| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 306 - 17 a 23 de outubro de 2005
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O agronegócio e o
desabafo do ministro

JOSÉ TADEU JORGE

José Tadeu Jorge, engenheiro de alimentos, é reitor da Unicamp desde abril (Foto: Antoninho Perri)Com a franqueza que lhe é típica e sua pouca disposição para engrossar o marketing institucional, o ministro Roberto Rodrigues admitiu, em entrevista ao Estado do último dia 5/10, certo desapontamento com os rumos da política econômica e com a falta de apoio estratégico à agricultura. O ministro não poderia ser mais claro ao dizer que não está recebendo o suficiente para investimentos e pesquisas e que não dispõe de orçamento nem mesmo para infra-estrutura e logística.

São palavras de quem, estando no governo, não se resigna com a pouca ambição da máquina governamental em relação à agricultura e ao agronegócio, áreas que, apesar de sustentarem o país há décadas, continuam dependendo de tratamento político à altura de sua importância econômica.

Em 2004, as exportações relacionadas ao agronegócio atingiram US$ 39 bilhões contra importações de US$ 4,9 bilhões, ou seja, houve um saldo positivo de US$ 34,1 bilhões. Considerando-se que o superávit de toda a balança comercial foi de US$ 33,7 bilhões, conclui-se que o conjunto dos demais setores, agronegócio à parte, registrou um déficit de aproximadamente US$ 400 milhões.

Os dados referentes ao primeiro semestre deste ano mostram que o agronegócio, apesar das previsões de safra menor em função do câmbio, dos juros e de fatores climáticos, continua crescendo. O saldo da balança comercial do setor nos primeiro seis meses é de US$ 17,7 bilhões. A soja é um exemplo paradigmático. Com produtividade superior à americana e custos inferiores, tudo leva a crer que dentro de alguns anos a produção brasileira de soja superará a dos Estados Unidos. Mesmo afetada pelas intempéries, a próxima safra de soja deve crescer em relação à do ano passado, ficando acima de 50 milhões de toneladas, contra uma previsão inicial de 60 milhões, bem mais próxima da safra americana (66 milhões de toneladas). Outras culturas também apresentam resultados expressivos, como é o caso do arroz, que deve ter safra recorde, acima de 13 milhões de toneladas. A produção de carnes (frangos, bovinos e suínos) também mostra evolução significativa.

Analistas internacionais já apontam o Brasil como o maior produtor mundial de alimentos dentro de alguns anos. O diagnóstico não é difícil de ser feito. A maior área agricultável disponível no planeta está no país: são cerca de 100 milhões de hectares ainda disponíveis para produção agrícola. O Brasil utiliza hoje menos de 70 milhões de hectares. Some-se a isto um crescente aumento de produtividade verificado por um grande leque de culturas ao longo dos últimos anos. E, paralelamente ao crescimento da agricultura e da agropecuária, a indústria de alimentos desenvolveu-se, ganhou competitividade e destaque em várias áreas, tornando-se um elemento fundamental na geração de emprego e renda.

Em suma, não há projeto de desenvolvimento para o Brasil que desconsidere o agronegócio. A área disponível para utilização agrícola é fator competitivo único, até porque nenhum país dispõe de condições sequer parecidas com a situação brasileira. A necessidade de gerar empregos é outro fator decisivo na opção pelo agronegócio, onde postos de trabalho são criados a partir da menor necessidade de investir recursos financeiros, quando a comparação é feita com outros setores da economia. Entretanto, a existência de tantas condições favoráveis demonstra, para além de todo o progresso obtido, que ainda estamos longe de um desempenho que possa ser considerado ideal. O agronegócio faz a sua parte, mas o governo, nem sempre. Nesse sentido, a entrevista do ministro reflete o clamor por políticas sistêmicas que, sem o apoio do governo como um todo, o Ministério da Agricultura, independentemente de quem esteja à sua frente, dificilmente conseguirá implementar.

Uma melhoria da posição do País no comércio internacional não se fará sem planejamento e sem ações eficazes que partam de exemplos paradigmáticos. Se foi possível com a soja, então é possível fazer o mesmo com outros produtos. Mas há uma série de fatores atravancando a cadeia produtiva. Precisamos de estradas melhores, portos ágeis, modernos e de baixo custo, logística apurada (com escoamento otimizado e menor tempo de estrada) e um crescimento exponencial da armazenagem no nível das fazendas (nos países mais avançados, mais da metade dos silos existentes são rurais, quando no Brasil eles representam cerca de 15%). O financiamento da produção (incluindo plantio, compra de máquinas e equipamentos) é melhor que há cinco anos, mas ainda está longe do desejável: falta, por exemplo, vincular o empréstimo ao produto. E falta também formar mais recursos humanos em todos os níveis, o que implica estimular a criação de cursos voltados para o agronegócio (precisamos de mais engenheiros agrícolas, agrônomos, técnicos e tecnólogos), amplificar a tecnologia de equipamentos, desenvolver e disponibilizar cultivares adequados para um número mais variado de produtos e investir na garantia de sua qualidade final.

Além do mais, creio que se trata de reformar certas concepções ultrapassadas que dificultam as ações políticas do agronegócio, como a ênfase do imediatismo e uma excessiva preocupação com o próprio quintal. É importante construir uma estratégia de oportunidades, porém é preciso fazê-lo no contexto de um projeto de visão estratégica do futuro cuja consistência seja a medida do retorno social obtido em qualidade de vida, a ocupação de um espaço internacional compatível com o potencial agrícola brasileiro e, por fim, o fortalecimento do agronegócio e de suas numerosas conexões com o processo de desenvolvimento do país como um todo.

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