| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 373 - 24 a 30 de setembro de 2007
Leia nesta edição
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Efluentes industriais
Anemia falciforme
Iniciação científica
Sistemas cromatográficos
Ensino superior
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Colonialismo revisto
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Biopolítica
Bernardo Caro
 


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'A organização da universidade
está atrasada em relação aos
avanços da ciência'

ÁLVARO KASSAB

O físico Luiz Davidovich, professor da UFRJ: "Um grande desafio é criar programas e formas de organização que consigam acompanhar a aceleração do conhecimento" (Foto: Daiane Souca/UnB Agência)Luiz Davidovich – O Brasil tem características peculiares, nesse sentido. O ensino básico no país é de péssima qualidade. Foi conquistada, depois de muitos anos, a universalização do ensino fundamental, mas às custas de uma deterioração de qualidade desse nível de ensino. Temos hoje, por exemplo, adolescentes de 13, 14 anos, em escolas públicas, que não sabem ler. Eles vão passando de ano automaticamente.

Concentrar a pressão pela inclusão social nas universidades é errado por duas razões. Primeiro, porque há uma necessidade urgente de melhorar o ensino básico, e é através disso que vai ser feita a verdadeira inclusão social. Em segundo lugar, porque de novo se incorre no erro de achar que ensino superior é universidade.

Obtém-se o aumento da inclusão social no ensino superior na medida em que ocorre a sua diversificação. Aqui no Brasil, torna-se fundamental, para enfrentar esse dilema, melhorar o ensino fundamental. E melhorar o ensino fundamental significa valorizar e reavaliar a carreira dos professores, aumentar os salários e complementá-los com benefícios que dependam de avaliação.

É necessário também colocar as crianças e os adolescentes na escola durante mais tempo. A grande maioria de estudantes em escolas públicas no Brasil tem uma carga horária de, no máximo, quatro horas diárias. Isso é muito pouco. A média dos países desenvolvidos é de seis horas. Na Coréia do Sul, por exemplo, são sete horas. Nós precisamos ampliar esse turno escolar. Isso, porém, não significa dar mais aulas, e sim ter atividades extras.

O Brasil é um país tão injusto, que até isso é diferente para diferentes setores da sociedade. Crianças e adolescentes de famílias mais ricas têm tempo integral. Eles vão à escola, depois vão à piscina, têm aulas de inglês e de informática, têm professores particulares... Nada disso está disponível para os estudantes que vêm de setores mais carentes da sociedade.

Trata-se então até de uma questão de justiça social, de democracia: tornar acessíveis, aos estudantes de populações carentes, o que já existe para os outros.

O ensino médio deve também ser diversificado, com opções profissionalizantes.

A reforma da educação não vai funcionar se incluir apenas as universidades e instituições de ensino superior. A mudança tem que ser um grande movimento, abrangendo todo o sistema educacional. Outros países que fizeram isso, como a Irlanda, conseguiram progredir enormemente mas por meio de uma decisão política que perpassou os principais partidos no sentido de investir maciçamente na educação durante 20 anos. Depois disso, a Irlanda conseguiu se equiparar ao resto da Europa. Agora, depois desse investimento, estão cuidando da infra-estrutura.

Se nós não tomarmos aqui no Brasil uma decisão desse nível, a situação vai continuar como está. Isso implica em sacrifícios de outras áreas – sendo colocado mais dinheiro na educação, será preciso tirar de outras pastas. É importante que a sociedade decida. Agora, se não fizermos isso, continuaremos rateando.

Podemos ter descobertas científicas fantásticas, isso é muito importante, mas uma boa educação básica é fundamental para que o Brasil possa dar um salto à frente.

Timothy Mulholland – Adotá-los! A pressão existe porque a universidade exclui sistematicamente segmentos significativos da sociedade. Não existimos apenas para uma pequena elite. Nenhuma instituição que adotou políticas de inclusão foi prejudicada. Harvard continua entre as melhores universidades 40 anos depois de implementar ações afirmativas para mulheres e minorias, inclusive no corpo docente. A diversidade demonstradamente enriquece o ambiente institucional.

 

JU – Quais são, na sua opinião, os grandes desafios da universidade contemporânea?

Edgar de Decca – O primeiro deles, na minha opinião, é a reafirmação dos seus princípios fundamentais. Esses princípios – a autonomia do conhecimento e da gestão da universidade pública – são históricos.

Em segundo lugar, é preciso atender as expectativas do conhecimento, do desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da formação cultural. Precisa haver um equilíbrio no desenvolvimento deste tripé. Isto requer uma política criteriosa tanto no nível de graduação como no de pós-graduação.

A universidade precisa, acima de tudo, formar recursos humanos. É preciso formar um indivíduo que seja capaz, em qualquer lugar, de ser um elemento catalisador no âmbito das expectativas da sociedade. A graduação e a pós-graduação precisam estar sintonizadas para desenvolver, em harmonia, essas três dimensões.

Vou dar um exemplo: não podemos esperar que a universidade seja capaz de suprir aquilo que as empresas brasileiras não suprem, como é o caso do desenvolvimento de patentes, embora a Unicamp seja líder no número de registros no país. Nem tampouco imaginar que essas patentes trarão enormes receitas para a universidade. Mesmo em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, o investimento público e não o privado, ainda é o maior responsável pelo desenvolvimento das pesquisas universitárias.

Acho também que a universidade, sob o amparo de seu princípio de autonomia, não deve permitir o desequilíbrio entre a ciência, a tecnologia e a cultura – seus três pilares fundamentais – no curso de seu desenvolvimento. Esse equilíbrio é a garantia de uma universidade que preza a diversidade e o livre curso do pensamento e das idéias.

Ao mesmo tempo, a universidade, ao se abrir para a sociedade da qual faz parte, precisa também saber equilibrar uma relação conflituosa com duas tentações provindas das demandas da sociedade: a primeira é aquela que pretende submeter a universidade à lógica mercadológica; a segunda: as pressões do lado oposto que, em nome de políticas populistas, exigem que a universidade responda aos seus anseios imediatistas e demagógicos de justiça social.

Enfim, tratando-se da universidade pública, não devemos ceder a políticas e pressões de curto prazo. Não podemos também ficar alheios às demandas e expectativas provindas de nossa sociedade.

Luiz Davidovich – Um grande desafio é criar programas e formas de organização que consigam acompanhar a aceleração crescente do conhecimento no mundo contemporâneo. A organização da universidade está freqüentemente atrasada em relação aos avanços da ciência pelos quais a própria universidade é responsável. É paradoxal.

A ciência avança, rompe as barreiras entre as disciplinas e, no entanto, as universidades continuam insistindo em se organizar na forma de departamentos unidisciplinares. É quase um milagre que se consiga fazer pesquisa de caráter interdisciplinar hoje no Brasil – o que é cada vez mais presente no nosso mundo –, com a estrutura universitária que nós temos.

Obrigar um estudante a definir a sua profissão no momento em que entra na universidade, não só é uma violência contra esse jovem – muitos ainda ignoram as escolhas que podem ter pela frente – como também é um contra-senso com relação ao avanço do conhecimento. Não tem sentido o estudante decidir, aos 17 anos, que vai fazer engenharia civil, mecânica ou eletrônica.

De fato, hoje em dia, nem tem muito sentido que essas disciplinas mereçam departamentos. E isso ainda acontece no Brasil hoje. Trata-se de uma discussão internacional. No início deste ano, por exemplo, saiu um editorial na Nature, sobre a universidade do futuro. O texto dizia justamente que é preciso romper as barreiras departamentais. Eu acho que esse é um grande desafio: é necessário romper o conservadorismo das instituições para poder acompanhar a aceleração do conhecimento.

A diferença entre o Brasil e outros países mais avançados é que estamos bastante atrasados em termos institucionais em relação ao que já está acontecendo no mundo. A especialização prematura do estudante, que já entra na universidade com a carreira definida, é um exemplo. Isso ocorre cada vez menos no mundo.

Até em áreas para as quais se considera aqui no Brasil importantíssimo fazer uma escolha precoce, o mesmo não ocorre em países mais desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, Medicina é um curso de pós-graduação. O estudante ingressa na universidade, faz vários cursos – Matemática, Química, Física, Biologia etc – e só na pós-graduação é que ele vai fazer Medicina.

Aqui, o aluno faz a escolha precoce e fica soterrado sob um monte de disciplinas obrigatórias, com poucas opções por eletivas. Isso acaba limitando as possibilidades de a sociedade brasileira contemplar profissões modernas.

Vou dar um exemplo: um país que se industrializa e que aposta na inovação, precisa de advogados de patentes bem-formados. É extremamente útil que um advogado dessa área tenha conhecimento de ciências e alguma experiência na área de tecnologia. Se você forma essa pessoa numa instituição de ensino superior que tenha rompido as barreiras departamentais, ela pode fazer um núcleo de cadeiras de direito como opcionais na área de ciência e tecnologia, ou pode fazer Física com opcionais de direito, e trabalhar depois num escritório de patentes.

Nós estamos ainda muito presos a essa tradição antiga, dos bacharéis. Ela atrasa o desenvolvimento do país.

Timothy Mulholland – De igual importância são: a) a ampliação do acesso à universidade é um dos maiores desafios mundiais. No Brasil, mais ainda, pelo atraso da “década perdida”; b) a elevação e a manutenção da qualidade do ensino e da pesquisa são vitais para o País diante da competição globalizada; e c) a busca de uma interação cada vez mais intensa e produtiva com a sociedade em todos os níveis é essencial à adequação da instituição às demandas sociais e à sobrevivência e crescimento da universidade.

PROGRAMA

Fórum “Desafios Contemporâneos do Ensino Superior”

8h30 - Abertura
Fernando Ferreira Costa – Vice-reitor da Unicamp

8h45  - Palestra “Universidade e Autonomia”
Carlos Alberto Vogt – Secretário de Estado – Secretaria Estadual de Ensino Superior

10h00 - Intervalo

10h30 - Mesa-redonda “Estrutura e Função do Sistema de Ensino Superior Brasileiro”
Eunice Ribeiro Durham – NUPES/USP
Luiz Davidovich – UFRJ e Academia Brasileira de Ciências
Timothy Mulholland – Reitor da UnB
Moderadora: Teresa Dib Zambon Atvars – Pró-reitora de Pós-Graduação/UNICAMP

12h00 - Intervalo

14h00  - Palestra “The implementation of the Bologna process at the University level”
Giancarlo Spinelli – Politécnico di Milano

15h15 - Intervalo

15h30 - Palestra “The higher education System in California”
John Douglass – University of California- Berkeley

16h45   Mesa-redonda “Ensino Superior no Brasil: Abrangência e Excelência”
Carlos Henrique de Brito Cruz – Diretor Científico da Fapesp
Jesus Hortal Sánchez – Reitor da PUC-RJ
Moderador: Edgar Salvadori de Decca – Pró-Reitor de Graduação/Unicamp

18h15 - Encerramento

Inscrições
Contato: Coordenadoria Geral da Universidade – CGU/Unicamp – Fone: 19- 3521-5039; e-mail.

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