Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 237 - de 10 a 16 de novembro de 2003
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Um olho no prato e outro no futuro
Consciência de que doenças começam no útero materno aumenta demanda por alimentos funcionais

LUIZ SUGIMOTO

O professor Valdemiro Sgarbieri: “ Nossa missão é desenvolver a base de C&T”

Por mais voraz que seja à mesa, quem passasse na última semana pelo Centro de Convenções da Unicamp seria influenciado a repensar sua dieta.

Durante quatro dias, duas mil pessoas se espremeram nos três salões, ouvindo praticamente tudo sobre as tendências na área de alimentos para o século que apenas se inicia, com a apresentação de pesquisas recentes envolvendo aroma e sabor, microbiologia, inovação tecnológica, compostos bioativos, qualidade e segurança alimentar, bioquímica, projetos de combate à fome, genoma e transgênicos. De uma forma ou outra, os pesquisadores de 23 países presentes ao 5º Slaca – Simpósio Latino Americano de Ciência de Alimentos, caíram num tema recorrente: os alimentos funcionais.

“Sabemos hoje que os problemas de saúde na idade adulta começam no útero materno”, lembra o professor Valdemiro Carlos Sgarbieri, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. “A principal motivação para o desenvolvimento de alimentos funcionais, que se acentuou nos últimos anos, é o reconhecimento da relação entre nutrição e doença, não apenas com o estado atual da saúde, mas com o estado futuro, passando pelo risco de doenças crônicas e degenerativas na meia idade, até a velhice”, acrescenta o professor Franco Lajolo, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.

Ainda não há legislação que traga uma definição do que seja alimento funcional. O conceito que se estabelece no mundo é de um alimento semelhante ao convencional, que faz parte mas não substitui a dieta usual, capaz de produzir comprovados efeitos metabólicos ou fisiológicos para uma boa saúde física e mental, auxiliando no risco de doenças não transmissíveis. “Um objetivo dos pesquisadores, por exemplo, é averiguar a dieta de populações que apresentem menor incidência de cânceres e doenças cardiovasculares, buscando alimentos importantes para a redução do risco”, afirma Lajolo.

No Brasil , segundo o professor, tende-se a fazer uma separação entre alimentos funcionais e nutracêuticos – utilizados mais comumente na forma de comprimidos concentrando ingredientes bioativos como fibras, lactobacilos, flavonóides, carotenóides, fitosteróides e ácidos graxos. O professor ressalta a importância da engenharia genética para aumentar o teor de componentes funcionais e desenvolver novos produtos. “Apesar da polêmica, temos nela um instrumento altamente eficaz para a inclusão de nutrientes, como o betacaroteno – fundamental para evitar a cegueira – no arroz dourado (Golden Rice), aumento do teor de licopeno e flavonóide em vários frutos, produção de compostos de leite e formulação de vacinas”, ilustra.
Lajolo observa que apesar das evidências bioquímicas, clínicas e epidemiológicas sobre a importância de tais compostos na prevenção de doenças, ingeridos como alimentos ou suplementos, ainda falta estabelecer um consenso científico que dê suporte a políticas governamentais para seu uso. “Hoje, morre-se menos de doenças infecciosas e mais de câncer e problemas cardiovasculares. Como estamos vivendo mais, os custos com a saúde pública vão aumentando, o que torna importante qualquer redução dessas doenças”, argumenta.

O professor Franco Lajolo: reconhecimento da relação entre nutrição e doença

Omega 3 – O primeiro alimento funcional registrado no Brasil foi uma margarina adicionada de fitosterol, capaz de reduzir o colesterol em cerca de 10%. O professor Jorge Mancini Filho, também da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, atenta ainda para introdução de ácidos graxos da série Omega em leite e derivados. “Os esquimós mostram baixa incidência de problemas circulatórios, apesar do consumo de 45% de lípides [colesterol e triglicérides] na dieta, quando o máximo recomendado é de 30%. A base da alimentação deles é o peixe, que por sua vez se alimenta de uma alga rica em ácidos graxos”, conta o pesquisador.

Mancini Filho afirma que os ácidos graxos são importantes para o desenvolvimento do sistema nervoso, mas a velocidade de incorporação no cérebro é lenta, principalmente na vida intrauterina e nas primeiras dez semanas do recém-nascido, que ainda não formou seu sistema enzimático. “É fundamental a criança receber esses ácidos através da amamentação, cuidando-se de uma dieta adequada para a mãe, com o consumo de pescados e alimentos enriquecidos com a série Omega, como leite, ovos, massas e margarinas”, aconselha o pesquisador. Os ácidos graxos exercem atuação também sobre a retina, aumentando sua sensibilidade à luz dos fotorreceptores.

C&T – “À medida que os cabelos brancos vão surgindo, aumenta nossa preocupação com a utilidade daquilo que estamos fazendo”, afirma o professor Valdemiro Carlos Sgarbieri. Em palestra no 5º Slaca, o pesquisador discorreu sobre o esforço da comunidade científica brasileira para reorganizar o sistema de Ciência & Tecnologia, através das agências de fomento e desenvolvimento. Lamentou, porém, que o setor de alimentos não venha recebendo a devida prioridade.

“Hoje penso em ciência de alimentos, tecnologia de alimentos e nutrição mais como uma missão, e menos como áreas de pesquisa individualizada e disciplinar. Nossa missão é desenvolver a base tecnológica e científica para que as empresas do setor possam desenvolver alimentos realmente úteis para a sociedade”, prega Sgarbieri. O professor centra esta visão nos alimentos funcionais, defendendo a colaboração e interação entre pesquisadores brasileiros em equipes multidisciplinares. “Visitei a sede da Coca-Cola em Atlanta e ouvi dos profissionais de marketing que a função deles era simplesmente conversar, pois surgem idéias brilhantes mesmo de uma conversa aparentemente jogada fora. Sendo assim numa empresa particular, por que nós pesquisadores não conversamos?”, questiona.

O professor Jorge Mancini Filho, da USP: introdução de ácidos graxos no leite e derivados

Valdemiro Sgarbieri sugere a priorização de três grandes áreas de pesquisa em alimentos: os fitoquímicos, para amenizar os problemas da oxidação e dos radicais livres; o desenvolvimento de alimentos e estudo de fatores que levam à obesidade; e uma terceira, voltada para as conseqüências da obesidade, como doenças cardiovasculares e o câncer. “Consolou-me a notícia de que a comunidade européia, como um todo, organizou 73 cientistas numa empreitada em torno dos alimentos funcionais. Se os problemas de saúde na idade adulta começam no útero materno, há necessidade de se fazer pesquisas que tenham começo, meio e fim, formando grupos especializados em diversas áreas para que as pesquisas se complementem, ao invés de se perderem no universo de trabalhos publicados”, observa.

De acordo com o professor da FEA, os europeus priorizam pesquisas com substratos alimentares, verificando como inúmeras substâncias modulam nosso metabolismo e como isso pode resultar em benefícios para a saúde. Eles também estão atentos ao sistema cardiovascular, pois se conhece boa parte dos agentes desencadeadores de doenças, mas não todos os mecanismos e fatores alimentares importantes.
“Outra prioridade está na fisiologia do intestino, por onde passa entre 1 e 1,5 tonelada de alimentos a cada ano. O intestino é uma máquina processadora de altíssima eficiência, tendo a incumbência de selecionar o que deve entrar ou não no organismo”, explica o pesquisador. À comunidade européia interessa, finalmente, trabalhar funções comportamentais e psicológicas, diante das doenças do mundo moderno como insônia e estresse. “Conhecemos pouco sobre a forma como a alimentação influi nesses fenômenos”, constata.

Fragmentos – Valdemiro Sgarbieri afirma que, no Brasil, já foi gerada grande quantidade de dados sobre fatores e controle de doenças crônicas e degenerativas, mas é preocupante que eles estejam fragmentados, obrigando pesquisadores a recorrer à literatura para colher informações, sendo que estas muitas vezes não são acessíveis à indústria. Quanto ao desenvolvimento de ingredientes e alimentos funcionais, o professor cita o atraso em relação a um grupo específico, das crianças prematuras e de desmame precoce. “Até hoje não se descreveu com segurança a composição do leite materno, pois ela varia conforme a alimentação da mãe no período gestacional. Se a preocupação for o desenvolvimento dos bebês, não sabemos o que fazer e tampouco possuímos tecnologia para produzir um sucedâneo”, finaliza.

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