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Editora da Unicamp lança livro que reúne ensaios
de antropólogos e historiadores do Brasil e de Portugal

Autores brasileiros e portugueses
apresentam o colonialismo revisto

LUIZ SUGIMOTO

A professora Bela Feldman-Bianco, do IFCH: extenso projeto comparativo (Foto: Antônio Scarpinetti)A Editora da Unicamp lançou no último dia 13 o livro Trânsitos coloniais – diálogos críticos luso-brasileiros, que reúne ensaios de antropólogos e historiadores do Brasil e de Portugal sobre o antigo império português e suas reconfigurações pós-coloniais. A promoção de um diálogo cruzado entre pesquisadores dos dois países já enuncia que o livro traz algo de novo em relação à literatura, tradicionalmente focada no lado dos colonizadores.

Obra inova tirando o foco dos colonizadores

Faz quase dez anos que este grupo de estudiosos, considerando a interdependência e a mútua constituição de colonizadores e colonizados, vem se debruçando sobre as nuances das relações entre impérios e colônias – e entre ex-impérios e ex-colônias – em diferentes contextos e períodos históricos. Isto significa analisar como as questões de poder, dominação, subordinação e de inclusão e exclusão social evoluem até os tempos atuais.

O livro chega ao Brasil cinco anos após sua publicação em Portugal (2002), um atraso providencial, na opinião da professora Bela Feldman-Bianco, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. “Creio que é o momento certo, pois antes esta discussão ainda não acontecia nas nossas ciências sociais e a obra poderia passar despercebida”.

Bela Feldman-Bianco organizou o livro juntamente com os antropólogos Cristiana Bastos, professora do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, e Miguel Vale de Almeida, professor do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), também de Lisboa.

Esta cooperação começou depois que Bela Bianco retornou da Universidade de Massachusetts-Darmouth (EUA). Lá, ela deu aulas de estudos portugueses e realizou pesquisa sobre “a construção cultural da saudade” entre os imigrantes portugueses e descendentes de New Bedford – cidade que inspirou Herman Melville a escrever Moby Dick, hoje considerada a capital portuguesa da América.

Cristiana Bastos, da Universidade de Lisboa: poder e movimentos sociais (Foto: Antônio Scarpinetti)“Os imigrantes de New Bedford me aconselharam a conhecer Portugal, caso quisesse entendê-los”, recorda a docente da Unicamp, que voltou ao Brasil no intuito de preparar um capítulo comparativo com os portugueses de São Paulo. Foi quando eclodiu a crise diplomática em torno dos brasileiros que foram trabalhar em Portugal.

O incidente levou Bela Bianco a se envolver com um extenso projeto comparativo, entre as antigas migrações de portugueses para New Bedford e São Paulo com a então recente emigração de brasileiros para Lisboa. Ele foi realizado no Centro de Estudos de Migrações Internacionais (Cemi), do IFCH, no âmbito do projeto Identidades: Reconfigurações de Cultura e Política, financiado pelo Pronex/CNPq.

A professora percebeu que, para o projeto, precisaria levar em conta as antigas relações coloniais entre Brasil e Portugal e suas reconfigurações após o fim do império português. “Iniciei, nessa época, diálogos com colegas de Portugal interessados em temáticas similares, como Cristiana Bastos, talvez a primeira antropóloga portuguesa a realizar pesquisa de campo no Brasil no período contemporâneo”.

Cristiana Bastos explica que, na época, começava a pesquisar as relações entre medicina e política colonial, dentro da temática mais ampla do biopoder. Assim como analisa a evolução e os programas de combate à Aids em vários países e períodos, ela busca as respostas que as sociedades deram a epidemias antigas como cólera, varíola e peste bubônica. Em sua opinião, isso ajuda a compreender as relações entre poder e movimentos sociais até o momento atual.

“A antropologia não explorava muito bem o fato de que o colonialismo português, tendo durado até tão tarde, foi totalmente esquecido no período imediatamente posterior. Portugal não quis mais contato com o discurso colonial. É nesse ponto que meus interesses convergiram com os de historiadores que estudavam o colonialismo do século 18 para trás”, esclarece a professora da Universidade de Lisboa.

Diante desta junção de interesses, Bela Feldman-Bianco promoveu na Unicamp um workshop em 1998 (Nação e Diáspora – Diálogos Cruzados Luso-Brasileiros), com verba da Fundação Rockefeller. A oficina serviu para planejar os textos apresentados em seminário organizado por ela, Cristiana Bastos e Miguel de Almeida no ano seguinte (Tensões Coloniais e Reconfigurações Pós-Coloniais) no Convento da Arrábida, em Portugal. O livro resulta desses dois encontros.

Releituras – Na ocasião, os pesquisadores começaram por comparar os impérios coloniais, observando que na literatura predominam as análises sobre o império britânico e, em menor escala, francês, holandês, alemão e belga. “Trata-se de metrópoles centrais, ao passo que Portugal, o primeiro grande império mercantil, acabou transformado em poder subalterno”, afirma Feldman-Bianco.

Segundo os organizadores do livro, era necessário contestar esta tendência da literatura mostrando as especificidades do colonialismo português – com sua longa história, distintos períodos imperiais e diferentes dinâmicas entre o Estado colonial e suas colônias. A intenção era analisar esse império como parte do processo de expansão capitalista global.

No entanto, em lugar das “grandes narrativas imperiais centradas na nação” (expressão dos organizadores), o livro traz críticas como no ensaio “Atlântico pardo”, de Miguel Vale de Almeida, que trata com ironia certas especificidades do colonialismo português, como as imagens míticas da alegre miscigenação entre povos e raças. Almeida denuncia ainda a ausência da economia e da política nas análises pós-coloniais.

Lusofonia – Bela Bianco atenta que, por trás das discussões, há uma crítica à lusofonia, que é a construção de uma ideologia envolvendo os países que têm o português como língua oficial ou dominante: Brasil, Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e parte das populações de Goa, Damão e Macabo. “Em Portugal, a lusofonia é a reconfiguração do império português na era pós-colonial”.

É esta ideologia que sustenta a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), criada em 1996, após a eclosão dos conflitos diplomáticos entre Brasil e Portugal devido às deportações de imigrantes brasileiros. A criação se deu quando José Aparecido era o embaixador do Brasil em Portugal, sob influência do filósofo português Agostinho da Silva (que aqui ficou exilado), e com apoio dos presidentes Mário Soares e Itamar Franco.

A lusofonia tem ressonâncias das expressões de Fernando Pessoa, de que a pátria (agora estendida à CPLP) é a língua portuguesa, e de Gilberto Freyre, sobre o luso-tropicalismo (estendida para os antigos domínios do império português). “É a noção de que os portugueses foram bons colonizadores porque se misturaram e fizeram imperar a mestiçagem”, lembra Bela Bianco.

Em “Tigres de papel”, Omar Ribeiro Thomaz questiona a utilização da suposta originalidade da cultura brasileira para a resolução de tensões raciais, com a exportação dessa idéia para todo o conjunto do império português na segunda metade do século 20, no que chama de “operação luso-tropical”.

Outros ensaios – Trânsitos coloniais reúne um total de 16 ensaios, com temas como a “fantasmagorização” dos nativos pelos administradores portugueses, através da denúncia de canibalismo; as comunidades de fugitivos escravos no Grão-Pará e suas relações com os franceses da Guiana; a experiência com escravos na exploração do ouro nas Minas Gerais.

O livro aborda ainda a negação da contribuição da minoria de imigrantes alemães na história étnica do Brasil; os movimentos de capitais, as redes de comércio e a formação de poderosos mercadores no Rio de Janeiro; o processo de separação entre Brasil e Portugal e a construção da nacionalidade brasileira; a construção do estereótipo do português tolo e ignorante, representado nas piadas por “Manuéis e Joaquins”.

Bela Bianco, a propósito da sua motivação para dialogar com os colegas portugueses, assina ensaio sobre a inversão do trânsito transatlântico de populações do Brasil para Portugal, com ênfase nos conflitos diplomáticos de 1993. Cristiana Bastos, por sua vez, retribui mostrando como a Escola Médica de Goa, na Índia portuguesa, serviu para distribuir médicos pelas outras colônias do império.

O livro é dedicado a Ana Maria Galano Linhart, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que faleceu em 2002. Envolvida em pesquisas entrelaçando sociologia, literatura, cinema e fotografia, Ana Maria organizou duas mostras de filmes para os encontros na Unicamp e na Arrábida. Seu artigo retrata as tensões e legados coloniais sob a ótica de cineastas como Joaquim Pedro de Andrade, Rui Guerra e Eduardo Coutinho.

Serviço
Título: Trânsitos coloniais – diálogos críticos luso-brasileiros
Org.: Cristiana Bastos, Miguel Vale de Almeida e Bela Feldman-Bianco
Autores: Ana Maria Galano, Bela Feldman-Bianco, Antonio Carlos de Souza Lima, Cristiana Bastos, Flávio dos Santos Gomes, Giralda Seyferth, Gladys Sabina Ribeiro, Jill R. Dias, João de Pina Cabral, João Fragoso, John Manuel Monteiro, Manolo Florentino, Miguel Vale de Almeida, Nuno Porto, Omar Ribeiro Thomaz, Robert Rowland, Silvia Hunold Lara.
Editora: Editora da Unicamp – ISBN: 85-268-0761-7
Páginas: 448 – Edição: 1 – Tamanho: 16x23cm
Ano: 2007– Preço: R$ 72,00

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