Edição nº 539

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 24 de setembro de 2012 a 30 de setembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 539

‘Trato as plantas
como se fossem gente’

A trajetória do funcionário Divino Manuel Elias,
que é jardineiro na Unicamp desde 1983

 

"Tem de ter amor naquilo que faz. Tem de ter amor nas pessoas. Tem de ter amor na natureza”. Se o vocabulário de um cientista na maioria das vezes é repleto de termos de sua área de interesse, o vocabulário de um jardineiro deve ser movido pelo amor. Apesar do sol e da chuva e dos calos provocados pela enxada, a mata está verde, o ipê, amarelo e o jatobá, em pé. Essas são as conquistas de um homem que se descobriu jardineiro no momento em que orava para a primeira semente virar raiz, galhos e copa. “Agora, olhe a mata da Marcenaria e da Escola Sérgio Porto. Fomos nós, do Parque Ecológico (hoje Divisão de Meio Ambiente), que plantamos”, observa Divino Manuel Elias, hoje jardineiro da Reitoria da Unicamp.

Como disse certa vez o professor e matemático Luiz Barco em uma palestra, “prefiro um jardineiro feliz a um engenheiro frustrado”. Essas palavras traduzem muito bem a história de Divino, que um dia se recusou a trocar o campo pelo trabalho burocrático. “Queriam que eu ficasse atendendo telefone e tomando conta de ferramentas, mas disse que prefiro as plantas. Além do mais, não sirvo para ficar parado.”

Apesar de manter sempre o olhar voltado às plantas, o que sugere um certo grau de timidez, Divino não se incomoda de falar o que sente em relação a passado, presente e futuro. Acredita que toda experiência foi aprendizado, ainda que se refira ao início, em 1983, quando eram conduzidos aos setores onde iriam trabalhar em uma camionete velha e pequena. Para garantir sombra, paisagem visual e qualidade de vida aos demais profissionais e alunos do campus, tiveram de superar muitas situações adversas. Nada, porém, para Divino, lhe tirou o prazer de trabalhar em contato com a natureza. “Não era fácil andar naquela carroceria pequenininha e chegar ao local em que iria trabalhar e o encarregado reclamar que não podia perder tempo, que estava atrasado. Mas não me queixo.”

Divino também recorda de sua surpresa ao ver cinco mulheres na equipe que deveria roçar a grama, entre elas Magali e Antonia, oriundas de um renomado colégio técnico de agricultura. “Elas foram fortes demais. Naquela época tinham cinco mulheres na equipe e serviço de enxada era pesado para elas. As outras três mulheres não aguentaram, mas as duas hoje são reconhecidas, estão em outra área. Tenho orgulho dessas meninas”, declara.

Persistência

Mas tudo muda, e o final da história pode ser repleto de conquistas. É preciso paciência e persistência. Foi da jardinagem que Divino tirou o sustento da família, a educação do filho Cristiano Manuel Elias, que hoje está em busca de seu segundo diploma de graduação. “Foi uma luta, mas deu tudo certo para mim e para meus amigos.” Hoje, cuidando dos jardins da Reitoria, ele assume que é gratificante ter as plantas como companheiras de trabalho. “Termino o dia em paz.” Mas isso não impede um discurso saudoso sobre mais de 30 amigos que morreram, “como o Eduardinho da Pró-Reitoria de Extensão e o ‘Osvaldão’ (Osvaldo Pereira), um batalhador pelos direitos dos funcionários do Parque Ecológico”, segundo Divino. “Osvaldo era estudioso. Era querido por todos. Passou na primeira fase do vestibular da Unicamp, mas morreu cedo, quando tinha 18 anos de Universidade. Fui visitá-lo em seus últimos dias de vida. Foi muito triste”, recorda.

A persistência e a paixão pela natureza deram força para ele e seus amigos aprimorarem a paisagem do campus de Barão Geraldo, dentro dos projetos propostos por profissionais da Divisão de Meio Ambiente, como o biólogo Adriano Grandinetti Amarante. “Muitas vezes quem está aqui não enxerga o quanto o campus é belo, mas todos que visitam o olham com admiração”, alerta.

De olho na aposentadoria que se aproxima, Divino ressalta o prazer em trabalhar, mas revela que daqui a um ano quer pescar, viajar e descansar. “Muitos amigos aposentaram e morreram. Eu quero aposentar e viver. Pretendo curtir a vida que ainda tenho, passear, pescar, fazer bastante caminhada”. As condições para aposentar com saúde ele já busca na Unicamp, em sessões de ginástica laboral, o que ele entende como um dos principais benefícios que a Universidade lhe proporcionou. “É muito importante fazer ginástica laboral. A atividade física garante saúde pra gente”, reforça o jardineiro, que pedala 12 quilômetros até a Unicamp diariamente.

Tão logo deixou o trabalho na roça, iniciado aos 10 anos de idade em Congonhal, Minas Gerais, Divino começou a atuar como jardineiro. Convidado pelo proprietário de uma chácara para fazer jardinagem, logo tomou gosto, comprou uma máquina para aparar grama e passou a trabalhar quatro anos por conta, até que abrisse o concurso para a Unicamp. “Trato as plantas como se fossem gente. Quando a gente adoece, não toma remédio? Então, com elas é a mesma coisa. Quando aguada, a planta tem felicidade. Se não está bem hoje, com a água, amanhã está renovada. Se for plantada com carinho e ficar um dia sem água, não morre.”

Divino e seus amigos encontravam quatro, cinco cobras por dia no campo quando chegaram à Unicamp. A Praça da Paz era um mato só, mas aos poucos viu o projeto paisagístico sendo colocado em prática. Conhece a história da maior parte da flora do campus. Viu brotar do chão também alguns edifícios, como o Ginásio de Esportes, a Biblioteca Central, mas também viu descer algumas árvores e garante: “Não sou a favor. O espaço é tão grande que não precisa derrubar árvore para erguer prédio”, diz.

Ele recorda o abraço ao Jatobá da Reitoria num momento que a paisagem seria modificada. “Várias mulheres abraçaram a árvore e impediram que fosse derrubada. Ela permanece lá até hoje e não incomoda ninguém”, diz Divino, aos risos.

Uma trepadeira de cada cor, árvores frutíferas e um espaço para o cachorro fiel. É essa a paisagem que Divino mantém em seu quintal, em Barão Geraldo. A felicidade explícita na entonação ao falar de seu fiel escudeiro mostra a paixão também pelos animais.

Divino não precisou passar da quinta série (hoje sexto ano) do ensino fundamental para escrever uma história fundamentada na sabedoria da vida. Quando a Unicamp colocou em prática um projeto de Alfabetização 100%, ele foi um dos funcionários que não desperdiçaram a oportunidade de se tornar um cidadão letrado, autônomo. “Foi mais um projeto maravilhoso. Graças a Deus a Unicamp alfabetizou a gente e hoje não dependemos de ninguém para entender o que está escrito. Pena que algumas pessoas não valorizaram. As pessoas têm que aproveitar o que a Unicamp oferece, como a ginástica laboral. Está ali, de graça, é para a saúde”, salienta.

Na sua infância, as pessoas não entendiam a importância de estudar e não havia debate sobre trabalho infantil. Então, os pais levavam a família toda ao campo. Hoje, ele vibra ao falar das conquistas do filho e do desejo de Cristiano de cuidar dos pais, como retribuição ao que Divino e a esposa, Jordita dos Santos Elias, fizeram por ele. Da vida na roça, o mineiro quer falar pouco. “A gente trabalhava na colheita de arroz e sofria com o ataque de um bicho chamado sanguessuga. Não podíamos parar de colher e ele grudava na perna e ia queimando.”

“Minha vida inteira é isso aí: trabalho. E quero continuar trabalhando alguns dias da semana depois da aposentadoria. Mas somente alguns dias. Quero aproveitar a vida que Deus me deu.” O jardineiro não se vê fazendo outras coisas, nem mesmo por hobby. A segunda coisa que adora fazer depois de alimentar seus jardins é ler a Bíblia. “A gente tem de buscar sabedoria em Deus”.

Comentários

Comentário: 

Sr. Divino!!
Sua família não poderia ter escolhido nome mais adequado para o bebezinho que desenvolveria essa trajetória de vida! Não nos conhecemos ainda, mas quando encontrá-lo, vou me curvar e beijar-lhe a mão.
O senhor é para mim, que sou bióloga, um grande exemplo com quem tenho muito a aprender!
Parabéns por todo o trabalho realizado!

smartins@unicamp.br

Comentário: 

Sr Divino!
Sou observadora do seu trabalho, e ás vezes trocamos até umas palavrinhas sobre seu carinho com os canteiros, e o aguar das plantas tão necessários, e tão bem percebidos e sentidos, por alguém especial como o senhor.
Fico extremamente feliz por matérias tão sensíveis como esta, que só podem ser registradas por que existem pessoas tão especiais como o Sr Divino. O Sr é um exemplo para nós. Parabéns!!

valeriaf@unicamp.br

Comentário: 

É um privilégio chegar todos os dias e ver o Sr. Divino não só cuidando, mas se relacionando com as plantas. É um homem que gera vida em toda a natureza que toca. Parabéns pela linda história de vida, por não se esquecer dos amigos, por entender exatamente seu chamado, e pela sabedoria de ser feliz nas pequenas coisas... Enquanto houver homens como o Senhor, ainda haverá esperança!

Que Deus continue fazendo a diferença na sua vida!

deniseo@reitoria.unicamp.br

Comentário: 

Meu querido amigo! Como é bom ser amiga de uma pessoa tão especial e abençoada por Deus.
Não é a toa que lhe apelidei carinhosamente de "dedinhos verdes". Vc transforma e dá vida em tudo que toca.
Deus te abençoe e te guarde!
Que através de seu sorriso, continue passando a mesagem de como é simples viver, ser feliz!!!
Um grande abraço. Kelly

kelly@reitoria.unicamp.br

Comentário: 

Sempre que passo proximo aos predios da Reitoria, fico admirando as plantas muito bem cuidadas, e agora tomo ciencia que é o Sr. Divino responsavel pela beleza das mesmas, conheço esse senhor a muito tempo mas apenas oi, tudo bem, mais não sabia o nome dele, agora sei.
Parabens senhor Divino.

antonio.domingos@gc.unicamp.br