Edição nº 539

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 24 de setembro de 2012 a 30 de setembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 539

Estudo mapeia
ação de bactéria

Docente do IB integrou trabalho multicêntrico
que envolveu 132 linhagens da Shigella

 
A Shigella sonnei é uma bactéria que é um importante agente de doenças infecciosas diarreicas que em geral acometem crianças com idade até cinco anos, além de idosos e pacientes imunocomprometidos. O tema acaba de gerar um artigo na prestigiosa revista Nature Genetics, que tem um dos mais altos fatores de impacto na área de Biologia. A publicação, primeiramente em sua versão on-line, foi postada no último dia 5 de agosto sob o título Shigella sonnei genome sequencing and phylogenetic analysis indicate recent global dissemination from Europe.

O professor Wanderley Dias da Silveira, docente que atua no Departamento de Genética e Evolução e Bioagentes do Instituto de Biologia (IB), integrou o grupo que realizou este estudo multicêntrico colaborativamente com pesquisadores de vários países, entre os quais do Reino Unido e da Austrália.

O trabalho envolveu ao todo 132 linhagens da bactéria Shigella, vindas dos quatro continentes, com o objetivo de estabelecer a sua origem, já que desencadeia surtos de diarreia infecciosa não somente em países subdesenvolvidos, mas também em países em desenvolvimento e desenvolvidos.

O estudo apontou que as condições sanitárias básicas dos países mudam o perfil das bactérias que promovem os diferentes processos infecciosos e que, para isso, é essencial que elas sejam de fato adotadas pois, no geral, a qualidade de vida da população melhora drasticamente, garante Wanderley.

Os clones dessas bactérias são muito parecidos porque tendem a ser selecionados, ainda que existam medidas governamentais de controle atualmente, demonstrou a pesquisa. E por que eles são selecionados, apesar das medidas de controle? Por conta de serem altamente resistentes aos antibióticos, responde o docente.

Por outro lado, ele sugeriu que, a despeito da melhora das condições de higiene e de saúde pública dos países, essas bactérias ainda levam a processos infecciosos e com o agravante de que às vezes uma espécie é substituída por outra. “Nos países desenvolvidos, anteriormente a Shigella flexneri, que era a espécie mais prevalente, foi aos poucos substituída pela Shigella sonnei”, sublinha. 

Diversas espécies de Shigella, comenta ele, são conhecidas. A sonnei é uma das mais importantes. Além de ter maior incidência e maior prevalência, dependendo do país no qual é feita a pesquisa, normalmente reflete as condições básicas de higiene e saúde da população. A inobservância das precauções universais é muito comum, como a falta de higienização das mãos e de água tratada, entre outros fatores intervenientes.
Particularmente, essa bactéria causa processos infecciosos em crianças por uma série de motivos, sendo o principal a idade, uma vez que até cinco anos o seu sistema imunológico está em construção, tornando-a suscetível a várias doenças infecciosas, a priori as bacterianas e as virais. 

Conforme melhoram as condições sanitárias, a incidência de doenças infecciosas diminui. Mas essas condições já foram piores no Brasil, recorda Wanderley, isso porque o país está hoje situado entre as nações em desenvolvimento, cumprindo uma série de quesitos que vêm melhorando a qualidade de vida da população.

Mesmo assim, persistem alguns casos de diarreia por Shigella, e não somente da espécie sonnei. Também da Shigella flexneri e da Shigella dysenteriae) e, com menor frequência, da Shigella boydii.
Essas bactérias têm como característica o fato de possuir uma ação efetiva com baixa dose infectante, tanto que, consoante à linhagem, de 100 a 1.000 bactérias ingeridas de uma única vez são suficientes para conduzir a um processo infeccioso. E o seu poder patogênico é muito grande, com um grau de virulência elevado em comparação a outros tipos de bactéria que causam diarreia.

Ação

Normalmente, esse desarranjo vem seguido de febre, e o seu principal mecanismo de transmissão é a ingestão via fecal oral. “Ingerem-se fezes de pessoas contaminadas com este tipo de bactéria, que irão desenvolver o processo infeccioso no intestino”, realça Wanderley.

“Os pacientes mais acometidos são as crianças, muitas das quais em creches, e idosos, cujo sistema imunológico está em declínio e que mostram deficiências nutricionais capazes de levar a um processo infeccioso por este tipo de bactéria”, conta o docente.

Também atinge pacientes institucionalizados, menciona ele, como aqueles que vivem em sistemas prisionais, em instituições dirigidas ao tratamento de transtornos mentais (que têm por hábito levar as mãos contaminadas à boca) ou que estão internados em lugares em que as condições de higiene são precárias e em casas de repouso.

Há ocorrências dessa bactéria na região de Campinas e nas regiões tidas como as mais desenvolvidas do país que, a despeito de não ter uma alta incidência, traz danos significativos por conta da faixa etária que atinge e pelo processo que desencadeia a diarreia severa, denominada disenteria. Com isso, os acometidos evacuam várias vezes ao dia.

O processo, afirma o professor, começa com diarreia e tende a evoluir para disenteria. Tal bactéria penetra o sistema digestório e, ao adentrar o organismo, pode ocasionar doença sistêmica e, nesse caso, ser fatal, dependendo do paciente.

Na maioria dos casos, contudo, a diarreia é autolimitada, com duração de dois a cinco dias, às vezes nem requerendo tratamento medicamentoso. Já em pessoas com o sistema imunológico comprometido, se não houver pronta intervenção, poderá encontrar pela frente um desfecho irreversível.

O tratamento, expõe o docente, é conservador, consistindo da reposição de eletrólitos, ou seja, dos líquidos perdidos durante a evacuação. Além do mais, a pessoa deve permanecer em observação e, em casos mais graves, após avaliação de um infectologista, submeter-se à terapia antibiótica.

Fluxos migratórios

As perguntas do grupo de Wanderley passaram pelo conhecimento sobre o genoma dessas bactérias, que vieram da Europa e, ao longo dos anos, foram transmitidas a outros países e continentes.

Observou-se que, na Ásia, essa transmissão foi recente, ocorrendo na década de 1970. Porém a origem dessas bactérias na Europa foi em princípios do século 19, de uma bactéria ancestral do século 16. A partir de então disseminou-se para vários países, inclusive da América do Sul.

Muito dessa transmissão, revela Wanderley, acontece como resultado dos fluxos migratórios. E quanto maior, diz, é de se esperar que haja uma maior difusão de bactérias, justamente porque hoje em dia os meios de transporte são muito rápidos, encurtando o tempo de disseminação.

O período de incubação começa a ser contado após a ingestão do alimento. Os sinais e sintomas incluem diarreia intensa, dores abdominais, tenesmo (dor no baixo ventre) e febre. Essa diarreia pode vir acompanhada de sangue e muco nas fezes, aqui denominada disenteria, que indica um processo invasivo na parede do trato digestório.

Wanderley sublinha que existe uma determinada bactéria que, ao ser ingerida, induz a uma imunização cruzada com a bactéria estudada pelo seu grupo. A presença da primeira bactéria no ambiente, neste caso, pode ajudar a diminuir a incidência da segunda por causa da imunização cruzada.

O conselho do docente é manter os princípios básicos de higiene, cozinhando os alimentos, higienizando as mãos e tomando os devidos cuidados ao entrar em contato com pacientes ou pessoas suscetíveis a infecções.
Esta é a primeira investigação comparada com tantas amostras ao mesmo tempo, sinaliza Wanderley. “O nosso texto final demonstrou a resistência aos antibióticos na quase totalidade dos isolados responsáveis por este tipo de infecção e deve lançar luzes sobre os mecanismos de transmissão”, destaca. 

O estudo teve financiamento da Comunidade Europeia, sobretudo da Wellcome Trust Foundation, e dos laboratórios que contribuíram para esse esforço internacional. As amostras foram analisadas em laboratórios do Reino Unido, Austrália e China.

A parte que coube ao Laboratório de Wanderley foi o desenho da experimentação, a cessão de amostras isoladas do Brasil (que compõem a coleção do seu laboratório), bem como a discussão da metodologia e colaborações no desenvolvimento do trabalho. Wanderley é biomédico e médico de formação, e trabalha com mecanismos de patogenicidade bacteriana.

 

Publicação

Kathryn E Holt, Stephen Baker, François-Xavier Weill, Edward C Holmes, Andrew Kitchen, Jun Yu, Vartul Sangal, Derek J Brown, John E Coia, Dong Wook Kim, Seon Young Choi, Su Hee Kim, Wanderley D da Silveira, Derek J Pickard, Jeremy J Farrar, Julian Parkhill, Gordon Dougan & Nicholas R Thomson. Shigella sonnei genome sequencing and phylogenetic analysis indicate recent global dissemination from Europe. Nature Genetics, on-line, publicado em 5 de agosto no link.