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Jornal da Unicamp - 3 a 9 de junho de 2002
Agora semanal

Professor da Unicamp é representante
brasileiro em levantamento que identifica
substâncias químicas expelidas em queimadas


Um inventário de alerta

José Pedro Martins

O Brasil registra todo ano mais de 100 mil pontos de queimadas e, apesar desse problema ambiental de grande magnitude, o País ainda não tem um detalhado Inventário Nacional de Dioxinas e Furanos, substâncias químicas resultantes de processos de combustão, incluindo as tradicionais queimadas agrícolas e de resíduos. Em grandes quantidades, e dependendo da forma de exposição, as dioxinas e furanos podem aumentar os riscos de lesões cutâneas graves, de alteração no metabolismo de lipídios e de anomalias dos sistemas nervoso e endócrino, entre outros efeitos na saúde humana.

A inexistência de um Inventário Nacional de Dioxinas e Furanos – já finalizado somente em 15 países, em sua maioria europeus – foi um dos obstáculos encontrados para a elaboração do relatório sobre o Brasil que vai constar do Inventário Regional da América do Sul de Substâncias Tóxicas Persistentes (STPs). A América do Sul é uma das 12 regiões em que o planeta foi dividido, para facilitar o trabalho de catalogação de informações que vão subsidiar um Inventário Mundial de STPs, objetivo de projeto que vem sendo financiado pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF) e coordenado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP). As informações coletadas pelos responsáveis por essas 12 regiões estão sendo organizadas e interpretadas e vão constar do relatório final que deve ser discutido e aprovado em uma reunião em setembro, em Genebra, Suíça.

Professor e pesquisador do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, Wilson de Figueiredo Jardim é o representante brasileiro no grupo que levantou as informações sobre a América do Sul, sob a coordenação de Ricardo Barra, da Universidade de Concepción, do Chile. O pesquisador da Unicamp nota que o propósito do projeto do GEF/UNEP é, em uma primeira etapa, a identificação das principais áreas de concentração de STPs no planeta. Posteriormente, em função das informações coletadas, podem ser tomadas medidas de remediação dessas áreas. Os resultados do Inventário também podem apontar para as modificações legais e administrativas que devem ser assumidas pelo conjunto de países, no sentido de melhorar a qualidade das informações existentes sobre as STPs e aprimorar as políticas voltadas para a redução dos riscos derivados da exposição a essas substâncias altamente perigosas.

As STPs são as substâncias que apresentam, como características, uma degradação lenta no meio ambiente, são acumulativas na biota e são tóxicas. Além dos chamados POS (Poluentes Orgânicos Persistentes), as STPs reúnem outros compostos incluídos conforme o que foi acordado na Convenção Oslo-Paris. O trabalho dos pesquisadores envolvidos no Inventário Mundial foi o de identificar e avaliar a concentração, nos países estudados, das STPs em animais, na água, nos solos, sedimentos, alimentos e seres humanos, na vegetação e no ar. No total foram analisadas as concentrações de 28 grupos de substâncias .

Acesso limitado à informação – Uma medida que deve ser fatalmente sugerida, na avaliação do professor Wilson Jardim, e tomando o caso brasileiro como referência, é a melhoria do acesso do cidadão às informações sobre as STPs. "As informações sobre as Substâncias Tóxicas Persistentes não estão disponibilizadas para o cidadão comum, apesar de sua importância em termos da saúde pública e saúde ambiental', lamenta o pesquisador.

Além da dificuldade em reunir informações que levassem à identificação das concentrações de STPs nos oito grupos estudados, outro desafio destacado pelo professor Jardim foi o de harmonizar os resultados. "Geralmente as informações sobre DDT em peixes, por exemplo, não deixavam claro se se tratava de peixes grandes ou pequenos. Houve então um esforço para avaliar a presença de certas substâncias tóxicas de acordo com o teor de lipídeos ou por quilo de madeira, e assim por diante, como meio de harmonizar os dados", ele explica.

Para o pesquisador da Unicamp um dos ganhos do Inventário proposto pelo UNEP, com financiamento do GEF, será a modificação do enfoque do debate relacionado à contaminação por Substâncias Tóxicas Persistentes. "Normalmente o enfoque da discussão está no receptor da substância, mas a partir de agora o enfoque deve passar para as fontes emissoras", acredita.

O projeto para as STPs é uma iniciativa ligada ao Programa Interinstitucional para o Manejo Adequado dos Produtos Químicos (IOMC), estabelecido em 1995 pelo UNEP e outros órgãos das Nações Unidas. O Programa é fruto das discussões realizadas na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92, de junho de 1992, no Rio de Janeiro.

Depois da Eco-92 algumas temas de ordem ambiental estiveram mais presentes na mídia e em outros fóruns de discussão, como no caso dos desmatamentos e das mudanças climáticas resultantes das emissões de poluentes atmosféricos. Questões como os impactos das atividades químicas, entretanto, ficaram em segundo plano. Isto apesar da dimensão cada vez maior da indústria química no planeta, o que pode ser verificado por alguns números. A comercialização mundial de produtos químicos orgânicos, de 7 milhões de toneladas em 1950, saltou para 63 milhões em 1970, 250 milhões em 1985 e 300 milhões em 1990, estando por volta de 400 milhões de toneladas no início do século 21. A expectativa é que a divulgação dos resultados do Projeto STPs acabe contribuindo para atrair maior atenção da comunidade internacional para a grave questão dos produtos químicos persistentes.

DDT continua presente no País
Banido em vários países e proibido no Brasil, por portaria do Ministério da Saúde, o DDT (diclorodifeniltricloretano), um agroquímico muito tóxico, continua sendo identificado no território nacional. Este é um dos resultados preliminares do relatório sobre o Brasil, que será incorporado ao Inventário Regional de STPs da América do Sul.

O professor Wilson Jardim, da Unicamp, explica que o DDT é uma substância química de vida relativamente curta. Com o tempo, ele se degrada em outras substâncias. A identificação de concentrações de DDT em algumas áreas mostra, segundo o pesquisador, um uso recente no Brasil. Em fevereiro deste ano o Senado Federal aprovou projeto do senador Tião Viana (PT-AC), proibindo em definitivo fabricação, importação, exportação, manutenção em estoque, comercialização e uso do DDT em todo o território brasileiro, inclusive em programas de combate à malária, como já chegou a acontecer. O projeto foi para exame da Câmara dos Deputados.

Outras substâncias identificadas no caso brasileiro foram as dioxinas e os furanos, em decorrência da grande queima de biomassa no País, o que na opinião do professor Jardim deveria ser mais bem estudado pelos centros de pesquisa e cuidado pelos órgãos públicos. Na Amazônia também foram encontradas concentrações expressivas de organomercuriais, em razão de fontes antrópicas e naturais. Outras STPs identificadas foram o agrotóxico heptacloro, o hexaclorobenzeno e o HCH.

Entre as áreas críticas de concentração de STPs que vão constar do relatório sobre o Brasil estão as de Mauá, na Grande São Paulo, e a do Recanto dos Pássaros, em Paulínia, em virtude de contaminação derivada de uma antiga fábrica de agrotóxicos da Shell. Para o professor Jardim, o caso do Recanto dos Pássaros, que teve repercussão internacional, é um exemplo típico de como a sociedade brasileira está despreparada para lidar com situações de concentração de STPs. "O preparo adequado, por exemplo em termos de identificação das rotas de contaminação, virá com informação correta e acessível e com a dimensão exata do que significam as STPs", salienta. O especialista espera que o trabalho mundial que vem sendo incentivado pelo Unep, com recursos do GEF, contribua para aumentar em escala global o volume e o acesso às informações sobre as STPs, resultando em uma preparação adequada da sociedade para lidar com as situações mais graves.

QUAIS SÃO AS STPs
(Substâncias Tóxicas Persistentes estudadas
no Projeto UNEP/GEF)
Aldrin, Clordano, DDT, Dieldrin, Endrin, Heptacloro, HCB, Mirex, Toxafeno, PCB, Dioxinas, Furanos, Clordecone, Hexabromobifenilo, HCH, PAH, PBDE, Parafinas cloradas, Endosulfano, Atracina, Pentaclorofenol, Compostos orgânicos de mercúrio, de zinco e de chumbo, Ftalatos, Octilfenóis, Nonilfenóise outras.