Edição nº 596

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 12 de maio de 2014 a 18 de maio de 2014 – ANO 2014 – Nº 596

A serviço da amizade

Jovens adultos consideram que celular e internet contribuem para a manutenção de relação duradoura

As novas tecnologias, como o telefone celular e a internet, contribuem para a manutenção das amizades duradouras, pois facilitam o contato entre as pessoas numa sociedade em que o tempo tem se tornado cada vez mais escasso. Este é, em síntese, o entendimento de um grupo de jovens adultos moradores da cidade de São Paulo entrevistado para a tese de doutorado da socióloga Bárbara Garcia Ribeiro da Silva, defendida recentemente no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, sob a orientação da professora Gilda Figueiredo Portugal Gouvea. “Essas mesmas pessoas afirmaram, porém, que a amizade duradoura não pode prescindir de encontros face a face”, revela a autora do trabalho.

Em sua pesquisa, inserida na área da Sociologia da Amizade, Bárbara trabalhou com o conceito de “função social” da amizade, tema que mereceu reflexão tanto por parte de pensadores clássicos quanto contemporâneos. A socióloga explica que a amizade normalmente cumpre o papel de manter a estrutura de um determinado grupo social. Quando isso não ocorre, surge o que os especialistas classificam como uma “disfunção”. Para compreender melhor esse tipo de relacionamento, a pesquisadora entrevistou 37 moradores da cidade de São Paulo, com idades 24 e 40 anos, pertencentes às camadas médias da população – todos eram graduados ou com curso superior em andamento.

A autora da tese quis saber dos entrevistados, entre outras questões, como eles enxergavam a função da amizade no mundo atual, marcado pela presença de diferentes tecnologias. Aqui, a socióloga faz uma observação importante. Segundo ela, esse tipo de abordagem fornece ao pesquisador a oportunidade de analisar tanto a função manifesta, aquela mencionada pelos indivíduos consultados, quanto a função latente, a que não aparece diretamente nas falas, mas que está presente nas entrelinhas do discurso. “Estudei essas duas dimensões, pois precisava de uma análise funcionalista completa. Por meio delas, o sociólogo consegue chegar a uma espécie de engenharia social”, detalha.

Tais funções, prossegue Bárbara, têm sofrido mudanças ao longo do tempo. Na Roma antiga, por exemplo, a função social da amizade estava associada ao afeto. Na época do Romantismo, à afinidade. Nas entrevistas que realizou, a socióloga identificou que a função manifesta mais mencionada nas respostas dos participantes em relação à amizade duradoura foi a troca do afeto, seguida do autoconhecimento. Já a função latente, segundo a socióloga, corresponde a “uma disponibilidade incondicional no tempo”. “Elas disseram que, quando precisam de ajuda, sabem que podem contar com o amigo, mesmo que seja durante a madrugada”, relata.

Dentro desse contexto, prossegue a autora da tese, os entrevistados apontaram as novas tecnologias como ferramentas úteis à manutenção dessa amizade perene. Segundo eles, numa cidade como São Paulo, em que os deslocamentos são dificultados pelo trânsito caótico, é relativamente comum a postergação de encontros com amigos. Desse modo, o uso do celular e da internet é considerado importante, pois contribui para que o contato tenha continuidade, ainda que à distância. Por meio dessas tecnologias, consideraram os consultados, um amigo consegue se manter atualizado em relação ao que se passa com o outro, tem a oportunidade de trocar fotografias e agendar encontros presenciais.

O contato face a face, assinala Bárbara, foi apontado pelos entrevistados como condição indispensável à preservação da amizade duradoura. “Embora considerem o uso da tecnologia válido, eles entendem que nada pode substituir o encontro presencial”, revela. Vários participantes admitiram, porém, que os encontros olho no olho têm ficado mais espaçados, justamente por causa da correria do cotidiano. “Algumas pessoas disseram que veem o amigo somente uma vez ao ano, mas que sabem que a relação segue sólida e que um sempre poderá contar com o outro, a despeito das circunstâncias”, acrescenta a socióloga.

Além disso, muitos participantes da pesquisa afirmaram que a amizade começa com a afinidade e que depois evolui para o afeto. Afinidade, nesse caso, não tem relação com os interesses em comum, mas sim com experiências compartilhadas, como pontua Bárbara. Um exemplo disso, de acordo com a pesquisadora, apareceu na fala de uma das entrevistadas. Ela contou que o pai teve o carro roubado e por isso não tinha mais como buscá-la após a balada. Ao tomarem conhecimento do episódio, os amigos resolveram, em ato de solidariedade, voltar a pé com ela para casa.

 

Metodologia

Um dado importante sobre a pesquisa de campo feita para a tese de doutorado, segundo Bárbara, é que ela foi executada em duas etapas. A primeira foi realizada no segundo semestre de 2010 e a segunda entre dezembro de 2012 e agosto de 2013. Conforme a socióloga, uma apresenta diferença em relação à outra, em virtude do surgimento no mercado de novas tecnologias. “Na primeira fase, por exemplo, o telefone celular era mais usado para a comunicação oral e para enviar mensagens de texto, popularmente chamados de torpedos. Na segunda, para acessar a internet, entrar nas redes sociais, enviar mensagens de texto e estabelecer contatos via whatsapp. Também foi possível notar que, na segunda fase da pesquisa, o e-mail passou a ser usado mais para as atividades profissionais”, diz.

Ainda em relação à metodologia empregada, a autora da tese informa que utilizou uma técnica de investigação na qual o uso do tempo é fundamental. Bárbara aplicou um questionário que permite uma sondagem mais ampla e aprofundada acerca dos hábitos dos entrevistados. Assim, em vez de entrar diretamente no tema de seu interesse, que era a função social da amizade, ela abordava inicialmente outros aspectos, como o meio de transporte utilizado pela pessoa para se dirigir ao trabalho, o momento em que ela liga o celular ou que programas costuma fazer aos finais de semana.

Com esse procedimento, a socióloga conseguiu obter algumas evidências relevantes, tais como “quem são os amigos do entrevistado” e “como o entrevistado costuma utilizar o celular e a internet”. “Esse tipo de instrumento é muito interessante porque permite chegar a itens do estudo por meio de depoimentos mais espontâneos. Para mim, foi um trabalho muito interessante de ser feito. Aprendi muito sobre a amizade. Espero que minha pesquisa sirva de ponto de reflexão para as pessoas sobre esse tipo de relacionamento”, declara a autora da tese.

 

 

Publicação

Tese: “A função social da amizade duradoura na sociedade contemporânea: estudo com jovens adultos moradores da metrópole paulistana”
Autora: Bárbara Garcia Ribeiro da Silva
Orientadora: Gilda Figueiredo Portugal Gouvea
Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)