| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 370 - 3 a 9 de setembro de 2007
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‘A inclusão social tem pautado
muitas das ações da Unicamp’

PAULO CÉSAR NASCIMENTO

Aluno de pós-graduação em laboratório do Instituto de Física Gleb Wataghin: projetos acadêmicos de qualidade  (Foto: Antoninho Perri)JU – Isso não significa deixar um pouco de lado a produção de ciência básica?

Teresa Atvars – Acho que é uma coisa muito de simbiose: se de alguma maneira nós produzimos uma ciência que é menos comprometida com essa questão da aplicação, por outro lado nós também olhamos, quando da proposição de um projeto de pesquisa, onde isso é interessante e ou aplicável. Fazemos muita ciência básica, precisamos continuar fazendo, mas por outro lado estamos inseridos em um cenário do país que nos permite trabalhar para buscar diferentes soluções para problemas ou que nos são apresentados ou que conseguimos antever.

O governo do Estado nos apresentou um problema e respondemos com um curso de pós-graduação lato sensu para gestores de escola pública que envolveu cerca de seis mil alunos. Nesse caso nos foi apresentada uma demanda. Por outro lado antecipamos uma demanda quando, no âmbito dos cursos stricto sensu, conduzimos uma pesquisa que leva a um determinado conjunto de resultados com aplicações previsíveis ou não. A Universidade tem um grande número de pesquisas que produzem patentes; nesse caso estamos antevendo, imaginando uma aplicação. Aí, buscamos um parceiro.

É o que faz a Inova. Mas nem sempre é assim e nem sempre precisa ser assim. O biocombustível é exemplo de um assunto de pesquisa que a Unicamp estuda há muito tempo. Só agora, entretanto, a demanda está se explicitando. Quando um pensador trata seus estudos de filosofia, ele não precisa pensar em aplicações. Entretanto, hoje usamos com freqüência os conhecimentos de filosofia para interpretar a vida real e para dar explicações aos fatos. Então, as ações na pós-graduação não são, portanto, excludentes. Se de um lado atendemos a demandas, de outro somos capazes de antecipar soluções e de outro trabalhamos nas perspectivas de produzir ciência básica, não necessariamente aplicável de imediato.

JU – Foi essa filosofia que orientou a concepção dos novos cursos?

Teresa Atvars – Os cursos que serão oferecidos estão em parte dentro dessa visão, do dinamismo que a pós-graduação tem que ter no atendimento de necessidades específicas das demandas que a sociedade nos traz. Mas eles foram concebidos para serem projetos acadêmicos de altíssima qualidade, em que os alunos farão pesquisa básica e aplicada quando necessário, porém vão atender a segmentos do mercado nos quais havia dificuldade de qualificação profissional. E o fato de serem ofertados por uma universidade pública tem um aspecto socialmente muito importante: vão trazer pessoas que não poderiam pagar por um mestrado ou doutorado em uma instituição privada.

JU – Como as áreas atendidas pelos cursos foram escolhidas?

Teresa Atvars – A enfermagem é uma área em que não se pode prescindir do profissional altamente qualificado, sob o ponto de vista de qualquer ângulo que se examine as políticas públicas. E a Unicamp, que está inserida em uma região com alta concentração de hospitais públicos e privados, não formava doutores em Enfermagem, apenas mestres. Além disso, são pouquíssimos os cursos de Enfermagem com doutorado no Brasil.

A criação do curso foi, portanto, sem deixar de olhar o cenário externo, uma decisão estratégica nossa, da FCM, que após a consolidação da graduação e do mestrado, qualificou-se para oferecer o doutorado com toda a infra-estrutura necessária. O mestrado profissional que o Cepre/FCM irá oferecer está focado nos profissionais de reabilitação que necessitam de melhor qualificação e atende a uma demanda do Ministério da Saúde, responsável pelo financiamento de uma parte do curso. Esse tipo de curso está inserido em uma proposta maior de inclusão social de pessoas com deficiências relativas ao desenvolvimento neuromotor, linguagem, surdez e visão, e o assunto de inclusão social tem pautado muitas das ações da Unicamp.

Já o curso Mestrado Profissional de Engenharia Automobilística nasceu a partir de uma exposição feita pela SAE Brasil à Faculdade de Engenharia Mecânica e à reitoria, mostrando as dificuldades que as empresas têm na qualificação do seu pessoal. A SAE consultou a Unicamp sobre a possibilidade de estruturar um curso de mestrado focado nas necessidades dos engenheiros atuantes nos diferentes setores da cadeia automotiva, da fábrica de autopeças até as montadoras, com o argumento de que os aspectos relacionados com a gestão das empresas já haviam sido resolvidos com os cursos MBAs e que agora era necessário dotar os engenheiros automotivos brasileiros de formação tecnológica que os capacitasse a inovar, a incorporar novos materiais, novos processos à produção. A Unicamp aceitou o desafio de criar esse curso, que é inédito no país.

JU – Gostaria que a senhora falasse sobre o trabalho cooperativo necessário para a realização desse curso.

Teresa Atvars – Tivemos que integrar parte dos químicos, parte dos engenheiros mecânicos, parte dos engenheiros elétricos e ainda uma instituição externa, que é o ITA. A Unicamp não tem muita tradição, no âmbito da pós-graduação, de integrar áreas para ministrar um determinado curso. Na graduação isso já ocorre, mas nossa pós-graduação é muito fragmentada.

Para esse curso isso era necessário porque envolvia áreas absolutamente complementares e nenhuma das nossas faculdades conseguiria responder completamente aos tópicos. Temos docentes que trabalham com ciência de materiais na Engenharia Mecânica, no Instituto de Química e na Faculdade de Engenharia Elétrica, e que estão voltados às necessidades de seus respectivos cursos. Da mesma forma, ocorre com outros tópicos que serão abordados no curso.

Para superar isso, criamos um grupo de trabalho coordenado inicialmente pela PRPG e agora organizados através da comissão de pós-graduação que vai conversar sobre os vários assuntos. Esses professores vão dar aulas juntos, vão orientar alunos do mesmo grupo, e ao longo do tempo será criada uma integração entre eles que hoje ainda é frágil. Então, esse é um novo desafio.

A participação do ITA se justifica porque, em determinadas especialidades, por exemplo, motores, essa instituição é uma liderança. A integração de diferentes áreas e de diferentes instituições é pouco comum no Brasil. Então, esse curso tem uma enorme potencialidade de inovar também na forma de fazer pós-graduação, agregando-se parceiros com excelência em suas áreas de atuação e com alto nível de complementaridade. Acho que isso pode ser um modelo para outras iniciativas, em outras áreas, em que a Unicamp tem uma parte dos profissionais qualificados, mas não tem todo o conjunto. Creio que é uma idéia muito interessante, que pode estendida para cooperações com outras instituições e em outras áreas.

JU – Cursos com esse perfil não podem dar a impressão de que a Universidade está muito voltada para o mercado?

Teresa Atvars – Não se trata de trabalhar para o mercado, mas entender que a Unicamp, como universidade que tem como missão formar pessoas, deve olhar para as coisas que são importantes para o Estado e que, por decorrência, são importantes para o país; deve também buscar atender segmentos sociais que têm importância estratégica para a nação.

O que é estratégico no curso de engenharia automobilística? Atender a demanda de um setor de importância vital para o PIB brasileiro. O que é estratégico no curso de Enfermagem e no curso do Cepre? Dar formação qualificada de pós-graduação para profissionais que atendem a população na área da saúde. Então, eu acho que esse é o cenário dos grandes desafios da pós-graduação da Unicamp: não podemos deixar de olhar para determinados segmentos da sociedade que demandam necessidades específicas e para as quais não se viabilizou atendimento de outra forma, e temos que continuar a fazer ciência básica, porque também é estratégico para o Brasil.

Cabe às várias unidades de ensino e pesquisa da Unicamp avaliar se devemos ou podemos atender segmentos da sociedade através de cursos dos mais variados níveis e tipos, mas sempre com muito cuidado, estabelecendo a dimensão adequada e garantindo que não haja prejuízo para a qualidade da produção científica, onde somos líderes.

JU – A senhora diria que são desafios também para o conjunto das universidades públicas brasileiras?

Teresa Atvars – Sim, eu não tenho dúvida disso. Qual é o interesse de uma instituição privada em implantar um curso de Mestrado Profissional de reabilitação semelhante ao do Cepre, que exige infra-estrutura grande, vários docentes com doutorado, produção cientifica relevante etc? É mínimo. Então, se a universidade pública não se envolver, se nós não fizermos, a nossa sociedade sofrerá as conseqüências do não-atendimento qualificado dos pacientes.

Existem áreas, principalmente as que exigem um montante de recursos apreciável em infra-estrutura laboratorial, em manutenção, em corpo docente qualificado atuando em pesquisa, nas quais as universidades privadas não entram porque não dá lucro. No caso dos MBAs, entretanto, como o investimento é baixíssimo, bastando sala de aula, professores e recursos multimídia, as universidades e faculdades privadas atuam. São cursos que podem dar lucro.

Para as universidades públicas, falando em nome da Unicamp, educação é missão, é objetivo fundamental, é razão da existência da instituição. E dessa forma investimos em nossa infra-estrutura e a disponibilizamos para a sociedade através dos nossos cursos, para responder a determinadas demandas como parte da missão, da nossa vocação, que é a de qualificar nossos estudantes.

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