Edição nº 613

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 10 de novembro de 2014 a 16 de novembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 613

Proteína tem ação inseticida

Inibidor impede a atividade enzimática de lagartas que infestam lavouras

Os insetos-praga causam grandes prejuízos à agricultura, promovendo estragos, transmitindo doenças e se alimentando dos tecidos de plantas e de grãos armazenados. Economicamente, as perdas antes da colheita, devido ao ataque desses insetos, foram estimadas em 15% da produção total em 2004, representando mundialmente gastos da ordem de US$ 100 bilhões, apesar do uso de inseticidas. 

No Brasil, essa perda é algo em torno de 7%, mas oscila entre 2% e 30%. Estes dados representam cerca de US$ 2,2 bilhões ao ano, justificando medidas econômicas e de controle. O consumo mundial de pesticidas tem chegado a 2,6 milhões de toneladas anualmente. Assim, o país desponta-se como o sexto maior consumidor de agrotóxicos.

Um estudo de doutorado desenvolvido no Instituto de Biologia (IB) indicou que a proteína CFPI (Inibidor de Proteinase de Clitoria fairchildiana) é uma promessa para atacar o problema, pois mostrou ser um bom alvo como inseticida natural para o controle das pragas da lavoura.

A autora do trabalho, Miriam Dantzger, constatou que essa proteína tem ação inseticida e inibitória das enzimas digestivas de insetos lepidópteros. Ela impede a atividade enzimática das lagartas conhecidas como traça-da-farinha do arroz (Ephestia sp.) e traça do arroz (Corcyra cephalonica).

O inibidor age ligando-se às enzimas responsáveis pela digestão e retardando esse processo, o que resulta na morte dos insetos. 

Lepidópteros são pragas avassaladoras, uma ordem de insetos que passa por metamorfose e que inclui, além das mariposas, também as borboletas. As mariposas, foco do estudo, aparecem no Brasil o ano todo, ao longo do crescimento da planta e do armazenamento dos grãos.

 

Purificação

Essa pesquisa, segundo a bióloga, ainda requer testes futuros com outras larvas na alimentação, mas desde já sugere que pode atuar complementando a ação inseticida sobretudo dos químicos. Isso porque a proteína purificada não traz danos ambientais e nem aos seres humanos.

Miriam, sob orientação da docente da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) Maria Lígia Rodrigues Macedo, abordou em seu estudo basicamente proteínas-inseticidas, que interferem no sistema digestório dos insetos. Essas proteínas precisam ser ingeridas para que seus efeitos possam aparecer, uma vez que o exoesqueleto dos insetos oferece uma espécie de proteção contra elas.

As proteínas avaliadas são retiradas de sementes de leguminosas, especificamente da Clitoria fairchildiana, chamada popularmente de sombreiro, devido à sua copa densa que produz sombra. É mais encontrada na região amazônica. 

A pesquisadora obteve grande quantidade de sementes de sombreiro no próprio campus da Unicamp. Foi assim que conseguiu isolar a proteína de interesse e testou a sua capacidade de inibir enzimas digestivas de insetos. Notou in vitro e in vivo que tal proteína tinha potencial como proteína-inseticida. 

Na pesquisa prática, ela oferecia CFPI aos insetos misturada à refeição, durante o seu desenvolvimento, desde a larva neonata até o quarto instar, a penúltima fase larval na qual o inseto começa se preparar para ser pupa.

Após esse período, a doutoranda avaliou a mortalidade e o peso médio das larvas, e extraiu o intestino para avaliar a atividade das enzimas digestivas, proteínas presentes nesse órgão. Para comparação, havia um grupo-controle que somente se alimentava com refeição sem o inibidor.

Essa proteína-inseticida não foi purificada pelas técnicas usuais, por se tratar de um inibidor que aparece em pequena quantidade na planta. A autora desenvolveu um método de purificação novo que separou a proteína por diferença de peso molecular e interação hidrofóbica (que não se dilui em água).

A autora prossegue estudando outras funções para essa proteína, tida como multifuncional, uma vez que possui atividade contra insetos e também atividade anticoagulante e inibidora de tumores. O processo de purificação, juntamente com as diversas aplicações desta proteína, estão sendo patenteados pela Unicamp e pela UFMS.

Além de o inibidor CFPI poder ser transformado em inseticida natural, essa substância pode ser agregada a árvores, espalhada nas folhas ou até mesmo ser aproveitada na área de engenharia genética, modificando-a para ser expressa nas plantas alvejadas pelas pragas.

A doutoranda conta que os inibidores de enzimas digestivas podem ser encontrados em diversas partes das plantas, mas os órgãos de reserva – sementes e tubérculos – são as principais fontes dessas proteínas.

Estudos recentes têm inclusive sugerido que a presença dos inibidores de enzimas digestivas nas plantas aumenta sua resistência ao ataque das pragas. Ocorre que nem sempre os inibidores estão em plantas de interesse comercial ou, quando estão, não aparecem em níveis suficientes para combater as pragas.

“Os insetos que não conseguem digerir o alimento morrem por privação dele. Os seres humanos também têm as chamadas enzimas digestivas. Suas proteínas podem teoricamente inibi-las, porém é preciso um estudo detalhado para saber o quanto se deve comer de proteína para que isso ocorra. Há estudos com ratos que se alimentaram de inibidores de enzimas digestivas e desenvolveram pancreatite”, explica.

Em geral, proteínas de leguminosas passam por cocção (cozimento) no seu preparo, perdendo atividade e se degradando. As leguminosas possuem essa proteína de forma natural. O feijão e a ervilha são exemplos disso. “Não somos alvos deles porque são cozidos. Ninguém come ervilha e feijão crus”, expõe. “É o caso da proteína avaliada. Se fosse pensar em plantas que passam por cozimento, elas deixariam de ter essa atividade.”

A importância deste estudo é que essa é uma proteína nova. Ninguém a isolou no mundo. “Possui ótima atividade anticoagulante e tem papel coadvujante no tratamento do câncer. São, porém, estudos iniciais”, afirma.

Miriam pertence à linha de pesquisa de proteínas-inseticidas extraídas de plantas, para o controle natural de insetos, coordenada por sua orientadora. O estudo foi financiado pelo CNPq e teve apoio do Laboratório de Química de Proteínas (Laquip), dirigido pelo professor do IB Sérgio Marangoni.

 

Publicação

Tese: “Inibidor de proteinase do tipo Bowman-Birk isolado de sementes de Clitoria fairchildiana (Fabaceae): caracterização e atividade biológica sobre Anagasta kuehniella e Corcyra cephalonica
Autora: Miriam Dantzger
Orientadora: Maria Lígia Rodrigues Macedo
Coorientador: Sérgio Marangoni
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Financiamento: CNPq