Edição nº 596

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 12 de maio de 2014 a 18 de maio de 2014 – ANO 2014 – Nº 596

A ginástica da inclusão

Educador físico adapta exercícios de modalidade para pessoas com deficiência

A ginástica laboral, que teve origem na Polônia em 1925, disseminou-se nos anos seguintes por vários países da Europa e consolidou-se no Japão, em que foi adotada em 1928. No Brasil foi introduzida por empresários japoneses, no Rio de Janeiro, em 1969, mas sua forte ascensão ocorreu a partir dos anos 90. A ginástica laboral constitui uma modalidade de atividade física oferecida aos funcionários por empresas dos mais variados segmentos e praticada em geral no próprio local de trabalho. Consiste em uma série de exercícios diários de curta duração – 10 a 15 minutos –, selecionados de acordo com as características e necessidades de cada grupo e de cada empresa.

Sua adoção previne doenças ocupacionais que se incluem nos grupos LER (Lesões por Esforços Repetitivos) e DORT (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho), contribuindo para a redução de lesões e consequente absenteísmo e melhora da qualidade de vida. Em decorrência dessa prática, observam-se ainda melhoras nas relações interpessoais e no desenvolvimento de trabalhos em equipe; alívio do estresse e das tensões acumuladas; diminuição do sedentarismo e da fadiga; aumento da disposição e da concentração para a realização de tarefas diárias; e aumento da produtividade. Esse amplo leque de benefícios tem levado cada vez mais empresas a adotá-la.

Com a promulgação da chamada lei de cotas, que obriga as empresas, dependendo do número de funcionários, a manterem em seus quadros de 2% a 5% de pessoas com deficiências, os grupos de ginástica laboral passaram a ser integrados também por indivíduos que demandam cuidados especiais dos educadores físicos responsáveis por essas atividades. Ao se deparar com o problema, Ricardo Lima Bastos, graduado em educação física pela Unicamp, se propôs a realizar trabalho de mestrado procurando fornecer subsídios para que profissionais envolvidos com ginástica laboral tenham condições de levar a bom termo atividades com grupos de que participam pessoas com deficiências, sem discriminá-las.

O estudo mostra técnica e didaticamente, através da prescrição e da forma de execução de exercícios, como deve ser entendida e orientada essa atividade. Paralelamente, com vistas à exequibilidade e ao sucesso dos projetos destinados a empresas, o trabalho se preocupa em contribuir ainda para o entendimento do funcionamento do mundo corporativo. A dissertação foi orientada pelo professor Gustavo Luis Gutierrez, do Departamento de Atividade Física Adaptada, da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp.

 

Interesse

O interesse pelo tema acompanha o autor desde a graduação quando estagiou na FEF e depois no setor de fisioterapia mantido pelo Centro da Saúde da Comunidade (Cecom) da Unicamp, em que atuou no seu programa de ginastica laboral. Anteriormente, ele tinha acumulado experiências corporativas por ter trabalhado na área administrativa de empresas de vários segmentos, ocasiões em que teve inclusive contato com a ginástica laboral. Estas circunstâncias o levaram a se dedicar a ela depois de formado.

Nas empresas deparou-se então com um problema que não enfrentara na Universidade: a presença de deficientes nos grupos. Este fato o levou à conscientização de que as atividades ministradas precisavam de ajuste. Ele explica: “Nas experiências que tive no mercado de trabalho e em conversas com colegas da mesma área, percebi que o professor era levado a improvisar soluções que permitissem a inclusão de pessoas com deficiências. Não raro nos surpreendíamos com a presença dessas pessoas porque não éramos informados das especificidades dos grupos com que íamos trabalhar”. Para ele, a participação de pessoas que necessitam de cuidados específicos durante a aplicação dos exercícios, impõe aulas com novas abordagens, de forma a garantir o enfoque inclusivo. Para tanto, o profissional precisa conhecer as especificidades de cada deficiência.

O aumento cada vez maior de empresas que contratam programas de ginástica laboral face aos seus comprovados benefícios e a lei de cotas acentuam a heterogeneidade dos grupos atendidos e a demanda por profissionais, cuja capacitação pode ser comprometida pela ausência de uma literatura específica, como constatou Ricardo ao realizar seu levantamento bibliográfico.

Este quadro e a constatação das dificuldades enfrentadas pelos profissionais envolvidos nesse trabalho o impulsionaram a iniciar a procura de soluções. Ele tentou inicialmente atrelar seu mestrado à aplicação da ginástica laboral em uma empresa da região de Campinas que já adotasse o programa. Mas suas tentativas foram em vão. Atribui o insucesso não só às dificuldades logísticas, mas também e principalmente à preocupação das empresas com o que pudesse ocorrer a partir da divulgação dos resultados, sobre os quais elas não teriam controle. Diante da impossibilidade de utilizar dados experimentais, ele apoiou o trabalho em uma ampla bibliografia, concentrando-se na análise crítica da literatura disponível. O estudo caracteriza qualidade de vida no ambiente de trabalho por meio do olhar da inclusão. Ele entende que aos deficientes, como membros inseridos na sociedade, deve ser garantida cada vez mais qualidade de vida.

Ricardo considera que é grande o número de publicações envolvendo ginástica laboral, qualidade de vida, inclusão de deficientes na sociedade, o que lhe permitiu embasar e consolidar o trabalho, mesmo sem se valer de dados decorrentes de atividades práticas. Embora extensa, explica ele, a bibliografia sobre ginástica laboral aborda aspectos específicos como sua aplicação em diferentes turnos, diferentes profissões, mas não diferencia cadeirantes, cegos, surdos, portadores de síndrome de Down, deficiências mais presentes entre funcionários de empresas. Ele adaptou então para a ginástica laboral as atividades físicas descritas na literatura e desenvolvidas para portadores dessas principais deficiências.

 

Abordagem

Na dissertação, o autor aborda os principais problemas com que se deparam durante a atividade laboral deficientes visuais, auditivos, portadores de lesões medulares e síndrome de Down, tratando das estratégias que podem ser usadas para enfrentá-los. Explica, por exemplo, que a intensidade de alguns exercícios pode trazer prejuízos para portadores da síndrome de Down, que apresentam frouxidão ligamentar, tônus muscular diminuído e, em decorrência, correm maior risco de lesão se submetidos a movimentos de maior amplitude.

Como na ginástica laboral os comandos são predominantemente visuais, ele explica que no caso dos cegos o profissional deve introduzir uma fala adaptada. Outro recurso é o instrutor manter-se próximo para fazer intervenções corretivas quando necessário.

Mesmo os surdos, que têm a possibilidade de leitura labial, exigem certos cuidados. Ele concorda que o domínio da libra por parte do instrutor facilita o trabalho. Por sua vez, os que apresentam lesão na medula, os cadeirantes, exigem um trabalho de fortalecimento dos braços, mas as escaras que desenvolvem impõem cuidados.

O pesquisador enfatiza, entretanto, que a pessoa com deficiência deve ser colocado no mesmo contexto dos seus colegas de trabalho, pois hoje o que se procura é inseri-lo em todas as atividades sociais de forma a não discriminá-lo. Na ginástica laboral isso se consegue fazendo-o participar das atividades integrado no grupo. Cabe ao professor, então, programar as atividades e se preparar para no decurso delas atender a esse imperativo.

Ricardo esclarece que o trabalho, pela sua própria natureza e alcance, não apresenta soluções, mas procura chamar a atenção para problemas que precisam ser considerados e estudados. Até meados do ano passado, época do último levantamento nas bases de dados consultadas, não existia nenhum estudo similar, o que o faz inédito no gênero. Ele esclarece que “o ineditismo está no fato de se tratar do primeiro trabalho que chama a atenção para a importância de um cuidado especial para a ginástica laboral envolvendo deficientes físicos e sobre a importância de um tratamento diferenciado que seja inclusivo, eficiente e que possa melhorar a qualidade de vida desses sujeitos”.

O estudo visa também inserir o profissional de educação física no contexto empresarial porque a inserção do esporte na cultura organizacional de uma empresa é diferente do que ocorre na escola, nas academias, nas atividades de recreação. Além do que, cabe ao professor de educação física mostrar aos empresários os benefícios desses programas e como devem ser estruturados. Para tanto, esse profissional precisa estar apto a realizar projetos de ginástica laboral, a mostrar sua importância, seus efeitos na melhoria das condições de vida e de produção e a sua contribuição para os processos de inclusão. Mas, além de tudo, é fundamental que ele saiba como funciona o mundo corporativo. Esse amplo conhecimento vai ser essencial já na elaboração do projeto, na forma como ele deve ser apresentado aos empresários, de como deve ocorrer sua implantação e seu impacto positivo nas atividades empresariais propriamente ditas.

Como o autor focou o estudo preferencialmente na conscientização do professor de educação física, ele estuda a possibilidade de transformar o trabalho em livro que possa auxiliar profissionais da área. A propósito afirma: “Senti pessoalmente o drama de chegar em um grupo e me deparar repentinamente com um deficiente visual ou cadeirante. Perplexo me perguntava: ‘e agora, o que faço. Como incluo uma pessoa que não vê? Será que estou prejudicando a coluna do cadeirante?’. Mesmo que o profissional resolva algumas coisas de imediato ele precisa de segurança e discernimento na elaboração, encaminhamentos e aplicações dos projetos”.

 

Publicação

Dissertação: “Qualidade de vida para pessoas com deficiência – contribuições para uma abordagem de ginástica laboral”
Autor: Ricardo Lima Bastos
Orientador: Gustavo Luis Gutierrez
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)