Edição nº 613

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 10 de novembro de 2014 a 16 de novembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 613

Estudos desvendam mecanismos que previnem e aumentam riscos de infarto

Três pesquisas desenvolvidas na FCM buscam validar biomarcadores na população brasileira

O infarto do miocárdio é popularmente conhecido como ataque cardíaco e é causado pela redução do fluxo sanguíneo do coração. É uma das mais frequentes causas de óbito em todo o mundo. Estima-se que 65% de indivíduos no Brasil com mais de 30 anos de idade podem vir a ter um infarto. Aproximadamente 50% dos pacientes infartados morrem antes de chegar ao hospital e, mesmo para os que chegam, a mortalidade permanece elevada.

Pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp que integram o Brasilia Heart Study (BHS), coordenados pelo professor da disciplina de cardiologia da FCM Andrei Carvalho Sposito, apresentaram em congressos de cardiologia nacionais e internacionais o resultado de três pesquisas que avançam no entendimento e também no tratamento do infarto.

Os pesquisadores trabalharam com três frentes de pesquisa que buscam validar biomarcadores na população brasileira e que podem ser úteis no mundo: o uso de estatinas em pacientes diabéticos, a ação do colesterol HDL na prevenção do infarto e o estudo de uma mutação genética presente em 50% da população.

“Os três estudos revelaram parâmetros genéticos e metabólicos que são inéditos. São potenciais alvos de intervenção terapêutica que podem resultar na atenuação da mortalidade e sobrevida dos pacientes infartados”, revelou Andrei.

 

Diabetes

As estatinas são medicações largamente utilizadas em pacientes cardíacos estáveis, desempenhando papel redutor do colesterol ruim (LDL). Por esse motivo, o uso de estatinas tem sido recomendado em pacientes com infarto. Porém, um de seus efeitos colaterais, é o aumento da glicose no sangue após meses de tratamento. Hiperglicemia na fase aguda do infarto do miocárdio é um potente marcador de mortalidade, particularmente em não diabéticos. Desde 2006, 366 pacientes não diabéticos com infarto do miocárdio foram tratados sem estatina ou com sinvastatina 20, 40 ou 80 mg/dia.

De acordo com a pesquisa, doses elevadas de estatinas pioram a capacidade das células gordurosas em captar glicose, levando a hiperglicemia nos pacientes com infarto. Os pacientes que não foram tratados com estatinas e que tiveram hiperglicemia nas primeiras horas após o infarto tiveram três vezes mais chances de morrer em dois anos, comparados aos pacientes com glicose sanguínea mais baixa. Porém, naqueles que usaram estatinas, a presença de hiperglicemia não aumentou a mortalidade.

“O estudo provou que dar estatina no paciente infartado de fato piora a glicemia e a sensibilidade à insulina, mas não aumenta a mortalidade. Isso mostra que o benefício da ação protetora de estatinas no paciente com infarto do miocárdio supera o risco relacionado ao aumento da glicose no sangue. A pesquisa é inédita ao estabelecer como isso acontece”, explica Andrei.

 

Colesterol

Os pesquisadores avaliaram o papel do colesterol bom (HDL) nas primeiras semanas de 180 pacientes após o infarto do miocárdio. O HDL – lipoproteína de alta densidade – é uma nanopartícula (com muitas moléculas em seu interior) que protege contra doenças cardiovasculares, tendo papel anti-inflamatório e antioxidante. O estudo sugere que a inflamação decorrente do infarto gera alterações na estrutura e na função do HDL, de forma a torná-lo incapaz de proteger e até mesmo ser lesiva às células dos vasos sanguíneos.

O plasma do sangue dos pacientes foi obtido nas primeiras 24 horas e no quinto dia após o infarto. Foram medidas a concentração de nitrato (NOx) e marcadores de inflamação sistêmica e estresse oxidativo. As lipoproteínas, incluindo o HDL, foram isoladas por ultracentrifugação. Os pesquisadores mediram a capacidade protetora do HDL sobre a oxidação da lipoproteína de baixa densidade (LDL). Foi também estimada a atividade anti-inflamatória do HDL a partir da secreção de moléculas de adesão por células endoteliais de veia umbilical humana.

“Na ocasião do infarto o HDL se torna repleto de espécies reativas de oxigênio, comumente conhecidas como radicais livres, como forma de proteção, e passa a carregar esses radicais livres durante muito tempo. Assim, o HDL perde sua capacidade anti-inflamatória e antioxidante, tornando causador de dano vascular em médio prazo”, disse o médico do Hospital de Base de Brasília e pós-graduando da FCM Luis Sérgio Fernandes de Carvalho.

 

Mutação genética

Em outro estudo com 269 pacientes com infarto do coração, os pesquisadores selecionaram uma mutação no alelo T do gene TCF7L2, comum em aproximadamente 50% da população, e que causa menor produção de insulina – hormônio que apresenta além de efeito redutor da glicose sanguínea, propriedades anti-inflamatórias e anticoagulantes.

Pacientes com menor habilidade em produzir insulina sofrem mais com o infarto e tem uma mortalidade maior. Em estudos in vitro e em animais, a uso de insulina tem efeitos benéficos. Mas o uso da insulina em humanos não reduziu a mortalidade, de acordo com a pesquisa.

“Nos níveis fisiológicos, a insulina pode ser protetora, mas quando você ministra insulina em grande quantidade nas pessoas, os efeitos não se reproduzem. Os pacientes portadores da mutação no alelo T do gene TCF7L2 apresentaram três vezes mais chances de morrer após 30 dias do infarto”, disse o médico do Hospital de Base Brasília e pós-graduando da FCM Filipe Azevedo Moura.

“Todas essas pesquisas são uma janela que está se abrindo para a melhor avaliação do risco e, possivelmente, tratamento de pacientes infartados. Testar estas novas hipóteses é o próximo passo a ser dado”, disse Andrei.

 

Prêmios

A pesquisa “Estatina na fase aguda do infarto do miocárdio induz resistência a insulina por inibição da sinalização intracelular sem atenuar benefício clínico”, conduzida pelo professor Andrei Carvalho Sposito, da FCM, recebeu os prêmios de Melhor Investigador Sênior do 69º Congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia de 2014 e de Melhor Pesquisa Aplicada do 35ª Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp). Além disso, a pesquisa foi finalista do prêmio Jovem Investigador (Yuphar) no Congresso Mundial de Farmacologia em Cape Town, África do Sul.

Já a pesquisa “Elevados níveis da lipoproteína de alta densidade (HDL) disfuncional na fase aguda do infarto do miocárdio associam-se a reduzida dilatação fluxo-mediada e biodisponibilidade de óxido nítrico” conduzida pelo médico Luiz Sérgio Fernandes de Carvalho, ganhou o prêmio Jovem Investigador do 69º Congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia 2014 e foi finalista na categoria de Melhor Pesquisa Aplicada, categoria Jovem pesquisador, do 35º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp). 

A pesquisa “TCFL2 polymorphism is associated with decreased insulin secretion and increased intra-hospital mortality following myocardial infarction” sobre mutação genética, conduzida pelo médico Filipe Azevedo Moura do grupo BHS, recebeu o título de Pesquisa do Ano de 2014 na categoria Jovem Investigador do Congresso da American College of Cardiology (ACC), ocorrido em Washington, Estados Unidos.

“É a primeira vez que um estudo integralmente realizado no Brasil recebe o prêmio do ACC. Trata-se de um enorme estímulo para nossos pesquisadores”, disse o professor da FCM Andrei Carvalho Sposito.

 

Sobre o grupo

O Brasilia Heart Study (BHS) é um grupo de pesquisa sediado no Hospital de Base de Brasília (HBDF) e no Hospital de Clínicas da Unicamp. A coordenação do grupo é do professor da disciplina de cardiologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp Andrei Carvalho Sposito, com a participação dos médicos José Carlos Quináglia e Silva, Osório Rangel, Simone Santos, Luiz Sérgio Fernandes Carvalho, Filipe Azevedo Moura, entre outros. Desde 2006, o grupo já envolveu 600 pacientes com infarto do miocárdio em pesquisas e publicou mais de 15 artigos em revistas internacionais de alto impacto. Nos últimos dois anos, a relevância dos estudos tem aumentado, sendo que três estudos recentes ganharam destaque nacional e internacional após ganharem prêmios de importantes instituições de pesquisa e colegiados de especialistas em cardiologia.

 

As pesquisas

“Elevados níveis da lipoproteína de alta densidade (HDL) disfuncional na fase aguda do infarto do miocárdio associam-se a reduzida dilatação fluxo-mediada e biodisponibilidade de óxido nítrico”
Autores: Luiz Sérgio Fernandes de Carvalho, Simone Nascimento dos Santos, Rodrigo Gimenez Pissutti Modolo, Natália Baratella Panzoldo, Foncieli Fontana, José Carlos Quinaglia e Silva, Eliana Cotta de Faria e Andrei Carvalho Sposito
Unidades: Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília e Hospital de Base do Distrito Federal

“Estatina na fase aguda do infarto do miocárdio induz resistência a insulina por inibição da sinalização intracelular sem atenuar benefício clínico”
Autores: Andrei Carvalho Sposito, Luiz Sérgio Fernandes de Carvalho, Filipe Azevedo Moura, Riobaldo Marcelo Ribeiro Cintra, Jose Carlos Quinaglia e Silva, Osorio Luis Rangel de Almeida, José Mario Abdalla Saad e Otavio Rizzi Coelho
Unidades: Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília e Hospital de Base do Distrito Federal

“TCFL2 polymorphism is associated with decreased insulin secretion and increased intra-hospital mortality following myocardial infarction”
Publicação: Journal of the American College of Cardiology, 2014
Autores: Filipe A. Moura, Riobaldo M. R. Cintra, Filipe A. Moura, Luiz Sergio F. Carvalho, Mauricio D. A. Gomes, Simone N. Santos, Francisco A. R. Neves, Jose C. Quinaglia e Silva e Andrei Carvalho Sposito
Unidades: Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília e Hospital de Base do Distrito Federal