Edição nº 596

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 12 de maio de 2014 a 18 de maio de 2014 – ANO 2014 – Nº 596

Sistema economiza energia em processos do suco de laranja

Engenheiro de alimentos aposta em alternativa que dispensa reagentes químicos e processos térmicos

O Brasil é o maior produtor de laranja do mundo, superando em mais de 50% o segundo colocado, os EUA. O fruto está entre os dez produtos agropecuários mais produzidos no país. Cerca de 80% da colheita brasileira é utilizada para a produção do suco concentrado que, em sua quase totalidade, destina-se à exportação para Europa e Japão, envolvendo um custo operacional que se situa entre 15% a 20% de seu preço. Diante da cada vez mais acirrada concorrência internacional e da importância do produto para a economia do país, é fundamental o controle eficiente da logística e do transporte do suco de laranja concentrado e congelado destinado ao Exterior de forma a simplificar processos e minimizar custos.

O produto é em geral transportado a granel, em caminhões frigoríficos, da agroindústria de processamento até as câmaras frias dos portos e o carregamento dos navios é feito através de dutos, invertendo-se o processo nos portos de destino.

Os maiores processadores nacionais mantêm seus próprios terminais no Brasil e nos principais países importadores, utilizando frotas de caminhões e navios especialmente desenvolvidos para o transporte do suco concentrado e congelado e de outros produtos cítricos a granel, de forma a garantir a manutenção da qualidade do produto até seu destino.

Como o suco de laranja concentrado e congelado (Frozen Concentrated Orange Juice – FCOJ) se mantém como fluido até 18 graus Celsius negativos, ele é bombeado para os navios em torno de dez graus negativos, condições térmicas que garantem a sua estabilidade.

Os sucos de frutas são constituídos de duas frações: o soro, que contem água e compostos solúveis como açúcares, sais e ácidos; e a polpa, composta de materiais insolúveis como fibras, células, fragmentos delas e biopolímeros. A alta consistência apresentada pelo FCOJ, em vista da preponderância da polpa, exige um bombeamento a grandes pressões, que possibilitam seu transporte pelos dutos, o que demanda consumo de muita energia. Os grandes volumes transportados e a elevada consistência do concentrado torna necessário o conhecimento das propriedades reológicas do produto para melhor dimensionamento de equipamentos e processos. No caso dos líquidos, a reologia estuda os fatores que influem no seu escoamento, que pode ocorrer de maneiras diferentes em relação ao fluxo e ao tempo.

Os estudos existentes referentes à redução da consistência, com vistas à facilitação do transporte e possibilidade do emprego de menor pressão e consequente redução no consumo de energia, envolvem métodos químicos, como os que utilizam enzimas. Buscando uma alternativa que não se valha de reagentes químicos e tampouco de processos térmicos, que poderiam contribuir para alteração do produto, o engenheiro de alimentos Thiago Soares Leite, orientado pelo professor Marcelo Cristianini, do Departamento de Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, pesquisou a possibilidade de utilizar a Homogeneização da Alta Pressão (HAP) para conseguir redução da consistência do produto. As pesquisas foram realizadas no Laboratório de Tecnologias Emergentes da Unidade.

 

A tecnologia

A HAP é uma tecnologia de processamento não térmica em que o produto é pressurizado e forçado a passar por um pequeno orifício, que acarreta em aumento drástico de sua velocidade e grande atrito, de forma que transposto o obstáculo, o fluido encontra um ambiente de atmosfera ambiente, o que o leva a uma expansão repentina, resultando daí partículas sólidas menores face ao rompimento de células e alterações em cadeias de biopolímeros. Este processo causa alteração nas estruturas celulares e de biopolímeros, impactando o tamanho das partículas e a maneira como interagem, modificando assim as características reológicas do produto. Resulta daí um líquido perceptivelmente menos viscoso, com escoamento mais fácil e que exige menor energia em diversas operações industriais, inclusive no transporte em tubulações.

Ao utilizar essa tecnologia no FCOJ, o pesquisador visou a diminuição de sua consistência e alteração de demais propriedades reológicas com vistas à economia de energia em diversas operações unitárias como bombeamento, congelamento e estocagem.  Segundo ele, mesmo pequenas reduções na consistência possibilitam grande economia de energia devido aos grandes volumes de suco processados no Brasil.

Ao verificar o efeito da variação da pressão aplicada na redução da viscosidade do suco concentrado, ele constatou que na pressão de 150 Mega Pascal, que corresponde a cerca de 15 atmosferas, a viscosidade aparente caiu para cerca da metade do valor original, o tamanho das partículas reduziu-se, ocorrendo um aumento na proporção total de partículas pequenas em relação às maiores. A cor do produto concentrado manteve-se a mesma depois da HAP.

Por outro lado, na diluição tanto do FCOJ recebido originalmente da empresa processadora quanto do concentrado submetido à HAP, a cor se mostrou semelhante, o que sinaliza positivamente na produção do suco comercializado em supermercados, pois os consumidores resistiriam ao consumo de produtos que não detivessem as características a que estão acostumados. O autor esclarece que a análise sensorial precisaria, em outra etapa do estudo, ser realizada obedecendo a protocolos técnicos e éticos. Nesses dois casos de diluição também não se observaram diferenças no tempo de sedimentação da polpa, o que não demandaria alteração no hábito do consumidor, já acostumado a agitar as embalagens de sucos comerciais.  

 

O estudo

Thiago esclarece que, com a redução do tamanho das partículas, procurou entender como essa modificação interferia na viscosidade, diminuindo-a. Isso demandou uma série de análises que permitiram dimensionar o tamanho das partículas em função de modificações na pressão e como essas alterações observadas influíam na viscosidade do fluido, de forma a explicar o porquê do fenômeno. Ou seja, ele procurou identificar e dimensionar que mudanças ocorriam no suco submetido à HAP e contribuíam para a alteração de viscosidade. Através da microscopia foi possível enxergar as partículas menores e as cadeias de biopolímeros.

A adoção de um processo não térmico justifica-se porque a temperatura pode degradar os alimentos e alterar o sabor: “O suco concentrado já apresenta um gosto cozido resultante do processo de pasteurização e concentração e não pretendíamos acentuá-lo”, explica.

Descrito aqui de forma simples, o estudo envolve uma série de complexidades técnicas mostradas em quatro capítulos da dissertação, escritos em inglês e estruturados de forma que possibilitasse suas submissões a periódicos internacionais, o que efetivamente está sendo feito.

 

Conclusões

Em linhas gerais, o pesquisador conclui que a utilização da HAP possui grande potencial em sua aplicação no FCOJ, pois levou a significativa redução de sua consistência que, nas condições estudadas, foi reduzida à metade. Esta redução pode ser atribuída principalmente à diminuição do tamanho das partículas e à mudança na distribuição do seu tamanho, do que resultou menor resistência ao escoamento e aumento do efeito lubrificante das partículas menores em relação às maiores.

Os resultados apresentados na dissertação sugerem a importância da realização de estudos futuros como o relativo à verificação da concentração do produto durante a homogeneização e, mais importante, do teor de polpa durante esse processo. O autor chama a atenção para a necessidade de verificação de outros parâmetros, além da cor e opalescência, como a análise sensorial para verificar a aceitação do produto pelo consumidor. Outra questão importante é o cálculo, através de simulações computacionais, da real economia que a redução de consistência confere ao processo e que, além de tudo, possibilitará o balanço do seu saldo energético. Na medida do possível, ele procurará responder pelo menos parte destas questões durante o doutorado.

As expectativas de Marcelo são otimistas: “Reduzir pela metade a consistência do suco concentrado nos abriu a expectativa da esperar ganhos no consumo de energia. Mas apenas através de um balanço energético conseguiremos saber se o que se gasta para reduzir a viscosidade compensa a redução da energia gasta no bombeamento. Acreditamos que a resposta será positiva, pois o processo de HAP é fácil e rápido, facilmente adaptável aos equipamentos em operação que envolve substancialmente o bombeamento do porto para o navio e vice-versa além de etapas que afetas às indústrias de processamento”. Ele acredita em ganhos para exportadores e importadores.

 

Publicação

Dissertação: “Processamento de suco de laranja concentrado e congelado por tecnologia de homogeneização a alta pressão”
Autor: Thiago Soares Leite
Orientador: Marcelo Cristianini
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)