Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 237 - de 10 a 16 de novembro de 2003
Leia nessa edição
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Diário de Lisboa
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Remédios e alimentos
serão individuais
Genômica mostra que pessoas têm reações diferentes à mesma substância e surge como grande ferramenta da saúde

LUIZ SUGIMOTO

O professor Paulo Arruda, do Departamento de Genética e Evolução da Unicamp: “Cada indivíduo vai reagir a um alimento ou medicamento de uma forma”

Assediado pela imprensa, um dia antes do encerramento do prazo para alterações no projeto de lei que o governo enviaria ao Congresso Nacional, o professor Paulo Arruda, do Departamento de Genética e Evolução da Unicamp, foi taxativo: “Não falo sobre transgênicos”. Como um dos coordenadores do projeto que levou ao seqüenciamento genético da primeira bactéria fitopatogênica, a Xyllela fastidiosa, e que reuniu quase 200 pesquisadores do país – The boys from Brazil, segundo a revista Nature –, Arruda tornou-se fonte obrigatória em genômica desde então. Meio que em off, ele comenta: “Não quero entrar nesta discussão no momento. Ela se encontra muito no âmbito da política, emocional, em clima de jogo entre Palmeiras e Corinthians. Sou cientista”.

Na palestra que acabara de conceder no 5º Slaca, em salão lotado no Centro de Convenções, Paulo Arruda evitou o termo “transgênico”, apesar de o tema trazer implícita esta faceta: como a geração de bilhões de informações genéticas sobre organismos vivos pode impactar em todas as áreas da ciência, principalmente na saúde, alimentação e meio ambiente?. “De algumas poucas seqüências que tínhamos em 1982, houve um crescimento exponencial para algo próximo de 20 bilhões de pares de base. Todas as informações genéticas, dos mais variados organismos, vêm sendo concentradas num grande banco de dados nos Estados Unidos, o GenBank, e são disponibilizados publicamente”, informa o pesquisador.

Estão completos os genomas do ser humano e de mais de 30 bactérias, sendo que outra centena e meia de estudos encontram-se em andamento. “Agora sabemos que entre o homem e seus patógenos, entre as plantas e seus patógenos, ou entre o homem e os microorganismos benéficos à sua saúde (como a flora bacteriana) e entre as plantas e os microorganismos que as beneficiam, existe um processo de comunicação, de entendimento, que passa pela genética. Estudando o genoma, podemos entender como as proteínas produzidas por microorganismos e plantas, neste processo de comunicação e associação, ajudam na saúde”, explica Paulo Arruda.

A professora Helaine Carrer, da Esalq/USP: “Como na época de Galileu Galilei”

Paradoxo – O seqüenciamento do genoma humano revelou que carregamos apenas 40 mil genes, quando as estimativas variavam de 100 mil a 500 mil genes para garantir todas as funções do nosso corpo. Esta grande surpresa e outras do código genético renderam detalhada história para a palestra, cujo final pode ser resumido assim: aqueles 40 mil genes geram até 500 mil mensagens diferentes, que geram 500 mil proteínas, que por sua vez podem ser modificadas até chegar a 1,5 milhão. “Nós somos um organismo que é o resultado da interação e do funcionamento de 1,5 milhão de proteínas”, sintetiza Arruda.

Proteínas demais para estudar. O que dizer, então, da estimativa de que entre duas pessoas existe uma modificação para cada gene. Isto significa que cada indivíduo é diferente do outro em 40 mil modificações do genoma, onde 500 mil proteínas são processadas e formam um complexo que gera 1,5 milhão de alterações.. “São justamente essas informações que tornam as pessoas diferentes. Então, cada indivíduo vai reagir a um alimento ou medicamento de uma forma. Vai depender de processos aleatórios que criam 6 bilhões de diferentes indivíduos que estão interagindo com o ambiente, com o alimento que come, com a água que toma, com o ar que respira”, observa o pesquisador.

Dose individual – Por isso, segundo Arruda, a indústria farmacêutica já está desenvolvendo pesquisas baseadas na genômica em busca de medicamentos individuais, com composição e dosagens específicas, seguindo a informação da expressão dos genes. “Provavelmente, esta vai ser a medicina praticada daqui a três ou cinco décadas. Da mesma forma, a indústria de alimentos do futuro deverá ser de alguma forma direcionada a determinados grupos”, prevê o professor.

Exibindo um complexo mapa metabólico, que à distância se assemelha ao de uma cidade com suas vias e edificações, Paulo Arruda faz uma demonstração: “Se fecharmos o farol em uma dessas vias metabólicas, realizando a mutação de um gene, as substâncias se acumularão como os carros, tornando-se nutricionalmente importantes. Tomando o óleo de soja como outro exemplo, podemos bloquear a via dos lipídeos, tornando o produto mais saudável. É com esta tecnologia que a indústria pode trabalhar para produzir alimentos com maior ou menor quantidade de substâncias”, conclui.

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Bill Gates e a fome

O cientista Howarth Bouis: “Embrapa
será uma parceira importante”

A Fundação Bill Gates está investindo US$ 25 milhões – de um total de US$ 95 milhões previstos para dez anos – em um programa de pesquisas que visam à fortificação de alimentos básicos das populações da África, América Latina e Ásia. O cientista Howarth Bouis, diretor do programa, que esteve na Unicamp para o 5º Slaca, informa que o objetivo é desenvolver sementes de arroz, feijão, trigo, milho, mandioca e batata-doce contendo substâncias como ferro, zinco e vitamina A.

“A resposta da comunidade da área de saúde para a fome e a desnutrição tem sido a distribuição de cápsulas e alimentos enriquecidos. Além de boa parte da população não ter acesso a esses programas, eles custam muito caro. Para atender todos os países em desenvolvimento seriam necessários US$ 1 bilhão por ano, o que não é uma solução, pois o mesmo montante precisaria ser investido a cada ano subseqüente”, explica Bouis. Ele observa que as sementes se propagam, exigindo apenas o investimento inicial. “Não vamos sequer mudar o hábito alimentar dessas populações, pois vamos priorizar, por exemplo, o arroz na Ásia e o feijão e a mandioca no Brasil”, acrescenta.

Howarth Bouis diz que os recursos para o Brasil ainda não estão definidos, adiantando apenas que a Embrapa será uma parceira importante. Quanto à motivação de Bill Gates para destinar parte de sua fortuna aos países subdesenvolvidos, Bouis lembra que a fundação já vem distribuindo vacinas e medicamentos contra Aids, malária e cólera. “Sua preocupação é melhorar as condições de saúde. Esta abordagem diferenciada, tentando solucionar o problema por meio da agricultura, é um projeto que o agradou muito”.

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‘Tempos de inquisição’

A pesquisadora Natália Martins, da Emprapa: desinformação nas críticas aos transgênicos

O projeto de lei sobre transgênicos, que será submetido ao Congresso Nacional, prevê pena de 1 a 3 anos para quem construir, cultivar, transportar, transferir, comercializar, importar e exportar substâncias ou alimentos geneticamente modificados sem a aprovação dos órgãos competentes, parecer só obtido percorrendo exaustivo caminho burocrático. “Os itens proibitivos compreendem a utilização e manipulação desses organismos, prejudicando muito as pesquisas em laboratórios, que dependem de transporte ou transferência de material genético”, afirma a professora Helaine Carrer, da Esalq/USP. Segundo ela, vêm-se realizando inúmeros estudos para introduzir novas características de interesse agronômico, de aumento do valor nutricional e de produção de fármacos em plantas alimentícias como soja, milho e arroz.

“Estamos sofrendo um processo inquisitório, como na época de Galileu Galilei, que dizia ser a Terra redonda contra o paradigma de que era plana”, critica a pesquisadora Natália Florêncio Martins, do Centro Nacional de Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen) da Emprapa. Ela informa que a polêmica deixou em suspenso trabalhos realizados há pelo menos cinco anos, inclusive quanto à alerginicidade de transgênicos. “A alergia alimentar existe e atinge parcelas da população que evitam peixes, crustáceos, queijos etc. A preocupação é verificar se alimentos decorrentes da tecnologia de modificação gênica também oferecem tal risco”, justifica.

Natália Martins vê muita desinformação nas críticas aos transgênicos, dirigidas na maioria por ambientalistas. “Estudos da canola transgênica, com hectares de produção, comprovaram que seu plantio não traz qualquer prejuízo à população ou à biodiversidade. Ao mesmo tempo, outras pesquisas mostram que plantas geneticamente modificadas propiciam a redução do uso de agrotóxicos, o que contempla o meio ambiente”, argumenta.

Mamão – Um mamão modificado pela Embrapa é o primeiro produto licenciado para pesquisas em campo no Brasil. Estuda-se sua resistência ao “vírus da mancha anelar”, que provoca um anel preto no fruto e nas folhas, comprometendo a comercialização – o Brasil é o maior produtor mundial de mamão. “Também estamos avaliando sua alerginicidade”, informa a pesquisadora da Embrapa. Natália Martins afirma que a população deve confiar nos pareceres da Comissão Técnica Nacional de Biosegurança (CTNBio), que ganhou perfil interministerial, e cujos cientistas seguem os parâmetros estabelecidos internacionalmente para liberação de produtos modificados ao mercado. “A próxima onda de transgênicos será a de alimentos enriquecidos com vitaminas e, a terceira, de alimentos contendo medicamentos. Já temos a insulina, enquanto o Japão já introduziu vacina na banana. As ondas que chegam devem mudar a opinião da população sobre os transgênicos”, prevê a pesquisadora.

 

 

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