Edição nº 539

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 24 de setembro de 2012 a 30 de setembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 539

Pesquisa detalha mecanismos que ligam
obesidade ao câncer de cólon

Trabalho correlaciona inflamação crônica
com o desenvolvimento de tumores colorretais

A revista Gastroenterology  de setembro traz um artigo assinado pelo professor José Barreto Campello Carvalheira e pelo pesquisador Marcelo Benedito da Silva Flores, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, descrevendo de maneira inédita um importante mecanismo que associa a obesidade ao desenvolvimento do câncer de cólon. O trabalho intitulado Obesity-Induced Increase in Tumor Necrosis Factor-α Leads to Development of Colon Cancer in Mice, além de merecer publicação em uma das revistas mais respeitadas no campo das doenças do aparelho digestivo, foi vencedor do Prêmio Octavio Frias de Oliveira 2012, na modalidade Pesquisa em Oncologia. A premiação é uma iniciativa do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo em parceria com o Grupo Folha.

Segundo José Carvalheira, a relação entre a obesidade e o câncer de cólon encontra-se bem estabelecida através de vários estudos epidemiológicos, mas a preocupação nesta pesquisa foi entender os mecanismos moleculares que sustentam tal fato. “No trabalho iniciado há cinco anos, elencamos como possíveis mediadores desta relação as elevadas concentrações de insulina, verificadas nos nossos modelos de obesidade, assim como a inflamação crônica imposta pelas alterações do tecido adiposo frente à obesidade dos animais”.

O docente da FCM lembra que, na fase experimental, a inflamação foi o fator que se sobressaiu, passando a ter papel mais relevante para a elucidação dos mecanismos moleculares investigados no trabalho. “A ligação entre a obesidade e os vários tipos de câncer é muito recente. As pessoas obesas estão predispostas a quase todos os tipos da doença e, particularmente em relação ao câncer colorretal, apenas no ano de 2012, foram reportados pelo The American Cancer Society aproximadamente 103 mil novos casos da doença, com 51 mil mortes a ela relacionadas nos EUA. A obesidade aumenta a incidência do câncer colorretal, assim como leva à sua recorrência e à maior mortalidade devido à doença. O pioneirismo do nosso trabalho está em correlacionar a inflamação crônica, que ocorre na obesidade, com o desenvolvimento dos tumores colorretais: este é o principal avanço”.

Marcelo Flores, primeiro autor do artigo e autor da tese de doutorado, foi responsável pela elaboração e execução dos experimentos com animais na bancada do Laboratório de Investigação Molecular do Câncer da FCM. “Foram cinco anos de pesquisas por causa das dificuldades de se chegar aos modelos experimentais para esse tipo de câncer. Depois dessa fase, os resultados foram surpreendentes. Nossos dados são muito importantes porque provam as ligações fisiológicas e moleculares entre a obesidade e o câncer de cólon, através da investigação em três modelos distintos de obesidade animal e de indução da doença através do agente carcinogênico Azoximetano.”

O pesquisador acrescenta que, tanto nos modelos com obesidade induzida através de dieta rica em lipídeos, quanto nos modelos de obesidade determinada por mutação genética, observaram-se padrões de número e tamanho tumorais muito mais exacerbados, quando comparados aos controles magros. “Nosso terceiro modelo foi determinante para estabelecermos tal associação. Usamos animais com baixa resistência imune e que foram submetidos à dieta rica em lipídeos. Nesses animais foram implantadas células de linhagem de câncer de cólon humano (HT-29) e constatamos que os padrões de crescimento dos tumores foram surpreendentemente altos, fato que não foi observado nos animais controles magros”.

Neste ponto das investigações, explica o autor da tese, procurou-se avaliar quais eram os moduladores moleculares que poderiam de fato responder pelo crescimento e desenvolvimento exacerbado dos tumores de cólon nos animais obesos. “Sabe-se que nas condições de obesidade o tecido adiposo tem suas funções alteradas no que se refere à produção de citoquinas inflamatórias como o Fator de Necrose Tumoral-α (TNF-α). Além disso, um número crescente de evidências sugere que o meio inflamatório causado pela obesidade está intimamente associado ao desenvolvimento do câncer através de vários mecanismos. Um exemplo dessa ligação se verifica na infecção crônica e subsequente inflamação causada pelas hepatites virais B e C, levando ao maior risco para o desenvolvimento do carcinoma hepatocelular”.

Em sua tese de doutorado, Marcelo Flores descreve como a molécula do TNF-α, que originalmente foi pensada como um agente antitumoral, atualmente possui um papel preponderante no desenvolvimento do câncer. “O TNF-α tem sido associado ao desenvolvimento de vários cânceres através de mecanismos que favorecem a sobrevivência tumoral, como a angiogênese e a metástase. A investigação mais direcionada para essa molécula inflamatória veio de estudos que demonstraram as altas concentrações do TNF-α em humanos obesos e em modelos de obesidade em roedores.”

Flores acrescenta que, partindo destas evidências, pensou-se num mecanismo que pudesse bloquear a ação do TNF-α nos modelos experimentais de obesidade e câncer. “Nesse sentido, optamos pelo anticorpo Infliximab, já usado amplamente no tratamento de doenças inflamatórias em humanos, como a artrite reumatóide. A administração crônica do anticorpo nos animais obesos e que se submeteram à indução química do câncer de cólon resultou em dados muito significativos: foi capaz de reduzir os padrões de número, tamanho e crescimento dos tumores de cólon em todos os modelos, e de forma contundente”.

De acordo com o professor José Carvalheira, os resultados permitiram descrever uma via importante de desenvolvimento do câncer de cólon associada à obesidade. “O bloqueio da via inflamatória pelo Infliximab abre caminho para a pesquisa de novas drogas anti-inflamatórias, tendo como alvo o TNF-U– digo novas drogas porque o Infliximab provoca uma toxicidade alta em humanos. Nossos dados envolvendo a participação da via inflamatória no câncer colorretal não deixam dúvidas sobre tal mecanismo. Isso porque também usamos bloqueadores específicos da insulina, como o Octreotídeo e a Pioglitazona, mas o bloqueio da hiperinsulimemia não conseguiu barrar os padrões de número, tamanho e crescimento dos tumores nos modelos animais investigados”.

Premiação

Esta é a segunda vez consecutiva que o docente da Unicamp conquista o Prêmio Octavio Frias de Oliveira. Na edição de 2011, o José Barreto Carvalheira recebeu a mesma distinção graças a um estudo associando a Metformina, principal medicamento utilizado para diabetes tipo 2, ao quimioterápico Paclitaxel, ministrado em cânceres de mama e de pulmão. A associação foi testada em modelos animais com sucesso e descreveu-se uma nova via bioquímica alvo de tratamento, que foi capaz de inibir o crescimento das células tumorais in vitro e dos tumores em cobaias. Este trabalho também ganhou destaque no Jornal da Unicamp (edição 498).

 

Dieta e estilo de vida

 

Em sua tese de doutorado, Marcelo Flores reuniu dados da literatura indicando que em 2008 havia aproximadamente 1,5 bilhão de pessoas em estado de sobrepeso no mundo, sendo que 500 milhões desse contingente foram considerados obesos – a Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê que serão 800 milhões de adultos com esta doença nutricional em 2015. As evidências epidemiológicas das ligações entre obesidade e câncer foram oficialmente endossadas pelo World Cancer Research Fund e pelo American Institute for Cancer Research.

Os dois órgãos, em conjunto, estabeleceram as bases que associaram a relação causal entre dieta e estilo de vida ao risco para o desenvolvimento de vários cânceres. E sugeriram que a manutenção do peso corporal em padrões adequados, a adesão às práticas de atividade física e a redução da ingestão de alimentos com altos teores calóricos são comportamentos que diminuem o risco para vários cânceres. Atente-se que essas três recomendações estão associadas também às medidas profiláticas com relação ao desenvolvimento da obesidade.

Mais recentemente, as mesmas instituições confirmaram as associações entre os efeitos da dieta e do estilo de vida, como a adiposidade corporal e abdominal, ao aumento do risco para o câncer colorretal. Segundo Flores, há forte correlação entre obesidade e mudanças nas funções fisiológicas do tecido adiposo. “De fato, o tecido adiposo disfuncional pode ter uma função essencial nas doenças associadas à obesidade como inflamação, resistência insulínica e alguns cânceres. Muitos desses fatores, como a resistência insulínica, a inflamação crônica, as concentrações reduzidas de adiponectina, as elevadas concentrações dos esteróides sexuais e da leptina, podem estar associados na carcinogênese e à progressão tumoral”.

Atualmente, o paradigma de que 90% dos cânceres estão associados ao estilo de vida e ao meio ambiente é atualmente bem compreendido. Por exemplo, quase 30% de todos os cânceres são atribuídos ao fumo do tabaco, 35% à dieta, 14-20% à obesidade, 18% às infecções e 7% às radiações e aos poluentes ambientais. O pesquisador explica que um processo muito importante e comum entre todos esses fatores de risco é a inflamação crônica, que age como um fator de regulação da promoção e progressão tumoral através de vários mecanismos, a saber: aceleração da proliferação celular, evasão da apoptose e aumento da angiogênese e da metástase.