Edição nº 613

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 10 de novembro de 2014 a 16 de novembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 613

Os impactos dos biocombustíveis no comércio internacional

Dissertação de mestrado desenvolvida na FEM analisa peso dos esquemas de certificação

Na primeira linha da dissertação de mestrado da graduada em direito Rachel Marini Ravagnani que trata dos potenciais impactos que possam ocorrer no comércio internacional de biocombustíveis em decorrência da implantação de esquemas de certificação, se lê que “nossa economia é movida a petróleo, carvão e gás natural”. Alterações climáticas atribuídas ao seu uso intensivo levaram ao surgimento de pressões ambientais com vistas à modificação nessa matriz energética e à utilização de combustíveis biodegradáveis. Contribuíram ainda para a substituição das fontes fósseis de energia as variações do preço do petróleo, a dependência mundial em relação a poucos países produtores, as instabilidades de governos, a dificuldade de encontrar em curto prazo um substituto para o petróleo sem necessidade de grandes alterações de infraestrutura.

Os biocombustíveis surgem então como solução para problemas relacionados à redução de emissões de gases de feito estufa, segurança de suprimento energético e redução da dependência do petróleo e seus derivados. Entretanto, com o aumento do consumo de biocombustíveis, a sustentabilidade da produção da biomassa e da sua conversão no produto final passou a ser considerada com vistas a garantir a contribuição efetiva dessa nova fonte energética. Mesmo porque tanto o cultivo massivo necessário à obtenção de biomassa como a produção de combustível propriamente dito geram, também, pressões ambientais em decorrência do consumo de água, do uso do solo e coloca inclusive o problema da terra tomada à produção de alimentos.

Para garantir os benefícios decorrentes da utilização de combustíveis renováveis aliados à forma de produção sustentável, adotaram-se tanto para os processos de produção de biomassa como de combustíveis os esquemas de certificações. Em decorrência passou-se a questionar então se as certificações não seriam responsáveis por tornarem os custos proibitivos, principalmente para os pequenos produtores, criando barreiras não tarifárias e limitando o comércio internacional.

Com o objetivo de verificar qual o potencial dos impactos dos esquemas de certificação no comércio internacional de biocombustíveis e caracterizá-los como barreiras ou facilitadores desse comércio, a pesquisadora Rachel Marini Ravagnani apresentou, na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, dissertação em que analisa os “Potenciais impactos no comércio internacional de biocombustíveis associados à implementação de esquemas de certificação”, orientada pelo professor Arnaldo Cesar da Silva Walter. 

Como o mercado internacional de combustíveis renováveis é recente, a avalição dos impactos econômicos decorrentes de esquemas de certificação é impraticável, porque ainda de alcance muito restrito, o que levou a pesquisadora a uma análise comparada com setores mais maduros e experientes em relação às certificações. Ela então conduziu o estudo de forma a comparar os impactos verificados nesse comércio internacional com dois setores em que a certificação é utilizada há algum tempo, o de alimentos e produtos florestais. Com base na análise dos resultados observados nesses setores, ela traçou um paralelo que lhe permitiu discutir a influência dos esquemas de certificação nos potenciais impactos no comércio de biocombustíveis.

O trabalho levou ao estudo de outras questões como ao exame do panorama do mercado de biocombustíveis; à verificação da efetiva atuação das certificações para o setor; ao descortino das aprendizagens que podem advir de outras áreas; à descoberta dos efeitos das certificações sobre os pequenos produtores. Embora as organizações responsáveis pelas certificações ou normatizações devessem, em princípio, considerar critérios e indicadores que deem sustentação aos requisitos de sustentabilidade, uma grande questão permeia o trabalho: as certificações visam realmente estimular a produção sustentável de biocombustíveis ou criam mecanismos protecionistas e barreiras ao comércio internacional?

Como suporte ao entendimento dos mecanismos e atuação dos órgãos que compõem o cenário jurídico e comercial internacional são abordadas também no trabalho questões de direito e comércio internacionais que permeiam a problemática discutida.

 

O trabalho

O estudo inicialmente apresenta o mercado internacional de biocombustíveis e contextualiza a evolução do emprego do etanol e do biodiesel, os mais comuns; discorre sobre a competição entre combustível e alimentos; e discute investimentos necessários a novas gerações, segurança energética, sustentabilidade, perspectiva de comércio, produção e consumo, políticas internacionais e impactos ambientais.

Ao discutir o conceito de sustentabilidade, a autora estabelece sua conexão com energia e a forma de integrá-los aos esquemas de certificação e normatizações, suas motivações e barreiras impostas ao comércio internacional. Apresenta a evolução da utilização de esquemas de certificação nos setores de alimentos e produtos florestais, realiza uma análise comparada entre eles e, a partir desses resultados, traça as perspectivas das implementações de esquemas de certificação nos biocombustíveis e suas possíveis consequências.

Ao abordar o conteúdo jurídico pertinente, a autora introduz o Direito Internacional, mostra a regulamentação do Comércio Internacional realizada através da OMC e suas atuações na resolução de conflitos e de acordos. Ela discute em particular o cabimento dos acordos em relação aos biocombustíveis.

Por fim, o estudo apresenta conclusões e reflexões a respeito das expectativas traçadas na discussão sobre os impactos no comércio internacional de biocombustíveis.

 

Metodologia

Rachel conta que realizou uma extensa revisão bibliográfica e, em termos de metodologia, delimitou o universo estudado selecionando dissertações, pesquisas e estudos científicos que se ativessem preferencialmente à abordagem dos impactos econômicos decorrentes dos esquemas de certificação. Entre os alimentos mereceram destaque café e cacau e nos produtos florestais os madeireiros e ainda papel e celulose.

Ao todo foram analisados 47 documentos, 22 referentes ao setor de alimentos e 25 relacionados a produtos florestais, e compulsados em cada um dos grupos todas as espécies de impactos econômicos mencionados em decorrência das certificações.  Dos 33 identificados no setor de alimentos, 8 revelaram-se mais recorrentes e foram selecionados para discussão no trabalho: diferencial de preço do produto comercializado; custos envolvidos em todas as etapas de implantação do processo; influências no volume de exportações; variação da produtividade; percepção dos produtores em relação à experiência; acesso a crédito; renda; e lucro.

No setor de produtos florestais foram identificadas 38 espécies de impactos econômicos relacionados às certificações e 11 deles apareceram com maior número de repetições: gestão decorrente da introdução de novas técnicas e procedimento; diferencial de preços do produto; possibilidades de novos negócios; manutenção do mercado; custos de produção; reputação da empresa; transparência; apoio financeiro, produtividade; questões sociais; e exportações.

Ao fazer uma análise comparativa dos dois setores, a pesquisadora verificou que os indicadores mais expressivos em ambos foram o diferencial de valores e volumes relacionados a exportações, fatores relevantes em vista dos seus significativos impactos comerciais. Com base nesses elementos ela partiu então para a verificação dos impactos que podem ser esperados no caso dos biocombustíveis.  E explica: “Essa comparação me permitiu traçar uma perspectiva em relação aos biocombustíveis, ou seja, o que se pode prever quando os esquemas de certificações passarem a ser uma realidade mais palpável para os biocombustíveis no mercado internacional”.

 

Conclusões

Para Rachel, tanto a análise como a constatação do potencial dos esquemas de certificação na formação de barreiras não tarifarias revelaram-se complexas, face à diversidade de fatores e variáveis intervenientes. É possível esperar que as certificações para os biocombustíveis apresentem impactos positivos nas exportações desde que o mercado consumidor reconheça a importância dos esquemas de certificação e cobre resultados que indiquem efetiva sustentabilidade. Cabe aos produtores, por sua vez, atender a alguns requisitos como a economicidade e a produção em escala. Embora pairem dúvidas sobre a existência de mercados para produtos certificados, os produtores que não buscarem as certificações correm o risco de se restringirem aos mercados locais, pois elas, além de potencialmente assegurarem a manutenção dos mercados já conquistados, possibilitam a abertura de outros face à confiabilidade que lhes é associada pelos consumidores.

A pesquisadora enfatiza que não é possível afirmar que o esquema de certificação atue como barreira, pois depende muito das motivações que as movem. Atua como barreira comercial quando utilizado como imposição mercadológica, diferentemente do que ocorre quando as exigências que orientam as certificações estão atreladas à segurança e buscam a melhor adequação às formas de produção, atendendo aos imperativos da sustentabilidade e da preservação ambiental, flexibilizando inclusive exigências para atender as contingências de diferentes países exportadores.

Para ela, foi possível verificar, olhando friamente os números, que os esquemas de certificação até auxiliam o comércio internacional porque de um modo geral as exportações e o diferencial de preços são positivos. Por outro lado, como as adaptações às novas exigências oneram a produção entre 5% a 25%, os custos podem se tornar impeditivos principalmente para os pequenos produtores.

Mas não há como afirmar que os esquemas de certificação atuem como barreiras comerciais não tarifárias. Rachel constata que as situações enfrentadas pelos produtores variam muito de região para região e de local para local e, como estão atreladas a experiências específicas e particulares, exigem análise de caso a caso. Ela lembra, a propósito, que “mesmo na literatura especializada há dificuldades em identificar como a normatização e os esquemas de certificação impactam o comércio internacional em qualquer setor da economia. Imagine-se, então em um setor muito recente”.

 

Publicação

Dissertação: “Potenciais impactos no comércio internacional de biocombustíveis associados à implementação de esquemas de certificação”
Autora: Rachel Marini Ravagnani
Orientador: Arnaldo Cesar da Silva Walter
Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)