragem de 3 mil exemplares e será distribuído tanto para a delegação brasileira quanto para as representações estrangeiras e ONGs presentes à Rio+10. Os textos são uma síntese dos estudos realizados na última década e apresentam, conforme o organizador, um avanço em relação às reflexões “maniqueístas e lineares” que predominavam até então. Na abordagem de cada tema, os autores tiveram a preocupação de destacar aspectos como o impacto das mudanças demográficas no meio ambiente, a especificidade regional/nacional em relação a outros países, as implicações para as políticas públicas e as perspectivas para a próxima década.

O livro mostrará à comunidade internacional, segundo o professor Hogan, que o Brasil é um bom exemplo de diversidade na relação população/natureza. A obra toma como exemplo alguns dos mais importantes ecossistemas nacionais (Amazônia, caatinga e cerrado) e revela como os moradores usam os recursos naturais disponíveis. A publicação também dá ênfase à questão social, revelando como a má utilização desses recursos interfere diretamente na qualidade de vida da população.

Nos dias 14 e 15 de agosto, os autores estarão reunidos em um seminário (veja programação) promovido pelo Nepo, que está completando 20 anos. “Vamos aproveitar o evento, que fará mais algumas reflexões antes da Rio + 10, para marcar as comemorações pelo aniversário do Núcleo”, diz o professor Hogan. De acordo com ele, existe a possibilidade de a obra ser traduzida para o português futuramente.

Cenários heterogêneos, análises complexas

Nos últimos dez anos, os estudos que associam demografia e desenvolvimento sustentável sofreram uma mudança importante. Antes da Eco-92, a Conferência Mundial do Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro, havia uma certa simplificação em torno da questão. Acreditava-se que o tamanho da população era o fator determinante na relação homem/natureza. Atualmente, esse aspecto ainda merece atenção por parte dos pesquisadores, mas já não é considerado central. A distribuição dessa população nos espaços e o modo como ela faz uso dos recursos naturais é que formam o eixo das discussões hoje em dia. “Essa mudança de pensamento representa um progresso no sentido de tentar fazer uma análise mais complexa dessa situação”, afirma o demógrafo e sociólogo Daniel Hogan, atual pró-reitor de Pós-Graduação da Unicamp.

De acordo com ele, o atual momento da história humana registra uma grande diversidade de padrões demográficos. Ao se relacionar mudanças populacionais com a questão ambiental, afirma, não existe uma frase ou teoria que sirva para todos os cenários. “Precisamos pensar os diferentes grupos populacionais e a maneira como utilizam os recursos naturais. Ou seja, a forma como convivem, harmoniosamente ou não, com a natureza”, reforça. A despeito dos interesses econômicos e da falta de visão da classe política, o professor Hogan diz que acredita ser possível avançar em relação à sustentabilidade. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista concedida por ele ao Jornal da Unicamp.

Jornal da Unicamp - Desde a Eco-92, realizada no Rio de Janeiro, o que há de novo nos estudos que relacionam a questão demográfica com o conceito de desenvolvimento sustentável?

Daniel Hogan - O problema em pensar a questão populacional junto com a questão ambiental, tendo em vista o desenvolvimento sustentável, é que durante décadas havia uma espécie de senso comum de que havia população de mais e ambiente de menos. Acreditava-se que o problema era só uma questão de números. Atualmente, no Brasil, já não há mais esta posição entre os demógrafos e cientistas sociais, embora ela ainda prevaleça em algumas áreas. Nós estamos num momento da história humana em que temos a maior diversidade em termos de padrões demográficos. Nós temos países cuja população está diminuindo, como na Europa. Temos países como o Brasil, que acaba de chegar num patamar de fecundidade de reposição, o que significa que daqui a poucas décadas teremos crescimento zero. E temos nações, sobretudo na África, que apresentam crescimento demográfico rápido. Quando queremos relacionar mudanças demográficas com a questão ambiental, não existe uma frase, uma teoria que sirva para todos esses cenários. Ao longo dos últimos dez anos, temos feito algum progresso, no sentido de tentar fazer uma análise mais complexa dessa situação.

P - O senhor poderia dar algum exemplo desse progresso?

R - A discussão em torno da dinâmica populacional e do desenvolvimento sustentável começou a tomar contornos mais sérios a partir da Eco-92. Naquela época, o presidente dos Estados Unidos, George Bush, o pai, só aceitou discutir o tema crescimento populacional. Ele não quis falar sobre o outro lado da questão, que é o consumo. Já os países do Sul não aceitaram discutir crescimento populacional sem discutir os padrões de consumo. Chegou-se, então, a um impasse. Se olharmos a Agenda 21, veremos que ela é cheia de obviedades, sem uma posição fechada. Em 1994, no Cairo, durante a Conferência de População das Nações Unidas, chegou-se a um entendimento melhor, reconhecendo-se que o crescimento populacional e que o padrão de consumo, não só do Norte, têm a ver com a sustentabilidade, com a qualidade ambiental. Agora, em 2002, a questão infelizmente quase sumiu da agenda internacional. Provavelmente, tomando como exemplo as reuniões preparatórias para a Rio + 10 (Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, que ocorrerá entre 26 de agosto e 4 de setembro, em Joanesburgo, África do Sul), o assunto não será debatido.

P - Nenhum segmento envolvido com o assunto chamou a atenção para esse fato?

R - Eu integro um grupo de cientistas que elaborou um documento que circulará em Joanesburgo, chamando a atenção para a necessidade de se discutir essa diversidade de padrões demográficos existentes no mundo, assim como outros aspectos, como a distribuição dessas populações nos espaços. Até em países grandes como o Brasil, se não vamos nos preocupar muito com o tamanho da população, é fundamental nos preocuparmos com o local onde ela vive. Temos algumas áreas, como a cidade de São Paulo, onde fica difícil imaginar um programa de sustentabilidade em virtude do seu tamanho e da sua densidade populacional. Ao mesmo tempo, nós temos áreas, próximas a cabeceiras dos rios, em que a densidade é muito baixa. Ou seja, é preciso todo um planejamento para definir essa questão.

P - Conhecer os hábitos e a dinâmica dessas populações é essencial para implementar políticas públicas que possam levar ao desenvolvimento sustentável, não?

R - Sem dúvida. Nós precisamos pensar os diferentes grupos populacionais e a maneira como utilizam os recursos naturais. Ou seja, a forma como convivem, harmoniosamente ou não, com a natureza. Os índios, por exemplo, têm uma forma de se relacionar com a natureza. Os agricultores têm outra. Entre estes, também há diferenças, pois os grandes produtores atuam de maneira diversa dos pequenos produtores. O que nós pesquisadores temos feito é tentar deixar as discussões mais complexas. Não serão as fórmulas simples que resolverão todos os problemas. Há 30 anos, na época da Conferência de Estocolmo, a palavra de ordem era “ocupar para salvar”. Isso era aplicado, por exemplo, à Amazônia. Hoje essa visão mudou. Pode ainda haver quem defenda isso, por interesses econômicos, mas está longe do senso comum. O senso comum, hoje, é de que é preciso usar esses recursos de maneira mais racional e harmoniosa.

P - No Brasil, como está o comportamento das populações em relação a alguns ecossistemas importantes, como a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal?

R - Isso é interessante. No local sobre o qual mais se fala, a Amazônia, a densidade populacional é muito baixa. Mesmo a densidade da Região Sudeste, que é a mais habitada, é muito menor do que a dos países da Ásia. No Cerrado, a densidade também é reduzida. Então, não é uma questão de ter gente demais no Cerrado, por exemplo, mas sim de como essa população usa os recursos naturais e com que tipo de tecnologia. A monocultura, comum no Brasil Central, é muito prejudicial à natureza. Ou seja, temos que pensar a questão ambiental de outra forma, e não tão somente com a pressão dos números.

P -A questão da água talvez seja emblemática no que se refere a essa relação homem/natureza, não?

R - Eu tenho um aluno que fez uma tese comparando três regiões do Estado: São Paulo, Campinas e Pontal do Paranapanema. Em relação à Capital, olhando a questão da Represa Billings, no seu entorno, vemos que a situação é catastrófica. É difícil acreditar que caberia mais população ali. Lá, o limite foi rompido. É preciso pensar em como lidar quando uma área passa do limite. Em relação a Campinas, também existem problemas. Parte da nossa água vai para São Paulo. Campinas joga algo como 95% do seu esgoto doméstico nos mananciais, sem qualquer tratamento. É possível tratar a água, mas fica muito caro. Se o crescimento da Região Metropolitana de Campinas tivesse sido planejado de acordo com a sua vocação econômica, a situação hoje seria outra. Em Jaguariúna, por exemplo, construíram uma grande fábrica de cerveja. Em outras palavras, significa que a região está exportando a água que não tem. Na região do Pontal, existe uma abundância de água, com boa qualidade, com pouca população. Trata-se de uma área com uma situação favorável para receber empreendimentos econômicos que não agridam o ambiente. É preciso pensar em como lidar com esses problemas. Não dá mais para pensar que, se os recursos naturais acabarem num lugar, é só mudar para outro. Atualmente, não há outros lugares.

P - A impressão que fica é que esse tipo de preocupação está mais presente na academia e nas ONGs do que na esfera pública. Isso é verdadeiro?

R - Com certeza, a academia e outros segmentos estão mais conscientes disso. O pensamento evoluiu e está mais denso sobre isso. Não quer dizer que não houve nada no campo das políticas públicas. Em relação à água, por exemplo, nós temos uma nova legislação sobre recursos hídricos nas esferas nacional e estadual. Também temos a criação da figura dos comitês das bacias hidrográficas, que é uma forma racional de pensar a questão de maneira regionalizada. Ainda assim, está se levando muito tempo para colocar medidas em prática. A década de 90 inteira foi gasta em negociações. Existem muitos interesses envolvidos.

P -As ações no âmbito dos municípios, que são os locais onde as pessoas vivem efetivamente, não trariam maior resultado em termos de conscientização acerca de todos esses problemas?

R - Sem dúvida. Uma das grandes frases do ambientalismo diz o seguinte: “pensar globalmente e agir localmente”. Os recursos vêm de vários lugares, mas para mudar hábitos e orientar ações o trabalho tem que ser feito na esfera local. Temos a questão do lixo, por exemplo. A reciclagem só é possível com o entendimento e o envolvimento da população. Lixo e água são emblemáticos em relação ao uso dos recursos naturais. Você mencionou as ONGs. Se formos observar, muitas delas desenvolvem programas, em vários locais do país, que geram excelentes resultados em termos de sustentabilidade. Ou seja, é possível mudar. O problema reside nos interesses econômicos e na falta de visão da classe política.

Contra a "visão estática"

A idéia de lançar um livro sobre população e meio ambiente, baseado na realidade brasileira, tem o firme propósito de introduzir o tema no encontro de Joahnnesburgo, segundo a doutora em bioestatística Elza Berquó, presidente da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD) e fundadora do Nepo da Unicamp. Ela explica que o assunto não foi incluído na agenda de debates. “Queremos chamar a atenção da comunidade internacional para esse fato”, afirma. A obra, conforme a pesquisadora, reitera a posição totalmente contrária “à visão estática”, que predominava até o final do século passado, segundo a qual a taxa de crescimento populacional é a causa exclusiva do subdesenvolvimento e da degradação ambiental.

De acordo com a professora Elza Berquó, o livro tenta mostrar que, embora deva ser considerado, o volume da população não é o maior responsável por todas as mazelas sociais e ambientais de um país. A questão principal, no que se refere ao meio ambiente, por exemplo, está mais ligada à relação que essa população tem com os recursos naturais disponíveis. Nesse aspecto, afirma a pesquisadora, o seminário que marcará as comemorações pelos 20 anos do Nepo também servirá para ressaltar a necessidade de avançar em relação a esse novo tipo de abordagem.

Programação

População e Ambiente no Brasil
Seminário comemorativo aos 20 anos do Núcleo de Estudos de População

14 de agosto de 2002 – 9h30
Abertura
Carlos Henrique de Brito Cruz, Elza Berquó, Maria Coleta de Oliveira, José Marcos Pinto da Cunha, Daniel Joseph Hogan

10 - 11 horas
O ambientalismo dos pobres: conflitos ecológicos e valoração
Joan Martinez-Alier
Universitat Autónoma de Barcelona
Departamento de Economia e História Econômica

14 horas
Mudanças populacionais e ambiente no campo: perspectivas para o século 21
Coordenadora: Elza Berquó
Terras e povos indígenas: reconhecimento, crescimento e sustento
Marta do Azevedo

População e ambiente na Região Centro-Oeste
Eduardo Nunes Guimarães

Políticas e programas de terra: assentamentos, demografia e ambiente
Juarez Brandão Lopes
Debatedora: Alpina Begossi

15 de agosto – 9 horas
Mobilidade populacional e ambiente
Coordenador: José Marcos Pinto da Cunha

Urbanização e ambiente
Heloisa Soares de Moura Costa

Migração e ambiente: uma perspectiva das regiões metropolitanas
Haroldo da Gama Torres

População e recursos hídricos
Roberto Luiz do Carmo
Debatedora: Leila da Costa Ferreira

14 horas
População e estilos de vida no mundo contemporâneo
Coordenadora: Maria Coleta de Oliveira

População e consumo sustentável
Donald Sawyer

Turismo e ambiente
Maria Teresa Luchiari
Debatedor: Laymert Garcia
Local: NEPO