Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 237 - de 10 a 16 de novembro de 2003
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Susana Kampff Lages redescobre a Amerika de Kafka

ÁLVARO KASSAB

As desventuras erráticas de Karl Rossmann voltam às livrarias com novas tintas. O anti-herói que se vê em sucessivos apuros ao desembarcar em território norte-americano retorna agora imerso numa atmosfera mais fiel possível àquela demarcada por seu criador, Franz Kafka (1883-1924), que alçou Rossmann à condição de protagonista de seu primeiro romance, O Desaparecido ou Amerika. O ineditismo, no caso, está na versão integral traduzida do alemão por Susana Kampff Lages, professora do Centro de Ensino de Línguas (CEL) da Unicamp. O primeiro capítulo do livro, O Foguista, publicado em vida por Kafka, fora já vertido diretamente do alemão por Modesto Carone. Outras versões integrais foram publicadas a partir de traduções para outras línguas. A mais conhecida delas foi realizada por Torrieri Guimarães, América (Livraria Exposição do Livro, 1965), que teve como fonte o francês.

Susana utilizou o texto da edição crítica alemã, editado por Jost Schillemeit (1983), enriquecendo sua tradução com notas de rodapé e um posfácio (Das (im)possibilidades de traduzir Kafka), no qual dimensiona o tamanho de sua empreitada, além de fornecer aos leitores as devidas pistas do laboratório de criação do autor tcheco. “A inclusão, em notas de rodapé, de variantes, imprecisões gráficas e trechos riscados do manuscrito... corresponde a uma tentativa de resgatar uma dimensão fundamental para a compreensão que Kafka tinha da própria literatura, da sua escritura: o seu caráter de rascunho, de risco e rabisco..”, avisa Susana na nota introdutória que precede o romance.

Melancolia, de Albrecht Dürer

Escrita entre 1912 e 1914, a obra traduzida por Susana é tida como o “romance de formação” de Kafka, que o batizou de O Desaparecido. Inacabado como os posteriores O Processo e O Castelo e assumidamente inspirado na prosa dickenseana (sobretudo em David Copperfield), o romance tem como figura central o jovem praguense Karl Rossmann que, expulso de casa pelos pais por engravidar uma empregada, emigra para os Estados Unidos. Depois de avistar a Estátua da Liberdade empunhando uma espada – cena que para alguns especialistas revela um estranhamento até então inexistente em correntes literárias predecessoras, inclusive no realismo tão caro a Kafka –, Rossmann começa a se meter em enrascadas. A primeira delas antes mesmo de o navio atracar no porto de Nova York, num episódio envolvendo o personagem, o foguista e o maquinista-chefe da embarcação.

“Final feliz” – A partir daí, os personagens – inescrupulosos e grotescos em sua maioria – irrompem na mesma medida em que a derrota e a impotência resvalam o destino de Rossmann. Esse fantasma onipresente, porém, desaparece no último fragmento do livro, quando o herói cerra fileiras numa trupe teatral. Há quem veja nisso um “final feliz” – é bom relembrar que se trata de uma obra inconclusa. Independentemente das diferentes leituras feitas por especialistas, é consensual a opinião de que Kafka já antecipava, em O Desaparecido, a linha e temas recorrentes que adotaria em seus romances subseqüentes, opinião de resto compartilhada por Susana.

No cenário de fundo marcado pelo absurdo da existência – e seus derivados–, emergia o ritmo frenético da potência capitalista, com seus turnos sem fim, suas injustiças e negociatas. Uma América onde Kafka jamais esteve. Para compor a obra, o escritor tcheco fiou-se em relatos de viagens, em reportagens produzidas por Arthur Holitscher e em palestras proferidas por Frantisek Soukup, um socialista utópico. Era natural, portanto, que o escritor cometesse alguns erros, sobretudo de natureza geográfica, na grafia de topônimos ou em coisas prosaicas, como por exemplo a moeda norte-americana, que Kafka chamou de libra esterlina.

O filósofo alemão Walter Benjamin: tradução deve ser reconfigurada em sua própria língua

Susana Lages detalha e localiza a origem de alguns equívocos e mantém outros deliberadamente no corpo do texto. “Tais erros por certo não mais poderão prejudicar a integridade literária de um dos maiores autores do século 20, como à sua época temia o amigo Brod”, esclarece a tradutora na introdução do livro. Max Brod, a quem Kafka pediu “como último desejo” que queimasse todos os seus originais, foi o responsável pela primeira publicação de Amerika (1927) – o primeiro capítulo, O Foguista, fora publicado em 1913. O melhor amigo do escritor tcheco havia corrigido alguns dos erros, todos devidamente creditados e apontados por Susana em notas de rodapé assinaladas com as iniciais MB. Segundo a tradutora, procurou-se com isso “reconhecer o caráter de co-autoria do trabalho de Brod, responsável pela conservação dos manuscritos”.

Vai daí também, explica Susana, a decisão em fundir os dois títulos em sua tradução – O Desaparecido, escolhido por Kafka, e Amerika, com o qual Brod imortalizou a obra do amigo depois de livrá-la das chamas. Um ato de preservação que Walter Benjamin classificou como “fidelidade contra Kafka”, como lembra Susana no posfácio. A professora pondera que a vontade de dar cabo aos seus originais foi expressa por Kafka em dois bilhetes diferentes, o que “institui, a priori, a grande aporia sobre a qual repousa sua escrita”. No primeiro texto, Kafka vai direto ao assunto; o segundo, continua Susana, “é redigido de modo mais prolixo e ambíguo”.

Duplo vínculo – De acordo com a professora, tal comportamento não só coloca em xeque a “autoridade” dos dois textos que nas internas se contradizem, como desemboca no que ela classifica de “duplo vínculo” (double bind) que, por sua vez, origina, segundo a tradutora, outros dois desdobramentos: a estreita ligação de Kafka com a tradição judaica e sua relação com a leitura e a literatura. Susana registra no posfácio: “A tradição judaica se nutre e sobrevive a partir da tensão entre a extrema imobilidade da letra, do corpo escrito de sua tradição, e a infinitude da interpretação, que permite que, ao lado de regras rígidas de preservação física do texto, conviva uma liberdade interpretativa inigualável na tradição ocidental”.

Segunda Susana, essa tensão encontra um paralelo no ofício do tradutor, “que está num paradigmático lugar de double bind dentro da tradição: reproduzir o mesmo texto numa outra língua”. A professora recorre a uma imagem de Benjamin para mostrar o quanto pode ser frágil a identificação do tradutor com o objeto de seu trabalho. “Assim como os cacos de um vaso, para poderem ser recompostos, devem seguir-se uns aos outros nos menores detalhes, mas sem se igualarem, a tradução deve, em vez de assemelhar-se ao sentido original, reconfigurar em sua própria língua, amorosamente, chegando até aos mínimos detalhes, o modo de designar do original, fazendo assim com que ambos [original e tradução] sejam reconhecidos como fragmentos de uma língua maior, como cacos são fragmentos de um vaso”.

Não são aleatórias as citações de Benjamin no posfácio de Susana. Além da evidente afinidade com a obra kafkiana, o filósofo alemão é objeto de estudo do penúltimo trabalho da professora da Unicamp, Walter Benjamin – Tradução e Melancolia (Edusp, 257 páginas), livro que rendeu este ano o Prêmio Jabuti a Susana e no qual é feito um rastreamento minucioso de uma série de obras de escritores, teóricos e filósofos sobre a tradução. O interesse pela produção ensaística de Benjamin teve início quando a tradutora desenvolvia um trabalho sobre a saudade na obra de Guimarães Rosa, João Guimarães Rosa e a Saudade, (Ateliê Editorial, 2002). “Já me interessava pela tradução e pelo universo temático que envolve a saudade e a melancolia. São universos afins – a distância, a ausência, o exílio. A obra de Benjamin não só contempla esses temas como discute os limites, as aporias e as contradições que se colocam para o tradutor”, revela.

Segundo a tradutora, houve uma “coincidência de interesses”, a começar pelo fato de a obra de Benjamin fornecer subsídios para o conjunto do seu trabalho, entre eles a análise que o filósofo faz da melancolia presente no barroco alemão – no caso, a obra do pintor Albrecht Dürer é emblemática. Nada mais pertinente. Susana observa que há, na tradução, os mesmos elementos que reforçam a polaridade não resolvida entre a depressão e a euforia, componentes que permeiam a melancolia. Um quadro no qual o elemento da perda precisa ser reelaborado. “É necessário libertar-se dessa perda e assumir que se perde. E, a partir da perda, criar algo novo, uma tradução menos tolhida”, prega.

Nesse âmbito, a tradução de O Desaparecido ou Amerika, diz Susana, funcionou como uma espécie de continuação prática do trabalho anterior. A tradutora levou em conta os jogos de linguagens, as aliterações, o humor e a ironia imbricados no texto. Uma volta ao posfácio é esclarecedora. “Essa versão do texto kafkiano para o português ensaiou transmitir a imagem de um outro Kafka, menos metafísico, mais metalingüístico e metaliterário – um Kafka enigmaticamente crítico, absolutamente moderno”. Susana Kampff Lages o conseguiu plenamente.


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A Unicamp e a tradição na tradução

SUSANA KAMPFF LAGES
Especial para o Jornal da Unicamp

A professora e tradutora Susana Kampff Lages: mergulho nos universos de Kafka e de Benjamin

A tradução e seu estudo possuem uma longa e sólida tradição nos estudos de humanidades em geral, e nos da Unicamp em particular. Sobretudo dentro dos estudos lingüísticos e literários, o tema e a atividade da tradução destaca-se como objeto de estudo privilegiado, seja do ponto de vista teórico, seja como atividade prática que dá subsídios à reflexão de professores e pesquisadores. Da pesquisa teórica realizada com diversidade e erudição, por docentes de diferentes áreas, à publicação de já tradicional revista de tradução dos alunos de graduação do IEL (Modelo 19), passando por várias teses e dissertações defendidas e em andamento, a tradução serve de mote para grande parte da reflexão sobre a linguagem feita na Universidade.

Nos estudos lingüísticos destaca-se o trabalho que vem sendo realizado pelos docentes de estudos clássicos, uma área que tem historicamente na tradução uma de suas molas propulsoras. Gostaria de mencionar, entre a vasta produção do grupo, a preparação de uma edição anotada da tradução da Eneida de Virgílio feita por Odorico Mendes, foco de um grupo de trabalho coordenado por Paulo Vasconcellos, além das traduções do grego realizadas por Trajano Vieira (por muitos anos interlocutor do poeta e tradutor Haroldo de Campos, recentemente falecido, em sua tradução da Ilíada), que traduziu, entre outros, as Bacantes de Eurípedes, trabalho para o qual foi agraciado com a prestigiosa bolsa Guggenheim. Na poesia antiga, contamos ainda com o excelente trabalho de comentário e tradução de Safo por parte de Joaquim Brasil Fontes.

Ao longo dos séculos, a tradução sempre foi uma atividade que despertou o interesse de intelectuais da mais diversa extração. Não surpreende, pois, que ela também encontre ressonância nos trabalhos acadêmicos de pesquisadores de diferentes áreas, da filosofia à lingüística, passando pelos estudos de lingüística aplicada e da literatura. Na filosofia, mencionem-se os trabalhos de tradução de Descartes e Kant por Fausto Castilho e o work in progress por Marcos Müller: a tradução da Filosofia do Direito de Hegel, e as traduções de Gilles Deleuze, por Luiz Orlandi, Peter Sloterdjk, por José O. de Almeida Marques e Nietzsche, por Osvaldo Giacoia, entre outros.

No âmbito da lingüística aplicada, graças ao engajamento de Rosemary Arrojo, entre outros, os estudos de tradução ganharam força enquanto área academicamente reconhecida em nível nacional, recebendo o impulso atualizador do debate internacionalmente travado, sobretudo no âmbito anglo-saxão, trazendo para as reflexões sobre a tradução o calor das discussões em torno da (pós-)modernidade, do feminismo (gender studies), da “desconstrução” e dos assim-chamados estudos pós-coloniais.

Como referência fundamental para o debate, está, por um lado, a obra do filósofo franco-argelino Jacques Derrida e, por outro, os aportes da psicanálise freudiana e lacaniana, além de questionamentos do filósofo francês Michel Foucault e outras reflexões sobre o poder e suas injunções, naturalmente, com seus desdobramentos sobre a atividade do tradutor. Dedicado à obra de Derrida, o projeto coordenado por Paulo Ottoni, chamado “Traduzir Derrida”, realizou no mês de agosto um colóquio que reuniu no IEL um grupo seleto de especialistas brasileiros, entre eles, Kanavillil Rajagopalan, estudioso da pragmática e semântica, permanentemente interessado nas aporias que a tradução introduz entre pensamento e linguagem, e Márcio Seligmann-Silva, cujo interesse centra-se em questões teóricas de tradução e sua relevância na história e na teoria literária, além de sua ligação com o universo estético mais amplo das artes.

De outra parte, a psicanálise é um instigante filtro através do qual algumas pesquisas sobre tradução têm sido feitas, como atestam trabalhos de Nina Leite, centrados na importância da tradução no processo analítico, e de Maria Rita Figueiredo, que, entre outros, participa da equipe que está realizando uma nova tradução da obra de Freud diretamente do alemão. No âmbito alemão, a produção é de fato variada: há, por exemplo, desde pesquisas sobre Wittgenstein, interpretação de conferências e ensino de línguas, levadas a cabo por Paulo Oliveira, passando por trabalhos sobre a constituição histórico/ideológica do tradutor, de Carmen Bolognini, até escritores-tradutores, como Modesto Carone, que além de tradutor atua também como escritor e verte há anos textos de Franz Kafka. O clássico dos estudos literários de Erich Auerbach, Mímesis, foi traduzido por Suzy Sperber e, assim como ela, outros docentes atuam ou atuaram eventualmente como tradutores, entre eles, Maria Betânia Amoroso, Maria Augusta Mattos, que traduziram do italiano, Luiz Dantas, do francês e o memorável Alexandre Eulálio.

Destaque merecem também as reflexões sobre a relação entre tradução, linguagem e ensino de línguas, efetuadas, a partir de pontos de vista diversos, mas complementares, por John Schmitz – que participou no debate sobre a “purificação da língua portuguesa”, proposta pelo deputado Aldo Rebelo - e por Maria José Coracini, que estuda o problema da subjetividade e das relações de poder no ensino de línguas e na tradução. A reflexão de Jeanne Marie Gagnebin também encontra na teoria da tradução de Walter Benjamin um foco de relevo. Outro tipo de atividade, desenvolvida num contato mais próximo com os alunos, são as oficinas de tradução literária, como as ministradas, entre outros, por Eric Sabison.

A partir do certamente incompleto panorama acima descortinado, vê-se que a tradução e seu estudo configuram um fulcro para o qual converge o interesse de pesquisadores das mais variadas linhas e origens – um campo extremamente produtivo para a pesquisa e o ensino na universidade.


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Uma especialista na América

Uma foto rara: Kafka, sorridente (à direita), numa praia dinamarquesa em 1914

Aposentada da Unicamp, Rosemary Arrojo é professora titular em Literatura Comparada da Binghamton University (Estado de Nova York), onde dirige o Centro de Pesquisa em Tradução, único espaço “oficialmente” dedicado aos estudos da tradução em solo norte-americano. Na entrevista que segue, concedida via Internet à professora Susana Kampff Lages, Rosemary Arrojo fala de sua passagem no IEL, diz que os estudos da tradução têm lutado para abrir espaços próprios e revela quais são os teóricos paradigmáticos na sua área de atuação.

Susana Kampff Lages - Seu interesse pela tradução surgiu depois de realizar sua pesquisa de doutorado nas áreas de teoria literária e literatura comparada na Universidade de Johns Hopkins. O que fez com que transferisse o foco da teoria da literatura para a teoria da tradução?

Rosemary – Antes do doutorado, fiz um mestrado em literatura na Inglaterra (Universidade de Essex), e o foco desse mestrado era precisamente a teoria e a prática da tradução literária. Aliás, fui aos EUA para o doutorado com o apoio da PUC-SP, onde, depois do mestrado, já trabalhava na área de tradução. Mas meu interesse primeiro sempre foi a literatura.

Susana – Em que medida a teoria da tradução configura hoje um campo próprio; em que medida, ele dialoga com outras disciplinas?

Rosemary – Os estudos da tradução têm lutado, sobretudo nos últimos dez anos, para abrir espaços próprios. Creio que muitos espaços foram abertos (criação de programas de graduação e pós na área em diversos países, séries dedicadas à tradução em editoras de peso como a Routledge e a John Benjamins, periódicos especializados, conferências, criação de associações de pesquisadores, etc.) Sendo uma espécie de interdisciplina, a tradução inevitavelmente tem dialogado com outras áreas, apesar dos esforços de criar espaços próprios.

Susana – Que disciplinas participam hoje mais ativamente do diálogo teórico sobre a tradução?

Rosemary – A lingüística ainda domina os estudos da tradução, mas têm havido interfaces produtivas com outras áreas associadas aos estudos culturais, aos estudos do pós-colonialismo, à psicanálise, etc.

Susana – E dentro delas, que autores configuram para você os principais paradigmas para a reflexão?

Rosemary – Os meus autores “preferidos” não são exatamente pesquisadores da área de tradução. Acho fundamental o trabalho de Jacques Derrida, por exemplo. Outro autor importante é Vicente Rafael, autor de um livro sobre a colonização espanhola das Filipinas chamado Contracting colonialism - translation and christian conversion in tagalog society under early spanish rule. Entre os teóricos de tradução “oficiais”, gosto do trabalho de Lawrence Venuti e de Michael Cronin.

Susana – Desde o início das suas atividades na Unicamp, como evoluíram os estudos sobre a tradução na universidade brasileira de modo geral?

Rosemary – Não sei se “evoluíram”, mas se tornaram mais “visíveis”. Meu ingresso na Unicamp em meados dos anos 1980 coincidiu com o início do chamado boom dos estudos da tradução em todo o mundo e me esforcei para incluir nossa universidade nesse contexto. Uma de minhas metas era precisamente abrir espaços para esses estudos não só na Unicamp e em outras universidades, mas também junto aos órgãos de fomento à pesquisa, através, por exemplo, da Anpoll.

Susana – Qual a importância das pesquisas que realizou ao longo de sua carreira na Unicamp no novo contexto americano?

Rosemary – A Unicamp me forneceu um “álibi” para estudar a tradução e me deu oportunidades de pesquisa e de divulgação dessa pesquisa que me tornaram conhecida também fora do contexto brasileiro. Creio que o fato de ter auxiliado a implementar um programa de pós-graduação relacionado à tradução no IEL contribuiu para que a Binghamton University me contratasse para implementar o primeiro PhD em estudos da tradução dos EUA. Na América do Norte, há apenas um programa de pós exclusivamente voltado para os estudos da tradução em Ottawa, no Canadá.

Susana – Como está hoje a recepção e a tradução de obras de autores brasileiros nos EUA em geral?

Rosemary – Praticamente tudo que se publica no Brasil como “literatura” é traduzido aqui. O problema é que esses trabalhos dificilmente saem do gueto dos brasilianistas.

Susana – A pesquisa na área da “brasilianística”, dos estudos sobre o Brasil, a seu ver contempla devidamente uma reflexão sobre a tradução?
Rosemary – Não. Aliás, os estudos literários e culturais em geral ainda ignoram a tradução como questão de reflexão.

Susana – Em que medida a sua condição de pesquisadora brasileira, isto é, oriunda de um país em que a maioria das obras publicadas se constituem em traduções, permite uma visão singular da atividade do tradutor?

Rosemary – Sou brasileira, mas sempre estive muito ligada a universidades norte-americanas e a maioria de meus interlocutores não se encontra no Brasil. Tenho publicado e participado de eventos em diversos países europeus, além dos EUA, e, talvez, o que possa permitir uma visão “singular” seja exatamente essa exposição a várias tradições e a várias tendências de pesquisa no Brasil e no exterior.

Susana – E em que medida isso influi sobre seus interesses de pesquisa atuais? Você poderia falar sobre a pesquisa que desenvolve atualmente?

Rosemary – Há algum tempo, meu principal interesse de pesquisa é a representação da tradução e dos tradutores em textos de ficção. Tenho escrito sobre Kafka, Poe, Borges, Calvino, além de Saramago, Marías e Scliar, entre outros.

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Bibliografia

LIVROS:
ARROJO, Rosemary. Tradução, desconstrução e psicanálise. Rio de Janeiro: Imago,1993.

CORACINI, Maria José Faria & PEREIRA, A E. (orgs) Discurso e Sociedade: Práticas em Análise do Discurso. Pelotas: UCPel e ALAB, 2001.

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WOLF, Michaela. (ed.) et allii. Übersetzungswissenschaft in Brasilien. [Teoria da Tradução no Brasil]Heidelberg, Stauffenburg Verlag, 1997. [antologia contendo artigos de professores e pós-graduandos]

ARTIGOS OU CAPÍTULOS DE LIVRO

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RAJAGOPALAN, Kanavillil. “O significado da tradução e a tradução do significado” Revista Letras, 56, Curitiba: Editora da UFPR, jul.-dez. 2001, pp. 67-76.

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TRADUÇÕES:
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KANT, Immanuel. Manual dos cursos de lógica geral. Campinas: Ed. da Unicamp/Edufu, 2003. (Trad. e guia de leitura por Fausto Castilho)
nLessing, G.E. Laocoonte. Ou sobre as Fronteiras da Poesia e da Pintura. São Paulo: Iluminuras/Secretaria de Estado da Cultura, 1998, pp. 7-72. (introdução, tradução e notas de Márcio SELIGMANN-SILVA)

OLIVEIRA, Flavio Ribeiro de. “Une Affaire de Femmes”Phaos, 2; Campinas, IEL/Unicamp, 2002 p. 113 - 120. [tradução do Prólogo à Medéia]

PEREIRA, Marcos. Quintiliano gramático: o papel do mestre de Gramática na ‘Institutio oratoria’ São Paulo: Humanitas, 2000.

SÓFOCLES. Édipo rei. São Paulo: Perspectiva, 2001.(Trad e apres. Trajano VIEIRA)

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