| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 306 - 17 a 23 de outubro de 2005
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Psicanalista francês faz a conferência de abertura da V Jornada Corpolinguagem

Três perguntas
para Michel Plon

O psicanalista Michel Plon: "A angústia é um alarme face ao perigo da completude" (Foto: Divulgação)O Grupo de Pesquisa SEMA-SOMa, vinculado ao Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) e formado por estudantes e pesquisadores que estudam as articulações entre e corpo e a linguagem, vai promover, entre os dias 19 e 21 próximos, a V Jornada Corpolinguagem, cujo tema será "Angústia: O afeto que não engana". As inscrições, gratuitas, podem ser feitas no endereço.

A jornada vai ser aberta com uma conferência do psicanalista francês Michel Plon, co-autor de Dicionário da Psicanálise (Zahar, 1998) e Em torno de O mal-estar na cultura de Freud (Escuta, 2002), entre outras obras. Na entrevista que segue, concedida a integrantes do SEMA-SOMa, Michel Plon, que é diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), da França, fala sobre a relação entre psicanálise e universidade e da importância da angústia nas discussões acerca do mal-estar.

Levando em conta que a formação do psicanalista não se realiza nos cursos universitários, como o senhor pensa a relação possível entre psicanálise e universidade?
Michel Plon - Se admitirmos, como você parece fazer, que não se forma um analista na universidade – na medida em que não saberíamos falar de formação analítica no sentido em que falamos de formação profissional –, e que não há formação senão de um analista; que esta formação, como dito por Lacan, e como notavelmente foi demonstrado por Annie Tardits, só pode responder a critérios analíticos, e não universitários (diplomas, mestrados, teses, etc.); se estivermos de acordo com tudo isso – que não é pouca coisa –, podemos transformar sua questão em uma outra muito mais drástica: o que a psicanálise faz na universidade ?

Em outras palavras, se respondo ao pé da letra sua questão, diria que não vejo relação entre a psicanálise e a universidade, salvo se aceitar que a dita psicanálise venha a sofrer – de maneira talvez impensada, insidiosa e silenciosa, no sentido em que Freud fala da pulsão de morte e de suas manifestações –, uma atenuação cada vez mais forte.

Como vê, minha posição sobre essa questão é abrupta, distante de qualquer forma de compromisso. A única ressalva que faço é a de que falo em relação à situação encontrada na França. Não conheço suficientemente as situações brasileiras, tanto a da psicanálise quanto a da universidade, para falar delas. As razões que me levam a ter tal posição são diversas; algumas, provavelmente, são válidas para outras situações que não a francesa.

Uma delas, a mais importante, deve-se ao fato de que a universidade, qualquer que seja ela, é antes de tudo uma instituição. Ora, uma instituição, qualquer que seja ela, mesmo que analítica ou tendendo a sê-lo, como foi o caso da Escola Freudiana de Paris fundada por Lacan, implica, em maior ou menor grau – e freqüentemente de modo crescente, espécie de desenvolvimento exponencial –, estruturas hierarquizadas, grades (diferentes de gradus) que só podem concordar com concepções positivistas do saber: saber petrificado, ratificado, provado, regido pelo registro do quantitativo, submetido à ideologia da medida e da avaliação, dimensões sobre as quais será fácil demonstrar (embora não tenha tempo de fazê-lo aqui) serem antinômicas à psicanálise: Fritz Wittels já havia estabelecido isso perfeitamente em sua biografia de Freud, datada de 1923, que eu insistiria veementemente para que vocês lessem. Há então uma antinomia, uma contradição maior entre a psicanálise e a universidade, antinomia que nenhuma boa vontade, nenhum talento ou dedicação saberiam resolver, dado que a natureza dessa antinomia é estrutural.

Em relação a essa argumentação, inúmeros psicanalistas que ensinam a psicanálise na universidade diriam que se ela não estiver presente nessa instituição os estudantes que querem se dedicar à psicologia clínica, à psicopatologia, só serão formados por representantes do cognitivismo e das práticas que dele decorrem. Mas além do fato de que essa objeção deixa intacta a questão da formação dos analistas, que não é concernida (pela universidade), podemos responder aos psicanalistas que optaram pela universidade sobre dois pontos: 1) a força da corrente cognitivista e sobretudo sua perfeita adequação com as estruturas da universidade são tais que o combate está por assim dizer perdido a priori; 2) com a psicanálise na universidade, de fato os estudantes recebem uma formação teórica em matéria de psicanálise, mas como nela não adquirem uma formação prática, uma formação de analista, podemos nos perguntar quais serão os efeitos dessa formação puramente teórica, puramente livresca, e, se fazendo assim, o corpo teórico da psicanálise não será transformado num saber rígido, morto, e se esse saber não virá a constituir um obstáculo à formação do analista, um obstáculo comparável àquele que a medicina podia constituir aos olhos de Freud.

Qual a importância do tema desta jornada – angústia – para uma discussão sobre o mal-estar na atualidade? Quais as consequências para os estudos da linguagem de se tomar a angústia como o afeto que não engana?

Michel Plon – Se me permite, gostaria de deixar de lado a questão referente ao que é chamado de estudos da linguagem, que suponho ser como você designe a lingüística. Não sendo lingüista, não saberia falar corretamente sobre o aforismo de Lacan, a angústia, um afeto que não engana, a partir do estudo da lingüística. Lacan fez um uso decisivo, mas muito particular, da lingüística, mais especificamente aquela de Jakobson; não há certeza – e é dizer pouco – de que todos os lingüistas tenham compreendido ou aceitado as modalidades desse uso, mas não creio que esteja aí o sentido de sua questão. Vou então responder de maneira concisa à sua pergunta, dado que retomarei esse ponto na conferência de abertura do colóquio.

Se concordamos com Lacan sobre a questão da angústia, e não vejo como um analista possa se afastar muito disso, podemos decriptar um paradoxo bastante característico de nossas sociedades contemporâneas que, ajudadas pela mundialização, não apresentam muitas diferenças nesse ponto. Contrariamente ao que postularam tanto Freud quanto Lacan, a angústia é apresentada, vivida pela grande maioria de nossos contemporâneos ­– e isso sob a égide do que deveríamos chamar de ideólogos, sejam quais forem suas orientações políticas ou profissionais – como uma doença, como um handicap, uma deficiência, um obstáculo ao bem viver, ao experimentar a ... felicidade, em suma, um entrave que é preciso dissolver ou erradicar, do qual é preciso se livrar.

Nessa perspectiva que se pode ler e ouvir nas mídias do mundo inteiro, a angústia é atribuída espontaneamente, segundo os hábitos mentais como diz Lacan, à falta, à privação e o que é então desenvolvido não é senão o paradigma do vício (addiction), vício da droga, do tabaco, do álcool, mas também do dinheiro, da beleza, etc. O remédio que então é proposto, seja das ordens da farmacologia, da alimentação ou da cirurgia estética – canais por trás dos quais não há dificuldade em discernir a dimensão econômica, aquela do liberalismo triunfante – consiste em tamponar ao máximo essa falta: basta ver as prateleiras dos supermercados e o boom econômico dos cirurgiões plásticos da face e do corpo. O objetivo é sempre e em todos os lugares o mesmo: fazer de modo que, na impossibilidade de ter tudo, a cada um falte o menos possível. Ora, constatamos forçosamente que esse procedimento, que tende a se tornar uma espécie de corrida infinita, de espiral de consumo – vejam os telefones celulares ou a microinformática e sua evolução – constantemente relançada através de formas cuja função é romper a monotonia para relançar o desejo, esse procedimento falha totalmente, dado que é confrontado dia após dia com um crescimento da angústia.

Há, é claro, uma contradição, que não se pode compreender, que não se pode esclarecer, senão ouvindo o que diz Lacan, e resumo aqui um aforismo de um ano de ensino de seu seminário, a saber, que a angústia não é um efeito da falta, mas efeito da falta da falta, o efeito de excesso, de superabundância. A falta é um ponto de apoio, é inerente ao estatuto do sujeito do inconsciente, desse inconsciente do qual os manipuladores do vício não suportam ouvir falar, estatuto do sujeito que é aquele da falta a ser: se de um modo ou de outro esse lugar da falta constitutiva do sujeito vem a ser ocupado, vem a faltar, que é o que buscam os ideólogos de todos os tipos, então a angústia aparece, a angústia, o afeto que não engana. A angústia é um alarme face ao perigo da completude, da obturação, sinal, diz Freud, e Lacan não o desmentiu, sinal de que nos desviamos da boa direção. Estamos então no âmago do Mal-estar. Freud, é bom saber, era cético quanto ao devir desse Mal-estar, e Lacan, que já em 1974 anunciava o recrudescimento dos racismos, não o era menos.

O título de sua conferência “Je suis, donc je doute” nos remete ao cogito cartesiano. Como este gesto se articula com uma leitura psicanalítica do sujeito?
Michel Plon - É muito difícil responder-lhe em poucas palavras. A partir do Cogito cartesiano, Lacan operou um deslocamento; esse foi um dos primeiros que efetuou, mas não o último, longe disso. A partir do “ Penso, logo existo” [também traduzível por “Penso, logo/então sou], Lacan, apoiando-se em Freud, reescreve “Sou pensante, então sou”. Se é verdade que a angústia é da ordem da certeza, que ela diz respeito ao “fora de dúvida”, que ela é causa da dúvida, que são afirmações desenvolvidas por Lacan, dúvida que constitui a tentativa onerosa de se arrancar dessa certeza da angústia através de atos, através do agir, então me parece lógico considerar que é necessário, ao sujeito do inconsciente, estar na ordem da falta, na ordem da falta a ser, condição para ele para se arrancar da certeza.

A morte é indiscutivelmente da ordem da certeza e é geralmente acompanhada, quem dentre nós o ignora, de seu peso de angústia. É duvidando que posso fazer face a essa certeza, fingindo ignorá-la. Esse “sou, então duvido” deve ser entendido como o enunciado de uma dedução: “se eu sou é porque duvido”.

Tradução de Nícia Adan Bonatti

Programação

19/10 – quarta-feira, 20 horas
Local: Auditório IEL/Unicamp

Conferência de abertura: Je suis, donc je doute
- Michel Plon
Lançamento do livro: Corpolinguagem: A (est)ética do desejo
Org. Nina Virgínia de Araújo Leite
Editora Mercado de Letras/ FAEP, Campinas

20/10 - quinta-feira
9 h-12 h (Sessão Plenária)
Local: Auditório IEL/Unicamp

Notas sobre o afeto e a letra na transmissão
- Betty Fuks (PUC/RJ)
A lúcida desventura
- Adriana Kanzepolsky (Unicamp/IEL)
Comentador: Márcio Seligmann-Silva (Unicamp/IEL)
14h - 15h30 (Mesas-redondas)
Psicopatologias da fala (local: sala do telão)
Angústia e silêncios:
- Ana Clélia de Oliveira Rocha
Voz: aquilo que angustia
- Maurício Eugênio Maliska
O diagnóstico do autismo e a angústia na clínica
- Eliana Benguela
Angústia e castração
(local: sala da Pós-graduação)
- Mariângela Máximo Dias
A prática toxicômaníaca, uma “construção auxiliar”?
- Sônia Borges
Angústia e a escrita que se interrompe
- Vera Lúcia Colucci

15h30 - 16h : Intervalo

16h - 17h30 (Mesas-redondas)

Figurações atuais da angústia
(local: sala do telão)
A miragem essencial
- Cláudia Leite
Faces da angústia na economia do humor
- Gustavo Conde
Fora, a mancha maldita
- Maria Anita Ribeiro Carneiro
Da obra ao ato: quando o simbólico fracassa
- Nina Virgínia de Araújo Leite
Angústia e estruturação do sujeito
(local: sala da Pós-graduação)
Psicopatologia e estruturação do sujeito
- Angela Vorcaro
O discurso pedagógico e a angústia
- Conceição Azenha
A angústia e a constituição do ser
- Éder Soares Santos
O saber enganoso e a angústia
- Rinaldo Voltolini

21/10 – Sexta-feira
9 h – 12 h (Sessão Plenária)

Auditório IEL/Unicamp
O problema de Lacan com os afetos
- Ricardo Goldemberg (PUC/SP)
Kierkegaard e a psicossomática
- Sílvia Saviano Sampaio (PUC/SP)
Comentadora: Nina Virgínia de Araújo Leite (Unicamp/IEL)

14h - 15h30 (Mesas-redondas)
Angústia, linguagem e objeto
(local: sala do telão)

Qual é a angústia da afasia?
- Alessandra Caneppele
Subjetivação da teoria e angústia na ciência e na psicanálise
- José Guillermo Milán-Ramos
Angústia, linguagem e objeto
- Oscar Angel Cesarotto
Angústia e arte (local: sala da Pós-graduação)
A angústia e os afetos trágicos
- Ana Maria Vicentini
Abjeção, angústia e estranheza: o objeto na psicanálise e na arte contemporânea
- Tânia Rivera
A mentira do ser: a angústia em Antonin Artaud
- Vera Pollo

15h30 - 16h Intervalo
16h - 17h30 (Mesas Redondas)

Escrita da Angústia no Corpo
(local: sala do telão)
Corpo, carne e organismo: a angústia e o gozo
- Christian Dunker
Angústia e Literatura
- Cristóvão Giovani Burgarelli
A inscrição da angústia no corpo
- Maria Rita Salzano
Destruição programada: tatuagens em campos de concentração
- Suely Aires Pontes
Angústia e ato (local: sala da Pós-graduação)
Angústia adolescente: algumas interrogações
- Glacy Queiroz de Roure
Extraindo da angústia sua certeza: a temporalidade do ato
- Maria Tereza Lemos
Angústia, ato e corpo na melancolia
- Mauro Mendes Dias
Angústia: o pano de boca, aberto
- Viviane Veras

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