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OPINIÃO

Uma resposta ao discurso do presidente?
RENATO DAGNINO

Renato Dagnino (Foto: Antoninho Perri)Numa versão preliminar de artigo publicado na Folha de São Paulo há duas semanas, eu escrevi que discurso feito pelo presidente Lula, em 13 de março, no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), não tinha tido a repercussão merecida. Mas teve: o recado nele contido parece ter sido bem entendido por influentes policy makers participantes do seminário “O Brasil no século 21”, realizado 15 dias depois, na FEA-USP, sob a coordenação de Delfim Netto.

Suas opiniões, que apareceram no boletim da Fapesp sob o sugestivo ainda que desgastado título de “Motores do Desenvolvimento”, si non é vero, é bene trovatto, respondem negativamente à pergunta que fez o presidente: “...não está na hora da nossa consciência assumir um compromisso, com este país, um pouco mais além da nossa própria sobrevivência enquanto seres humanos e enquanto pesquisadores?”

Escolhi e cito seis delas porque mais bem expressam as agendas (crenças, posturas político-ideológicas e interesses) dominantes na Política de C&T atual. A agenda da ciência, defendida pelos que querem manter a orientação hegemônica até dez anos atrás e a da agenda da empresa privada, dos que também no âmbito da comunidade de pesquisa vêm tentando legitimar-se por esta via.

De fato, embora se apresentem como únicas e conflitantes, elas se têm mostrado negociáveis. E antagônicas à démodé agenda do Estado (que se mostrou compatível com a agenda da ciência no período militar) e à latente agenda dos movimentos sociais (que ganha força com o discurso do presidente).

A primeira, é a de que a “publicação de trabalhos em revistas de circulação internacional é um grande impulso para o desenvolvimento científico e tecnológico”. Ela contém duas idéias crescentemente questionadas, mas que continuam a ser olimpicamente repetidos pelos partidários da agenda da ciência”. Na realidade, a publicação de trabalhos é resultado e não impulso (ou causa) para o desenvolvimento científico. E o desenvolvimento tecnológico, tal como tem mostrado a experiência de vários países, tem muito pouco a ver com a publicação de trabalhos científicos. Especialmente em países periféricos como o nosso.

A segunda opinião é de que “na origem histórica da universidade está a necessidade de solucionar problemas da sociedade e de inserir novos produtos no mercado...”. Novamente, dois equívocos. Quem trabalha na universidade deveria saber que nem na origem, nem na missão atual da universidade consta “inserir novos produtos no mercado”. Esta idéia tem sido vendida pelos partidários da agenda da empresa que tentam orientar a Política de C&T para o mercado usando a falácia neoliberal de que isso contribuiria para “solucionar problemas da sociedade”.

Ligada a essa, uma terceira imputa a culpa pela “falta de interação com o setor produtivo” (por eufemismo, a empresa privada) dizendo que ela “... se tornou uma lógica própria das instituições de ensino no país” que “...não favorece a difusão do conhecimento para solucionar problemas econômicos ou sociais”. Como se o nosso capitalismo periférico, dependente e imitativo, que combina suas faces primário-exportadora e substituidora de importações com uma brutal concentração de renda, não se caracterizasse por uma – economicamente racional – aversão à inovação tecnológica. E como se “solucionar problemas econômicos” fosse preocupação da empresa. E mais, como se os “sociais” pudessem ser resolvidos mediante aquela “interação”.

A quarta opinião alega que “a universidade tem papel fundamental para a criação do conhecimento, mas, para que um produto ou processo inovador sejam aceitos pelo mercado, a pesquisa deve ser ... um assunto dominado primordialmente pelas empresas”. De novo aparece o equívoco de limitar o papel da universidade pública (pois disto se trata) à criação do conhecimento para satisfazer à agenda da empresa. Como se não houvesse outras agendas de atores que contribuem mais para a sua existência, que demandam soluções mais cientificamente originais e complexas e com maior impacto social e econômico para o País.

Ligada a essa, uma quinta salienta que “precisaríamos de pelo menos 150 mil cientistas nas empresas para transformar nosso conhecimento em desenvolvimento econômico”. Ela reitera uma potente solução de compromisso entre as duas agendas hoje dominantes: precisamos oferecer mais mestres e doutores para satisfazer essa demanda do mercado, de 150 mil.

Neste caso, há um mau entendimento do que seja oferta e demanda. Trabalham em atividades de P&D nas empresas públicas e privadas o equivalente a 3 mil mestres e doutores. Se esse estoque aumentar – magicamente – 10% ao longo deste ano, haverá uma demanda adicional de 300; quando então a oferta de mestres e doutores em ciências e engenharias (que cresce 10% ao ano) será de 30 mil. Essa relação de 1:100 mostra o absurdo a que a desconexão entre as agendas de nossa Política de C&T nos têm levado. E o equívoco que seria tentar equilibrar esse desajuste acionando apenas aquelas duas agendas.

Sobretudo num país que, como ressaltou o presidente, “não fez as lições da alfabetização, reforma agrária, distribuição de renda” e que, por isso, possui agendas do Estado e dos movimentos sociais a serem introduzidas no processo decisório da Política de C&T. Para que, entre tantas outras coisas, a sociedade possa aproveitar o investimento que realizou na formação dos seus mestres e doutores.

Mas para que isso ocorra, é necessário que a comunidade de pesquisa de esquerda à qual eu me referi no artigo anterior se oponha à solução de compromisso entre as duas agendas hoje dominantes (da ciência e da empresa) que a sexta opinião alude: “...quando empresas estrangeiras têm interesse em parcerias com universidades brasileiras, além de seus dirigentes procurarem entidades que mais formam mestres e doutores, a lista de publicações dos pesquisadores é um dos requisitos básicos”. E que se engaje na construção de uma Política de C&T em que as “empresas estrangeiras” não sejam o ator a ser beneficiado à custa de uma competição sem sentido entre as universidades públicas e seus professores.

Concluindo, ressalto a distância existente entre o que sinalizou o discurso do presidente e a visão de alguns membros da comunidade de pesquisa que, estranhamente, apesar de sua fé na empresa privada e no mercado, e do seu alinhamento ideológico-político com forças conservadoras, continuam influenciando uma política pública chave para a consecução das metas do atual governo.

Renato Dagnino é professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp

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