| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 373 - 24 a 30 de setembro de 2007
Leia nesta edição
Capa
Efluentes industriais
Anemia falciforme
Iniciação científica
Sistemas cromatográficos
Ensino superior
Escravos na indústria
Colonialismo revisto
Painel da Semana
Teses
Livro da Semana
Unicamp na mídia
Destaques do Portal
Biopolítica
Bernardo Caro
 


6

'A organização da universidade
está atrasada em relação aos
avanços da ciência'

ÁLVARO KASSAB

O psicólogo Timothy Mulholland, reitor da UnB: "Educação tem que ser prioridade. O Brasil vive um atraso de pelo menos um século em relação à educação da sua população (Foto: Daiane Souca/UnB Agência)JU – Como conciliar a idéia de um sistema público de ensino superior, que exige investimentos permanentes, com as limitações orçamentárias impostas pela maioria dos governos?

Edgar de Decca – Isto também tem de ser analisado de uma maneira cuidadosa do ponto de vista histórico. Em primeiro lugar, teria de se ver o quanto a educação foi privilegiada, no seu sentido de autonomia plena, como sustentáculo do desenvolvimento, pelos governos que se sucederam ao longo das décadas.

Não estou falando de uma universidade que sirva ao mercado nem a políticas demagógicas, mas sim daquela que forneça quadros científicos, técnicos e culturais necessários para o desenvolvimento do país.

Se comparado aos Estados Unidos e a países europeus e asiáticos, o investimento em educação no Brasil, por exemplo, foi inferior ao longo das últimas décadas. Principalmente, se levarmos em consideração períodos de enorme crescimento econômico. O investimento foi muito menor do que aquilo que poderia ser esperado num padrão de desenvolvimento expressivo em termos de Produto Interno Bruto (PIB).

No caso do Estado de São Paulo, ocorreu uma situação diversa. A partir da autonomia universitária de 1989, há uma conjunção muito favorável entre investimento público e desenvolvimento econômico do Estado.

Isto tem a ver com esses refluxos e avanços que a universidade pública no Estado de São Paulo presenciou. Em momentos em que há uma certa folga orçamentária, a universidade cresce, não apenas na estrutura física e na melhoria das condições salariais, mas também do ponto de vista da oferta de vagas. Nos últimos dez anos, por exemplo, a USP, a Unicamp e a Unesp fizeram crescer de forma expressiva o número de vagas.

O historiador Edgar de Decca, pró-reitor de Graduação da Unicamp: A autonomia do conhecimento e da gestão da universidade são princípios históricos (Foto: Antoninho Perri) Entretanto, essa questão traz embutida uma provocação aos gestores das universidades públicas. A pergunta aponta para uma reformulação desse modelo: o que pode ser feito para otimizar e valorizar a universidade naquilo que ela tem de fundamental, que é a questão da sua autonomia, a formação dos recursos humanos e a produção de conhecimento?

É importante ressaltar que, nesse contexto, a universidade não pode estar subordinada ao imediatismo. Não pode ceder a pressões mercadológicas e/ou demagógicas. Ela não é o veículo de solução dos nossos problemas, mas pode contribuir para minorá-los em diferentes áreas. Ela não é o instrumento – há outras instituições mais aparelhadas para este fim que podem assumir esse papel –, mas pode subsidiar importantes transformações.

Acredito que o que se coloca como desafio para as universidades públicas é uma revisão completa do seu conceito de formação universitária. Que tipo de formação pretendemos? Acho que deve ser aquela que abranja o desenvolvimento tecnológico, o conhecimento científico e a formação cultural.

De nada adianta a universidade caminhar célere na direção da inovação tecnológica, se ela não cumprir uma parte fundamental que é a da formação cultural de uma sociedade. Esse tripé tem que estar bem-equilibrado.

A universidade precisa rever todas as suas arquiteturas acadêmicas e curriculares. É preciso perceber o quanto a interdisciplinaridade e a integração são essenciais. É preciso dimensionar o quanto que determinadas instâncias burocráticas da universidade são empecilhos para que novos projetos de organização do conhecimento sejam levados adiante, revendo a suas estruturas administrativas – e suas fragmentações departamentais – para pensar um projeto de grande reforma.

O exemplo que eu poderia dar é o projeto criado na Unicamp no novo campus de Limeira, cuja arquitetura curricular é tão bem entrelaçada que você tem as cinco áreas do conhecimento contempladas num conjunto de 14 cursos. Todos eles se integram numa malha de interdisciplinaridade, propiciando um aproveitamento do conhecimento em cada uma das áreas em benefício das outras.

O custo operacional de um campus como este é muito menor do que o custo de modelos vigentes nas universidades públicas paulistas, de um modo geral. Elas precisam ser criativas para otimizar recursos que, nosso caso em particular, são consideravelmente altos.

Luiz Davidovich – Esta questão está ligada à primeira. É possível ter cursos de nível superior de altíssima qualidade custando muito mais barato do que aquele de uma universidade. Portanto, a diversificação torna mais eficiente também o investimento público.

Só para dar uma idéia: na Europa e nos Estados Unidos, existem cursos superiores cujos dispêndios por matrícula é dez vezes menor do que os dispêndios de uma universidade. Por quê? Simplesmente, porque essas instituições de ensino superior não precisam oferecer todas as disciplinas. Elas são especializadas, mais focadas em certas áreas. A instituição pode ser, por exemplo, um instituto de tecnologia.

Entretanto, é importante acoplar isso com reais necessidades da sociedade, de modo que essas pessoas possam ser desejadas e bem-remuneradas. No Brasil, por exemplo, isso é um problema. É um país bacharelesco. Muitas vezes, um título universitário, independentemente da competência, pode representar salários mais altos.

Mas acho que à medida que o país se desenvolve, essa realidade vai mudando. Acredito que está havendo fortes necessidades de pessoas de nível superior, com formação mais curta, na agricultura, em várias empresas e no serviço público. Esses setores vão conseguir essas pessoas na medida em que paguem bem pelos seus serviços.

O curso não precisa necessariamente ser técnico. Pode ser de formação geral, na área. A Universidade Federal do ABC, por exemplo, oferece um bacharelado de três anos em ciências e tecnologia. O aluno que assim desejar pode prosseguir, tornar-se engenheiro com mais dois anos de estudos. Tenho certeza que esses bacharéis em ciência e tecnologia que estarão sendo formados em três anos de curso, estarão melhor capacitados do que muitos estudantes que fazem cursos de cinco anos em faculdades precárias.

Timothy Mulholland – Educação tem que ser prioridade absoluta. O Brasil vive um atraso de pelo menos um século em relação à educação da sua população. Nesse contexto, a educação superior tem papel fundamental, pois prepara os professores para os outros níveis, forma a elite pensante e prepara a mão-de-obra para a “era do conhecimento”. O preço da ignorância e do despreparo certamente é muito maior do que o da educação pública.

O financiamento da universidade no mundo é diversificado. A pesquisa costuma ter fontes próprias, a consultoria é auto-financiada etc. Há muitas alternativas, com a da nova lei “Rouanet” de incentivo à pesquisa. O que não é aceitável, e nem viável, é exigir que as famílias dos alunos sustentem a educação superior. Isso nunca gerou instituições competitivas e de qualidade e ajudou a perpetuar os mesmos grupos no poder. O poder público tem a responsabilidade maior em todos os países desenvolvidos e, no Brasil, essa responsabilidade é maior ainda, pela falta de uma cultura de engajamento da sociedade pelas instituições.

JU – As universidades de todo o mundo vêm enfrentando uma pressão cada vez maior para a adoção de programas afirmativos de inclusão social. Como solucionar esse dilema?

Edgar de Decca – Trata-se de um assunto extremamente polêmico. As opiniões são muito divergentes. Não há unanimidade quanto à política a ser adotada para a questão da inclusão social.

Se é que estamos falando somente de inclusão social. Isto porque, de um lado, pode-se dizer que as pressões por inclusão não dizem respeito única e exclusivamente a pressões de camadas menos favorecidas da sociedade para o acesso à universidade. Nesse caso, há uma disfunção à qual já nos referimos. Na verdade, a oferta é maior que a demanda, em que pesem o ProUni e todas as políticas de inclusão.

No entanto, com relação a políticas afirmativas, a pressão sobre a universidade pública é considerável se vista sob o ângulo das características étnicas, cujas questões foram colocadas no bojo de bandeiras que pregam que a universidade é muito “branca” e que a população negra – que é considerável e fundamental para a formação política, cultural e social do país – se vê excluída e à margem desse processo.

Por outro lado, também é preciso levar em consideração que, em razão dos baixos investimentos em políticas educacionais, a escola pública do ensino fundamental também se degradou.

Com isso, a população de baixa renda, que seria a que mais utilizaria a escola pública, também não vê o acesso à universidade no horizonte. A escola pública, de qualidade inferior, também precisaria de uma ação afirmativa em favor do estudante de baixa renda.

Hoje, o binômio de inclusão social no Brasil é, portanto, constituído das questões de renda e étnica. Os modelos são muitos – não existe um que possa ser considerado ideal. Cada universidade deve buscar aquele que seja adequado ao seu perfil e mais condizente com suas metas e objetivos.

No caso da Unicamp, procuramos associar o mérito acadêmico à inclusão social. Não estabelecemos políticas de cotas. Acho que a cota é também discriminatória. Entendemos que o aluno tem de mostrar condições de ingressar na instituição. E a universidade tem uma política compensatória, de pontos adicionais, para cobrir a defasagem enfrentada por esse aluno, seja porque ele freqüentou uma escola pública, seja porque ele sofreu preconceito racial.

Por essa razão, adicionamos 30 pontos a quem freqüentou a escola pública no segundo grau, e mais 10 pontos àquele que também se declara afro-descendente, índio ou pardo.

Isentamos também da taxa de inscrição no vestibular os estudantes de baixa renda e todos aqueles estudantes de escola pública que queiram fazer as licenciaturas noturnas, sem a necessidade de declaração de renda. A Universidade acredita que esses cursos de licenciatura ajudam a formar o professor de ensino médio – há uma carência enorme no país nessa área.

Ademais, temos uma política de permanência do estudante na Universidade. Hoje, despendemos 14% do seu orçamento de custeio em assistência estudantil. Temos bolsa-moradia, bola-trabalho, bolsa-emergência, bolsa-alimentação, bolsa-transporte e bolsa-pesquisa.

Todo esse conjunto de benefícios permite que o estudante de baixa renda possa a vir a freqüentar a universidade, concluir os seus cursos e ganhar os seus diplomas. Por isso, o índice de evasão na Unicamp é baixo – está na ordem de 6%.

Continua na página 7

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2007 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP