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Jornal da Unicamp - 3 a 9 de junho de 2002
Agora semanal

Esporte

Os novos guerreiros
Portadores de surdez apresentam bom
desempenho em aulas de esgrima

Manuel Alves Filho

A idéia de que a deficiência auditiva cria uma natural dificuldade física e motora para a prática do esporte acaba de encontrar uma importante oposição. Um método inovador de ensino dos fundamentos da esgrima - milenar prática guerreira - para surdos comprovou que a capacidade dessas pessoas de aprender e executar movimentos não difere da dos indivíduos ouvintes. "As aulas voltadas para os portadores de surdez apresentam como única diferença o emprego de um sistema de linguagem que privilegia o modo visual", explica Valber Lazaro Nazareth, que desenvolveu a metodologia para a sua dissertação de mestrado, defendida recentemente junto à Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp.

Graduado em Educação Física e portador do título de Mestre D'armas (graduação máxima para o ensino da esgrima), Nazareth trabalhou durante oito meses com sete adolescentes da Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Pirassununga, no interior de São Paulo. Os alunos, de acordo com ele, apresentavam surdez neurossensorial de moderada a profunda. No início das aulas (uma por semana, com duração de 60 minutos), surgiram algumas dificuldades, como conta o professor. A primeira delas estava relacionada ao fato de a esgrima não ser um esporte muito difundido no País, sendo pouco conhecido pela maioria das pessoas, inclusive pelos alunos envolvidos no estudo.

Além disso, por ser uma modalidade predominantemente tática, houve a necessidade do desenvolvimento de um código visual específico, que permitisse transmitir aos alunos não apenas as regras do esporte, mas também componentes que se processam no campo da abstração, como a intenção tática dos esgrimistas. Outro fator complicador, de acordo com Nazareth, foi o fato de a Apae de Pirassununga seguir o método exclusivamente oralista (verbalização) em seu projeto pedagógico. Ou seja, a instituição não segue um sistema de ensino viso-manual, como a língua dos sinais. 'Isso dificultou o entendimento do que eu estava transmitindo, como algumas terminologias próprias da esgrima", afirma o pesquisador.

Superadas as adversidades, o professor constatou, ao longo do programa, que algumas idéias consolidadas em torno da participação de portadores de surdez em atividades esportivas, tais como dificuldade de equilíbrio e falta de coordenação motora, não se confirmaram na prática. "Ao contrário, o grupo com o qual eu trabalhei demonstrou uma eficiência muito boa nesses aspectos, tendo um desempenho semelhante ao das pessoas tidas como normais", atesta. Segundo Nazareth, os surdos enfrentam problemas de outra ordem. "Não é que eles não tenham condições motoras ou cognitivas para praticar uma determinada modalidade. O que ocorre é que são poucas a oportunidades oferecidas ao surdo para praticar um esporte aliado a uma metodologia de ensino adequada à sua capacidade de compreensão, uma vez que eles têm dificuldade de entender o que está sendo transmitido somente por meio da fala, situação que os coloca em defasagem em relação aos ouvintes", diz.

No trabalho realizado com os alunos da Apae, orientado pelo professor Edison Duarte, da FEF, Nazareth não precisou promover qualquer adaptação no armamento utilizado (espada), pois o deficiente auditivo consegue manipulá-lo normalmente. A única recomendação feita pelo professor, no caso de competições entre surdos, é a necessidade de alteração no posicionamento do árbitro. "O juiz precisa estar sempre no campo de visão dos atletas, de modo a alertá-los sobre a aplicação das regras", afirma. O material utilizado durante as aulas foi emprestado da Academia da Força Aérea de Pirassununga, onde Nazareth é professor de esgrima. Ele também integra o quadro de docentes dos cursos de Educação Física e Normal Superior da Faculdade de Educação Física da Universidade de Araras (Uniararas).

Arte de 'jogar' com arma branca
Segundo alguns autores, o termo esgrima vem do provençal escrima, que se refere à arte de jogar com armas brancas (espada, sabre e florete). Os tratados de esgrima não são conclusivos quanto ao período do seu nascimento. O que se sabe é que as primeiras espadas datam de 2.000 anos antes de Cristo. A espada mais antiga é a de Saragon, primeiro rei de Ur na Caldéia, arma de bronze com mais de 50 séculos de existência.

É possível dizer que quase todos os povos da Antigüidade utilizaram-se da esgrima como prática guerreira. Naquela época, os combates eram rudimentares. Quase não havia técnica, prevalecendo a força física. O objetivo era abater o oponente de qualquer forma. Os gregos são, possivelmente, os precursores dos jogos envolvendo a esgrima, uma das principais modalidades dos Jogos Olímpicos de então. Entretanto, foi entre os espartanos que a esgrima mais se difundiu, provavelmente em razão da sua identidade guerreira.

No Renascimento, a esgrima difundiu-se também no teatro. A atividade aparece com destaque em peças de importantes autores, como Shakespeare e Molière. Até hoje, é uma das disciplinas das escolas de arte dramática da Europa. Os registros que falam da esgrima no Brasil são bastante escassos. O que se pode dizer é que a arte provavelmente chegou ao país com a vinda dos primeiros exploradores, entre os séculos 15 e 16.

Conforme o Manual de História da Esgrima, a modalidade esportiva vem estabelecer-se de forma mais concreta a partir de 1889, com o Brasil República. Todavia, ficou restrita às instituições militares e limitada à instrução do sabre. Em 1922, a convite da Força Pública do Estado de São Paulo, chega ao Brasil a Missão Francesa e, com ela, o Mestre Darmas Balancie, que fundou naquela instituição a primeira sala D'Armas destinada ao ensino da esgrima.

Quanto à esgrima adaptada, atualmente a mais conhecida e praticada é a com cadeira de rodas, por ser esta a única modalidade oficialmente reconhecida na Paraolimpíada. Além desse dado, os estudos que discorrem sobre essa prática ainda são bastante escassos na maioria dos países do mundo. No caso do Brasil, a situação não é diferente, pois até então não existiam trabalhos científicos catalogados da esgrima direcionada especificamente para pessoas portadoras de deficiência. Esse quadro começou a modificar-se com a dissertação de Nazareth, que já se lançou em um novo projeto, agora com amputados na Faculdade de Fisioterapia da Uniararas.