Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 238 - de 17 a 30 de novembro de 2003
Leia nessa edição
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Diário de Lisboa
Radiografia: C&T no Brasil
Água: fungos e bactérias
Estudo: efeitos contra gotas
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Vaca mecânica: 2° geração
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Estudo indica fármacos sem
efeitos colaterais contra gotas

LUIZ SUGIMOTO

O químico Saulo Luís da Silva: modelagem molecular teve resultados animadores

Quem sofre de “gota” deve achar irônico este nome que sugere coisa minúscula, mas que batiza doença tão dolorida. O processo natural de destruição de células do corpo, para que novas células se instalem, resulta em substâncias que precisam ser expelidas. O ácido úrico é uma dessas substâncias e sai pela urina. O acúmulo de ácido úrico no sangue, por causa da produção excessiva ou porque sua eliminação é deficiente, ataca principalmente as articulações, começando em geral pelo pé, com dor súbita e aguda, inchaço e vermelhidão. Pode subir ao joelho, dedos da mão, punho e cotovelo. No estágio crônico, prejudica órgãos como rins e fígado, havendo risco de deformidades irreversíveis nas articulações.

O químico Saulo Luís da Silva informa que a droga mais usada contra a gota, que acomete perto de 2% da população mundial, é o allopurinol. Ocorre que o medicamento pode causar severas reações alérgicas, dentro de um conjunto de aspectos fisiológicos que se denominou Síndrome da Intolerância ao Allopurinol (SAI). Entre outros efeitos, a SAI se caracteriza por febres, comprometimento renal e hepático, lesões eritematosas (a vermelhidão na pele), e estuda-se ainda sua influência o processo da catarata. “É importante descobrir novas drogas ou derivados para evitar tantos efeitos maléficos em pacientes que dependem do allopurinol, sem no entanto diminuir a eficiência no tratamento da doença”, afirma o pesquisador.

Saulo da Silva procura fazer sua parte. Ele realizou a modelagem molecular de derivados de fenilpirazóides e flavonóides, que nos testes mostraram resultados animadores quanto à eficácia destes compostos na inibição da enzima xantina oxidase (XO), uma das principais responsáveis pelo desenvolvimento da gota. Ambas as classes de compostos, aparentemente, atuam sem produzir aqueles danos severos – o que precisa ser comprovado em testes complementares. A tese de doutorado, defendida no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, foi orientada pelo professor Sérgio Marangoni. “A xantina oxidase é a enzima que produz ácido úrico, a partir de um substrato chamado hipoxantina. A ação do allopurinol está em ocupar o lugar da hipoxantina no sítio ativo da enzima, interrompendo a produção de uratos (forma fisiológica do ácido úrico) e também, indiretamente, de radicais livres”, simplifica.

Encontrar mecanismos moleculares semelhantes em fenilpirazóides e flavonóides foi o objetivo de Saulo da Silva. Para que compreendamos melhor seu trabalho, o pesquisador explica que, quando os alvos são enzimas que causam doenças ou mal-estar como a xantina oxidase, procura-se localizar um ponto de ação para alguma substância que iniba esta atividade, evitando o acesso do substrato ou ainda alterando a estrutura da enzima e impedindo a ligação do mesmo. “A técnica de modelagem molecular é usada para o desenho racional de drogas. Estudamos aspectos estruturais e energéticos da molécula: ângulos e distâncias entre átomos, eletronegatividade, calores de hidratação e formação, volume e área, dentre vários outros. A modelagem, em resumo, mostra as propriedades de uma molécula que devem ser salientadas ou suprimidas para aumentar sua ação como fármaco”, ilustra.

Sem a modelagem molecular, observa o químico, o processo de produção de um medicamento torna-se mais lento e dispendioso, além de depender da sensibilidade do pesquisador, quando não da sorte para se encontrar uma modificação estrutural interessante. “A utilização desta técnica associada com métodos estatísticos, os chamados métodos quimiométricos, permite ao químico sintético indicar as moléculas com maior probabilidade de apresentar bons resultados e descartar aquelas que provavelmente não teriam efeitos importantes. A indústria farmacêutica mantém grandes grupos de pesquisas que utilizam o desenho racional de drogas, com intuito de otimizar o processo de descoberta de novas moléculas farmacologicamente ativas, reduzindo assim os custos das pesquisas”, acrescenta.

Estratégia – Os derivados fenilpirazólicos avaliados por Saulo da Silva são sintéticos, ao passo que os flavonóides encontram-se em quantidades apreciáveis nas plantas, alimentícias ou não. “Como os flavonóides fazem parte da nossa dieta diária, muitos pesquisadores se dedicam a entender melhor suas ações biológicas e seus possíveis efeitos farmacológicos. Além da capacidade de inibir a xantina oxidase, também foram relatados importantes efeitos antioxidativos, antitumorais e antiulcerogênicos”, lembra o químico.

Para a análise, Saulo da Silva utilizou dois métodos. No primeiro, mais tradicional, as moléculas foram desenhadas e otimizadas no vácuo. No segundo, uma nova forma de abordagem estrutural de inibidores enzimáticos não-protéicos, as moléculas foram otimizadas estruturalmente dentro do campo de força criado pelo cristal da enzima. “As diferenças entre os métodos, principalmente as energéticas, não foram significativas. Mas o segundo método resultou em uma análise estrutural mais interessante, pois aproxima o inibidor de sua melhor conformação de interação com a enzima”, explica.

De acordo com o pesquisador, a mesma estratégia utilizada para desenhar o allopurinol pode servir para evitar possíveis efeitos colaterais de outros fármacos quiomioterápicos derivados das bases purinas, a exemplo dos utilizados no aciclovir.

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