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Exames detectam metal no
sangue de estudantes de região onde funcionou refinaria

Chumbo contamina crianças no Ribeira

Wanda Jorge



A geoquímica Fernanda Cunha e seu orientador, o professor Bernardino Figueiredo: altas concentrações de chumbo
A contaminação de crianças por chumbo, fruto de uma longa atividade de mineração e refino no Vale do Ribeira, uma das regiões mais pobres dos estados de São Paulo e Paraná, acaba de ser comprovada em uma tese de doutoramento do Instituto de Geociências. Nas localidades circunvizinhas à empresa Plumbum, que por cinco décadas operou no beneficiamento e refino dos minérios de chumbo produzidos nas jazidas da região, altas concentrações de chumbo foram encontradas nos solos das áreas ao redor da usina.

Fernanda Cunha, geoquímica da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) no Rio, ligada ao Ministério das Minas e Energia, trabalhou sob orientação do professor Bernardino Figueiredo, do Instituto de Geociências, da Unicamp, onde já existia uma linha de pesquisa ambiental. "Há décadas já se estuda e se investiga a região do Vale do Ribeira, seja por parte da Cetesb ou de universidades, mas sempre do ponto de vista ambiental. Esse é o primeiro trabalho que relaciona também a saúde humana na região", afirma Figueiredo.

O levantamento de informações para a dissertação de doutorado levou dois anos colhendo amostras de sangue de 335 crianças na faixa etária de 7 a 14 anos, matriculadas nas escolas municipais de Cerro Azul e Adrianópolis, no Paraná, e Ribeira e Iporanga, em São Paulo. Mesmo não conseguindo o rigor científico de amostragens idênticas nos grupos escolhidos, já que a participação das crianças foi voluntária, Fernanda diz que se buscou estabelecer um grupo médio de 50 crianças de idades variadas, em cada localidade.

Pilha de rejeito proveniente do beneficiamento do minério de chumbo: perigo a céu aberto Os resultados impressionam: mesmo com as atividades de mineração e refino da Plumbum interrompidas desde 1995, porque as reservas do minério decaíram e o custo operacional ficou elevado, tornando-se mais vantajoso economicamente importar o chumbo, o grau de contaminação no sangue é expressivo. " É preciso levar em conta que o chumbo tem meia-vida curta no sangue, é detectável no organismo de 16 a até 40 dias após a exposição; portanto, o padrão de contaminação ainda existente nessas crianças indica que a presença do agente de contaminação ainda está presente na região até hoje".

Usina de refino da Plumbum, no município paranaense de Adrianópolis, às margens do rio RibeiraO resultado dos exames de sangue tomaram como referência os padrões de limites tóxicos de metais em crianças, definido pelo CDC- Center of Disease Control and Prevention-, dos Estados Unidos. O índice máximo de chumbo em sangue, em crianças, é de 10 microgramas de chumbo por decilitro de sangue. Nas crianças das localidades de Vila Mota e Capelinha, que são as mais próximas da refinaria, foram encontradas as maiores médias de concentração - 11, 89 - chegando a registrar até 37.8 em algumas delas.

A pesquisadora acrescenta que nestas localidades a situação é mais crítica, mas já exige avaliação médica periódica de controle. Ela lembra que os adultos, em grande parte ex-trabalhadores das minas e da refinaria, não foram investigados nessa pesquisa.

Distúrbios - O chumbo pode ser absorvido por inalação da poeira emitida na atmosfera ou pela ingestão de resíduos espalhados no solo. O adulto só absorve 10 % do chumbo ingerido; já a criança pode reter de 40% a 50%. A contaminação pelo metal em grande quantidade pode levar a distúrbios de comportamento, como dificuldade de concentração, aprendizado e hiperatividade; em casos mais graves, pode provocar encefalopatias. A deficiência de ferro e cálcio na alimentação aumenta a absorção de chumbo no organismo infantil, podendo causar a anemia. O chumbo se acumula nos ossos e nos dentes.

Fernanda conta que se conhece, desde do século 16, a existência de chumbo na região do Alto Vale do Ribeira. Até hoje, o metal é o sexto mais usado no planeta pela indústria de baterias, cabos de aço, solda, tintas e pigmentos, munições, cerâmica e vidros, entre outras aplicações. A exploração do chumbo na região praticamente cresceu na mesma proporção do avanço da indústria automobilística no país e, até meados da década de 1950, o Vale do Ribeira respondia pela maior produção do minério no País.

Nas décadas seguintes, sobretudo nas de 1970 e 1980, intensificou-se a exploração na região e várias minas nesta área de fronteira entre Paraná e São Paulo forneciam matéria-prima para a multinacional Plumbum, que também era proprietária de uma das maiores minas, a Panelas de Brejaúva. "O Vale do Ribeira foi, nessa época, uma das maiores províncias metalogênicas e um dos maiores produtores de chumbo do Brasil".

A pesquisadora acrescenta que, com a exaustão das minas e o rebaixamento dos preços internacionais nos anos seguintes, o custo de retirada do minério passou a ficar muito alto e, portanto, pouco atraente para a empresa continuar a extração no local. O fechamento da refinaria, situada em Adrianópolis, ocorre em 1995, dois anos depois da interrupção das atividades de outra filial da empresa no País, em Santo Amaro da Purificação, na Bahia. Segundo Figueiredo, em Santo Amaro da Purificação, a situação de contaminação também tem sido investigada. "Lá, os resíduos de refino foram utilizados em pavimentação de ruas e quintais e existem estudos sobre contaminação em humanos e em animais, hoje sendo feitos pelo Departamento de Minas da Politécnica da USP".

Prevenção - Embora saliente que a situação não é alarmante nem tampouco sem controle, Figueiredo destaca a importância do estudo para que sejam tomadas medidas de prevenção. Uma delas seria a retirada imediata das pilhas de escória de forno e rejeitos de beneficiamento da empresa que, após quase sete anos de inatividade da refinaria, ainda se encontram depositadas à margem do rio, a céu aberto. Seria necessária, ainda, a limpeza das casas e dos terrenos vizinhos, pois embora a água do rio Ribeira já não apresente concentrações significativas de chumbo, o chumbo depositado no solo, emitido pela chaminé da refinaria Plumbum durante 50 anos, ainda está presente e é por onde a contaminação deve continuar a acontecer.

Atualmente, a Secretaria de Saúde do Paraná acompanha a situação das crianças afetadas na região, nas localidades de sua alçada, fornecendo complemento alimentar e acompanhamento médico.

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