Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 238 - de 17 a 30 de novembro de 2003
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Mapeando células aos milhares
Professor da Unicamp participa de pesquisa pioneira na área da genômica

PAULO CÉSAR NASCIMENTO


À imagem digital de células captada e ampliada 200 vezes por microscópio a partir de amostra (spot) na lâmina de microarray; em seguida, a mesma imagem depois de processada pelo software, que delineia e identifica automaticamente os núcleos das células

A experiência de um professor da Unicamp e um software desenvolvido por docentes da Universidade e de três outros centros brasileiros de pesquisa foram decisivos para a conclusão de um estudo divulgado em outubro pela respeitada Genome Research, publicação norte-americana voltada à Genômica. Roberto Lotufo, do Departamento de Engenharia de Computação e Automação Industrial da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação (FEEC) utilizou uma ferramenta de processamento morfológico de imagens na análise de células submetidas a um revolucionário processo conhecido como interferência de RNA (RNAi), capaz de desligar ou silenciar genes daninhos e, portanto, potencialmente eficaz no combate a vírus e tumores (leia texto nesta página).
Conduzida pelo National Human Genome Research Institute, do National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, a pesquisa da qual Lotufo participou integra uma série de experimentos pioneiros em genética, que apontam para a possibilidade de curar câncer e tratar infecções virais letais usando a técnica da RNAi.

O trabalho exigia velocidade, qualidade e precisão na análise de imagens, requisitos que apenas o software brasileiro foi capaz de cumprir, conta Lotufo, um dos responsáveis pelo seu desenvolvimento. O software foi possível graças à cooperação iniciada na década de 90 com os professores Gerald Jean Francis Banon, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), Junior Barrera, da Universidade de São Paulo (USP) e mais recentemente com o pesquisador Rubens Campos Machado, do Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA).

Durante o desenvolvimento do programa, inicialmente para apoio ao ensino e pesquisa, o grupo contou com a colaboração do professor Edward Dougherty, atual diretor do Laboratório de Processamento de Sinal Genômico da Texas A&M University (EUA), uma das autoridades mundiais em processamento de imagem e análise de dados genômicos, e consultor do NIH.

“A qualidade do sistema e a minha experiência prática no seu desenvolvimento valeram convite do professor Dougherty para que eu participasse da pesquisa com RNAi junto com ele e mais dez cientistas”, conta Lotufo, único brasileiro a assinar o trabalho.

Rigor matemático – O diferencial do software brasileiro – na verdade, um conjunto de ferramentas (toolbox) para diferentes aplicações – está no emprego de morfologia matemática na análise de imagem.

Se em Biologia o termo morfologia refere-se ao estudo da forma e estrutura de plantas e animais, em processamento digital a expressão representa o uso de cálculos matemáticos para a análise da estrutura geométrica contida em uma imagem.

“Graças a isso, a toolbox trata problemas de processamento de imagem com um rigor matemático muito forte e oferece flexibilidade para um amplo espectro de aplicações, proporcionando resultados superiores em relação aos processos que não utilizam morfologia”, explica o professor da Unicamp, um dos poucos no mundo que dominam a tecnologia.

Ele também observa que, conforme a própria denominação, o sistema não é uma solução pronta para o usuário final, mas disponibiliza os recursos para o profissional selecioná-los e adequá-los para solucionar diferentes problemas em processamento de imagens, seja para uma aplicação industrial seja para uma aplicação médica, como ocorreu no estudo do NIH.

A pesquisa com a RNAi foi realizada em 2002. Nos três meses em que permaneceu na Texas A&M University e no instituto norte-americano, Lotufo responsabilizou-se pelo processamento e análise de imagens de células depositadas em lâminas de vidro, geradas em um sofisticado processo conhecido por microarray, técnica que possibilita a avaliação simultânea de milhares de genes (leia matéria à parte).

A dificuldade da empreitada residiu no fato de que essa tecnologia gera uma quantidade absurda de dados. No estudo em questão, foram analisadas 20 mil diferentes imagens de cada lâmina contendo duas mil amostras (spots) microscópicas de fragmentos celulares, com aproximadamente três mil células em cada imagem.

O professor Roberto Lotufo, da FEEC: morfologia matemática na análise de imagem

“Conseguimos reduzir o tempo de processamento de cada imagem para menos de 5 segundos. Foram a velocidade e o baixo nível de erro do sistema que permitiram ao grupo colher os resultados desejados, já que os softwares comerciais inicialmente procurados não apresentavam nem o desempenho nem a qualidade de imagem que o estudo exigia”, conta Lotufo.

Download gratuito – A tecnologia do processamento morfológico de imagem está disponível para interessados em Hands-on Morphological Image Processing, livro que Lotufo escreveu em co-autoria com Edward Dougherty. Comercializada por meio da Internet pela Amazon, a obra oferece a estudantes e profissionais a oportunidade de experimentar diferentes aplicações práticas com a coleção de ferramentas contidas no software.

Uma versão didática do programa está à disposição na rede mundial de computadores para download gratuito no seguinte endereço: http://sourceforge.net/projects/pymorph. Com esta versão é possível reproduzir a maioria dos exemplos discutidos no livro, facilitando a disseminação da técnica apresentada pelos autores.


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Técnica é comparada ao surgimento dos antibióticos

A técnica conhecida como RNA interferente (RNAi) utiliza moléculas curtas de RNA (designação do ácido ribonucléico) para neutralizar genes específicos. De tão fantástica, a descoberta está sendo comparada ao desenvolvimento dos antibióticos, que modificaram radicalmente o modo pelo qual a medicina tratava infecções bacterianas no século 20.

A estrutura do RNA é semelhante à do DNA, molécula-código das características genéticas. Moléculas de RNA de tamanho normal convertem informações genéticas em proteínas. Porém, no início da década de 90, Andrew Fire, da Universidade Johns Hopkins (EUA), descobriu que moléculas truncadas de RNA poderiam ser induzidas para silenciar ou desligar os mesmos genes que tinham ajudado a gerá-las. Na prática, significava que genes defeituosos responsáveis por tumores, ou genes usados por um vírus para se reproduzir, poderiam ser neutralizados.
Ele nomeou o efeito de “interferência de RNA” (RNAi) e argumentou que os genes podem ser silenciados seletivamente, ou seja, a interferência não resultaria no silenciamento de outros genes importantes.

A teoria da RNAi como tratamento médico começou a ser testada no final da última década. Estudos laboratoriais conduzidos nos EUA e na Europa demonstraram que células humanas podem ser modificadas para resistir à infecção causada pelo vírus da pólio e do HIV (causador da Aids).

Em um tratamento que utilizasse a técnica, as células do sangue de um paciente contaminado seriam retiradas e modificadas com uso da RNAi para torná-las imunes ao HIV, o que então tornaria o paciente resistente à infecção.

No começo deste ano a revista Science divulgou as primeiras demonstrações do potencial terapêutico da RNAi contra doenças em animais. Os imunologistas Judy Lieberman e Premlata Shankar, da Universidade de Harvard, administraram uma solução de moléculas curtas de RNA interferente (siRNA) na cauda de um rato e protegeu-o contra a hepatite. E em animais que já estavam doentes, a RNAi reduziu a inflamação o bastante para permitir a recuperação do fígado.

Os pesquisadores acreditam que o processo também poderá ser eficiente contra câncer e evitar problemas de rejeição em transplantes.


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O que são microarrays

A técnica dos microarrays permite o estudo confiável da função e dos padrões de expressão dos genes tornando-se uma ferramenta poderosa na busca de causadores genéticos de tumores. Cada spot analisado tem frações de milímetro e é fixado na lâmina por um robô, que deposita cada pontinho de amostra em uma seqüência e identificação distintas.

Pela comparação simultânea de milhares de amostras de genes ou fragmentos de genes de células normais e cancerosas, ou de células pulmonares sãs e das de um doente, os cientistas conseguem saber quais genes estão ativos, quais deixaram de funcionar ou estão funcionando desordenadamente em cada situação.

Dessa maneira, é possível identificar em um pulmão com asma, por exemplo, a presença de uma série de genes que não são observados no pulmão normal, e concluir que esses genes devem estar relacionados com a patologia estudada.
No caso do estudo em que Lotufo participou, os microarrays são feitos de células vivas depositadas em cada spot. Foram as imagens destas células, ampliadas por microscópio, processadas e analisadas pelo software desenvolvido por Lotufo, que possibilitaram identificar o número de células que haviam reagido à presença de moléculas curtas de RNA interferente (siRNA) no estudo do NIH.

“Existiram células que responderam positivamente a esse agente e outras não. Meu trabalho foi encontrar a taxa de expressão de células que foram silenciadas pelo RNAi e a das que permaneceram ativas.”

 

 

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