| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 306 - 17 a 23 de outubro de 2005
Leia nesta edição
Capa
Artigo
CT&I
HC: 20 anos
Nas bancas
Clima: O tempo esquenta
Vitrine virtual
Jornada estudantil
Painel da semana
Teses
Livro da semana
Unicamp na midia
Portal Unicamp
Michel Plon
Tragédias cariocas
 

8

Continuação da página 7

'O desafio é imenso,
mas pode ser vencido'

Descarilamento causado por tufão que aitngiu, em maio passado, o município de Indaiatuba: aumenta o número de fenômenos extremos (Foto: Eduardo Back/AN)JU – O Brasil mostra-se vulnerável às intempéries climáticas. Exemplos não faltam: as enchentes nas regiões metropolitanas, ou, para ficarmos num episódio extremo recente, o furacão Catarina e seus estragos provocados na costa. O que é preciso ser feito para mudar esse quadro?

Carlos Alfredo Joly – Uma etapa imprescindível é a implantação e/ou fortalecimento de programas de pesquisa que integrem todas as dimensões da temática mudanças climáticas e biodiversidade. Nós precisamos refinar nossos modelos de mudanças climáticas, pois os que utilizamos hoje são derivados de ferramentas desenvolvidas para o hemisfério norte. O Brasil possui centros de excelência em todas as áreas – da climatologia às dimensões humanas das mudanças climáticas; da caracterização à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade, passando pelas populações indígenas e tradicionais e o respeito aos direitos dos detentores do conhecimento ancestral; do uso de biotecnologia para o aumento da produtividade ao uso de técnicas sofisticadas de sensoriamento remoto para mapear e acompanhar o desempenho de nossas culturas, bem como dos remanescentes de nossa cobertura vegetal original.

Falta uma política científica e tecnológica de longo prazo, que assegure recursos para projetos de longa duração, que não podem depender de mudanças de prioridade ao sabor do jogo político.

É necessário também que haja o compromisso e a vontade política de incorporar os resultados da pesquisa científica no aperfeiçoamento de políticas públicas de forma a identificar vulnerabilidades e implementar medidas de mitigação do efeito das mudanças climáticas globais.

Programas de pesquisa como o Biota/Fapesp demonstram que isto é possível, e que o sinergismo positivo gerado pelos estudos integrados ultrapassa as expectativas mais otimistas em termos de resultados.

Carlos Nobre – O Brasil, como todos os países em desenvolvimento, é extremamente vulnerável aos desastres naturais provocados por extremos climáticos e meteorológicos. O furacão Catarina, de março de 2004, o primeiro fenômeno desta natureza a ser observado no Atlântico Sul, nos ensinou algumas lições. Apesar de que os ventos de acima de 120 km/h tenham causado enorme destruição material, com milhares de construções demolidas ou afetadas, as vítimas fatais no continente foram mínimas, número típico de países desenvolvidos afetados por furacões de igual intensidade. A diferença foi uma previsão meteorológica correta da gravidade do fenômeno por meteorologistas catarinenses (que acertadamente discordaram de previsões, vindas dos principais centros de meteorologia do país, de que não se tratava de um furacão) e de um primoroso trabalho dos órgãos de Defesa Civil federal, estaduais e municipais nas regiões afetadas.

Este exemplo dá relevância e urgência à necessidade de desenvolver no Brasil um sistema moderno e eficiente de previsão e prevenção de desastres naturais, que se tornarão mais freqüentes com o aquecimento global, e principalmente o fortalecimento dos órgãos de Defesa Civil, que devem mudar seu paradigma para ações preventivas ao invés de ações corretivas e reparativas, benéfica mudança que já vem ocorrendo, ainda que lentamente.

Luiz Gylvan Meira Filho – Não é mais possível mudar completamente esse quadro.  Um aspecto importante da mudança do clima é o fato de que as ações de hoje produzem efeitos dentro de cerca de 50 anos.  A mudança do clima hoje é devida a ações no passado.  A urgência no tratamento da mudança do clima é exatamente devida ao fato de que em grande medida os efeitos até 2060 já estão determinados. Só podemos fazer algo para depois dessa data.

Hilton Silveira Pinto – É muito pouco que medidas sejam levadas a cabo apenas em termos de país. É preciso uma cooperação mundial, como está se tentando fazer. Não adianta o Brasil usar álcool como combustível para veículos, quando os Estados Unidos usam petróleo pura e simplesmente. Mesmo que o Brasil deixe de produzir CO2, ele é muito pequeno em termos do tamanho do problema, que é mundial.

Hoje o nível atmosférico de CO2 chega a 390 ppm (partes por milhão), quando foi de 275 ppm há 60 anos. A participação do Brasil nesse crescimento foi ínfima. Os maiores responsáveis por ele foram os países industrializados, do primeiro mundo. Nós temos que cumprir a nossa lição de casa e achar alternativas para o consumo de petróleo. E isto estamos fazendo – temos o álcool e o biocombustível –; a Unicamp tem várias linhas de pesquisa na área. Não adianta, entretanto, apenas o Brasil fazer a lição. Estados Unidos, China, Rússia e outros países também precisam fazê-la. Pode não solucionar o problema, mas vai atenuá-lo bastante.

JU – A Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima reconhece que a tarefa de evitar, pelo menos parcialmente, a mudança do clima é uma tarefa que envolve todos os países, embora essa responsabilidade seja diferenciada, ou seja, os países não têm obrigações iguais. O senhor acha que, na medida justa da responsabilidade do Brasil por causar a mudança do clima, devemos tomar medidas para ajudar a evitá-la?

Carlos Alfredo Joly – No período que antecedeu a entrada em vigor do Protocolo de Quioto, o Brasil teve um protagonismo altamente positivo nas negociações relativas à Convenção de Mudanças Climáticas. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo/MDL, por exemplo, é um resultado concreto desta posição de vanguarda. Agora, com o Protocolo em vigor, o Brasil está em uma posição privilegiada para receber um grande aporte de investimentos oriundos do mercado de créditos de carbono.

Por ser um país do Anexo II do Protocolo de Quioto, o Brasil não precisa assumir compromissos imediatos com a redução da emissão de gases de efeito estufa. Entretanto com a divulgação do Inventário de emissões e remoções antrópicas de gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal constatou-se que somos o 5º maior emissor de gases do efeito estufa, atrás apenas dos Estados Unidos, da Rússia, da China e do Japão.

Constatou-se também que a fonte de quase 70% de nossas emissões são as queimadas, principalmente da região Amazônica. Com estes dados em mãos era de se esperar que o governo brasileiro tivesse novamente uma posição de vanguarda, assumindo de livre e espontânea vontade o compromisso formal de reduzir nossas emissões (leia-se tomar medidas efetivas para reduzir o ritmo das queimadas na região Amazônica). Uma iniciativa desta natureza, um compromisso voluntário de reduzir suas emissões, colocaria o Brasil na liderança das negociações que começam no final do mês que vem na COP 11/MOP1 em Montreal, e que vão estabelecer as regras e compromissos dos países no período pós-Quioto, que deve começar em 2012. Infelizmente, não foi isso que se viu e ouviu da delegação e do governo brasileiro durante a última Conferência das Partes (COP 10), realizada em Buenos Aires em dezembro de 2004.

Carlos Nobre – Sem dúvida, para atingir em poucas décadas uma meta de redução das emissões globais de gases de efeito estufa de, digamos, 50%, não há como deixar de fora qualquer país. O Brasil não pode e não deveria ficar de fora do esforço mundial, considerando que os impactos mais severos dar-se-ão exatamente nos países em desenvolvimento, onde as populações e setores econômicos são reconhecidamente mais vulneráveis aos extremos climáticos. A melhor maneira de o Brasil colaborar ao esforço mundial é reduzir os desmatamentos de suas florestas tropicais, principalmente a Amazônia.

O Inventário Nacional das Emissões de Gases de Efeito Estufa, lançado no final de 2004, confirmou oficialmente o que a comunidade cientifica já conhecia desde há muito anos: as mudanças dos usos da terra, principalmente os desmatamentos na Amazônia, respondem por 3/4 das emissões brasileiras de gases de efeito estufa. Por outro lado, ninguém argüiria que estes altíssimos valores de desmatamentos estariam levando a uma melhoria social das populações amazônicas. Ao contrário, o modelo de desenvolvimento amazônico, centrando na constante expansão da fronteira agrícola, deixa um imenso déficit ambiental e social, com benefícios econômicos de curto-prazo e concentrado nas mãos de poucos.

Ao buscar a redução substancial dos desmatamentos amazônicos, firmemente fazendo cumprir as leis no curto e médio prazo e buscando agregar valor através de ciência e tecnologia aos produtos da imensa e rica biodiversidade amazônica, o Brasil estaria dando sua contribuição à redução das emissões e conservando seu imenso patrimônio biológico.

Luiz Gylvan Meira Filho – No nosso melhor interesse, tenho certeza de que a sociedade brasileira considera essencial que façamos algo para evitar a mudança do clima, dentro de nossa parcela de responsabilidade e de meios disponíveis.

Hilton Silveira Pinto – Não só devemos, como essas medidas já estão sendo tomadas. Temos hoje um corpo cientifico extremamente sério no Brasil. São pesquisadores de primeiro nível que representam o país nos órgãos cooperativos internacionais. Temos cientistas gabaritados que estão colaborando para a introdução de novas tecnologias que visam a diminuição do aquecimento global. Por exemplo, na área agrícola temos Unicamp e Embrapa, projetos cooperativos com mais de 30 instituições em andamento no país que visam uma maior racionalização do controle ambiental. Mas, da mesma forma, temos que pensar em projetos mais ousados que visualizem como contornar o problema futuro do aquecimento. Ou seja, desenvolver plantas mais resistentes ao calor, por exemplo.

JU – Visto por muitos como o “celeiro do mundo”, o Brasil maltrata sua biodiversidade numa recorrência que beira o irracional – as queimadas se sucedem, o desmatamento é galopante, seus rios viram esgoto, florestas desaparecem da noite para o dia e os mecanismos de controle são exíguos, quando não inexistentes ou contaminados pela corrupção que penetra no aparelho do Estado. O que significa essa destruição para a saúde do planeta? É possível reverter esse quadro dramático?

Carlos Alfredo Joly – Para ficarmos no âmbito estadual, iniciativas como o Programa Biota/Fapesp, o Programa de Doutorado em Ambiente e Sociedade (parceria do IFCH com o Nepam) e o recém-criado Fórum Paulista de Mudanças Climáticas e Biodiversidade contribuem significativamente para a reversão deste quadro.

No dia que eu deixar de acreditar que é possível contribuir para a reversão deste quadro, fortalecendo a pesquisa integrada, formando e capacitando pessoas, interagindo com o governo no sentido de aperfeiçoarmos as políticas públicas e interagindo com a sociedade no sentido de aumentarmos o grau de conscientização para as tomadas de decisão, eu me aposento!!! Inclusive como cidadão!

Carlos Nobre – Reverter este quadro alarmante tem um custo econômico e social infinitamente menor do que recuperar o ambiente degradado agora ou incorrer nos custos de recuperação que estaremos passando para as futuras gerações. O uso sustentável dos recursos naturais começa com o uso inteligente do conhecimento. Para a maioria dos ecossistemas tropicais ou subtropicais, não há modelos a replicar.

Não há outra rota a não ser o de ciência e tecnologias apropriadas aos nossos recursos naturais, como agricultura tropical, agricultura ecológica e silvicultura apropriadas e adaptadas aos ambientes brasileiros. Aqui podemos contar com uma comunidade científica bem-preparada para enfrentar tais desafios, que devem tornar-se objeto de políticas públicas de fomento. A Fapesp tem, mais uma vez, dado o exemplo. Criou programas científicos para o conhecimento e uso racional da biodiversidade do Estado de São Paulo, exemplo a ser seguido em todo o país. O desafio é imenso, mas pode ser vencido desde que haja consciência de que não há realmente nenhum outro caminho se quisermos deixar um ambiente saudável para as futuras gerações.

Luiz Gylvan Meira Filho – O maior prejudicado com a ocupação do solo na Amazônia na forma como sendo feito é o próprio Brasil.  Ainda não conseguimos equacionar a forma mais racional de ocupação da Amazônia, que pode perfeitamente ser obtida com tecnologias que já dominamos.

Hilton Silveira Pinto – A coisa precisa ser feita de acordo com a realidade, não apenas no papel. Todo mundo sabe, por exemplo, que não se pode fazer queimada, sobretudo na Amazônia. No entanto, o que nós temos de perda de matéria verde por causa de queimas irregulares revela irresponsabilidade e desonestidade. Vende-se facilidade para ganhar dinheiro. É o que está acontecendo hoje em boa parte da Amazônia.

Nós perdemos muito por conta da queimada. A queima em si não é importante. Quando se queima uma área florestal grande, produz-se CO2. Entretanto, quando a planta recomeça a vegetar, esse CO2 produzido passa a ser consumido. Então, trata-se de uma fonte de crescimento vegetal. Qual é o grande problema? É a diferença do volume – quando você queima uma área de floresta, e rebrota isso na forma de cana-de-açúcar, a diferença entre o que foi produzido e o que está se consumindo é muito grande. Estamos aumentando a taxa de CO2 na atmosfera.

Isso precisa ser observado, e é fácil. O Inpe faz monitoramento diário dos focos de incêndio na Amazônia. Os satélites mostram claramente o que está acontecendo. Não que eu seja contra a evolução, mas queimar árvores na maior reserva biológica do mundo não faz sentido. Trata-se do maior repositório mundial de gens, cujo teor é ainda desconhecido, principalmente para a área médica. A destruição desse grande armazém de gens, por pura ganância, só pode ser apoiada por mentalidades desonestas. Ou doentias.


Quem é quem?

Carlos Alfredo Joly (Foto: Antoninho Perri)Carlos Alfredo Joly - Graduado em Biologia pela USP em 1976, Carlos Alfredo Joly fez seu mestrado na Unicamp em 1979 e seu doutoramento na Escócia em 1982. É professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. Coordenou o curso de pós-graduação em Ecologia, foi chefe do Departamento de Botânica, pró-reitor de Pós-Graduação e hoje é o coordenador associado do Nepam. Especialista em ecofisiologia de plantas neotropicais, área na qual já publicou mais de 50 trabalhos em revistas especializadas e formou cerca de 25 mestres e doutores, atua também ativamente na área de conservação e uso sustentável da biodiversidade. De 1996 a 1998 coordenou a criação e a implantação do “Programa Biota/Fapesp: O Instituto Virtual da Biodiversidade”, sendo seu primeiro coordenador de março de 1999 a agosto de 2004.


Carlos Nobre (Foto: Divulgação)Carlos Nobre - Doutor em Meteorologia pelo Massachussets Institute of Technology (MIT), Cambridge, Massachusetts, EUA, Carlos Afonso Nobre graduou-se em engenharia eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Foi responsável pela implantação e consolidação, entre 1991 a 2003, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC-Inpe), onde atua hoje como pesquisador titular. É coordenador científico e um dos idealizadores do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia, que está formando mais de 300 doutores e mestres brasileiros em pesquisa ambiental Amazônica. É presidente da Comissão da Área Multidisciplinar da Capes, dentro da qual estão abrigados cerca de 40 programas de pós-graduação em Meio Ambiente, e do Comitê Assessor Internacional do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil.


Luiz Gylvan Meira Filho (Foto: Mauro Bellesa/IEA/USP)Luiz Gylvan Meira Filho - Doutor em astrogeofísica pela Universidade do Colorado, EUA, Luiz Gylvan Meira Filho graduou-se em engenharia eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). De 1965 a 1992, foi pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe), onde se aposentou como pesquisador titular, tendo atuado em vários cargos de chefia e direção. De 1994 a 2001 foi presidente da Agência Espacial Brasileira, tendo em seguida assumido o cargo de secretário de Políticas e Programas de Ciência e Tecnologia do Ministério de Ciência e Tecnologia, onde permaneceu até o final de 2002. Foi co-presidente do Grupo de Trabalho Científico e vice-presidente do IPCC. É professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP.






Hilton Silveira Pinto (Foto: Antoninho Perri)Hilton Silveira Pinto - Hilton Silveira Pinto é professor associado do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp e diretor associado do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas aplicada à Agricultura (Cepagri) da Unicamp. Possui doutorado pela Unesp com pós-doutoramento  na Universidade de Guelph, no Canadá. Coordenou e coordena 15 projetos de pesquisas nacionais e internacionais, participou com 117 trabalhos em eventos científicos no país e no exterior e publicou 45 trabalhos em revistas científicas indexadas nacionais e internacionais. Orientou 21 alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Recebeu quatro prêmios por atividades científicas. É consultor/assessor do CNPq, Finep, MAPA e MCT, entre outros.


Topo

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2005 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP