Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 235 - de 27 outubro a 2 novembro de 2003
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Documento da Unctad destaca
curso implantado pela Unicamp
Discurso de Rubens Ricúpero em Genebra ressalta importância da Especialização em Diplomacia Econômica

ANTONIO ROBERTO FAVA

A iniciativa do Instituto de Economia da Unicamp em organizar um Curso de Especialização em Diplomacia Econômica foi destaque no pronunciamento oficial feito pelo secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), embaixador Rubens Ricúpero, em Genebra, no último dia 15. O curso, iniciado na semana passada, faz parte de um termo de compromisso firmado em agosto entre a Unicamp e a Unctad. Pelo acordo, o Instituto de Economia passa a integrar, pioneiramente na América Latina, uma rede de instituições dedicadas à capacitação de participantes de países em desenvolvimento nas negociações internacionais e à pesquisa acadêmica nos temas e questões que integram as agendas das negociações no exterior.

“Pela primeira vez no Brasil, uma grande universidade, a Universidade Estadual de Campinas, organizou um curso em parceria com a Unctad”, disse Ricúpero em seu pronunciamento na Primeira Sessão do Comitê Preparatório para a 11º Unctad. “E estamos envolvendo muitas outras universidades no mesmo sentido”, completou. Ricúpero citou o acordo com a Unicamp como uma “ação concreta” dentro do esforço que a Unctad vem desenvolvendo para ajudar países em desenvolvimento a estabelecer estratégias de negociação no comércio exterior a partir de sua própria realidade. Além da Unicamp, a rede de centros de pesquisas ligada à Unctad inclui o International Institute for Trade and Development, em Bancoc, na Tailândia, e o Tralac (Trade Law Centre for Southern Africa) na Namíbia, África.

“Essa parceria é oportuna para o Brasil, já que nesse momento as negociações internacionais se tornaram um fator importante”, disse o professor Mário Presser, organizador do curso. O economista lembra que o contexto atual inclui não apenas as discussões relacionadas à Organização Mundial do Comércio (OMC), mas também à Área de Livre Comércio das Américas (Alca). “As informações que serão geradas estarão baseadas no rigor da pesquisa acadêmica e não apenas em opiniões isoladas”, destaca. “A Unicamp e a Unctad estarão colocando sua discussão intelectual a serviço dos debates”.

Presser diz que a parceria com a Unctad permitirá, através do Curso de Especialização em Diplomacia Econômica, realizar uma constante atualização dos temas, questões e posições dos principais países que compõem o cerne das negociações internacionais, transmitindo aos participantes uma visão contemporânea das discussões em andamento. Segundo ele, a Unctad possui uma visão global dos problemas enfrentados em comércio, finanças, investimentos diretos e transferência de tecnologia pelos países em desenvolvimento, tendo elaborado uma “Agenda Positiva” para fornecer coerência às iniciativas nesses campos. “Por sua vez, o Instituto de Economia da Unicamp tem propostas nesses temas para o Brasil”, observa.

De acordo com o economista, a visão global da Unctad pode ser enriquecida pelas contribuições locais e vice-versa. Técnicos da Unctad darão suporte ao curso por intermédio de videoconferências, resolução de dúvidas, palestras e seminários. Os participantes utilizarão manuais de treinamento desenvolvidos pela Unctad e terão acesso às publicações e aos bancos de dados desta instituição colocados à disposição do Instituto de Economia.

“Isso possibilitará uma discussão mais fundamentada das trajetórias de inserção internacional do Brasil e de outros países em desenvolvimento na região”, explica. O curso, com carga horária de 372 horas, está sendo ministrado por uma equipe de 19 professores do Instituto de Economia da Unicamp. As aulas acontecem na sede da Câmara Americana do Comércio (Amchan), em São Paulo. Maiores informações poderão ser obtidas no site www.eco.unicamp.br/cursos/ECO700.html. Na última quinta-feira, o embaixador Rubens Ricúpero falou por telefone, da Suíça, ao Jornal da Unicamp sobre a iniciativa do Instituto de Economia. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

O embaixador Rubens Ricúpero, secretário-geral da Unctad: “É a primeira vez que se faz um curso desse em nível mundial”

Jornal da Unicamp—Em sua opinião, de que maneira um curso nos moldes do que a Unicamp está coordenando pode ajudar na formulação de políticas que facilitem a inserção do Brasil no comércio exterior?

Ricúpero—A ajuda será grande. É a primeira vez que se faz um curso desse em nível mundial. Tem havido iniciativas da Unctad e de outras organizações, mas são cursos curtos ou seminários de treinamento. São cursos limitados porque tratam apenas sobre determinados aspectos das negociações comerciais. Agora, é a primeira vez que se faz um curso montado em conjunto, por uma grande universidade de um lado, com a ajuda de uma organização da ONU de outro. A universidade entra com os recursos intelectuais e a Unctad participa com o conhecimento global, com todos os aspectos relacionados às negociações internacionais, não só em comércio, mas também em finanças e investimentos. É a primeira vez que se faz algo completo nessa área.

JU—Que tipo de desdobramento o curso pode apresentar?
Ricúpero—Vai ajudar na formação de negociadores brasileiros muito mais completos. Até agora nunca tivemos isso. Em termos de inserção internacional, isso é um passo muito amplo. Resolverá muitos problemas porque há queixas no Brasil de que as nossas negociações nem sempre são precedidas de uma consulta completa ao setor privado, à universidade e à sociedade civil. Em um curso como esse, o Brasil poderá pela primeira vez cobrir todos estes aspectos.

JU—O senhor acredita que esse tipo de iniciativa poderia contribuir, por exemplo, para a atuação do Brasil nas negociações relacionadas à Área de Livre Comércio das Américas (Alca)?
Ricúpero—Não só a Alca, mas também com a Organização Mundial de Comércio (OMC), e Mercosul. Isso se estende a todas as negociações. Vai mais longe, porque inclui também a parte financeira, portanto Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial. A minha impressão é que isso irá preencher um vácuo, podendo até criar uma vantagem profissional para aqueles que fizerem o curso. Com o tempo isso será um grande trunfo em termos de busca de emprego porque atualmente os negociadores são improvisados. Não têm um treinamento sobretudo acadêmico, com um bom embasamento.

JU—Em sua opinião, quais seriam as causas da vulnerabilidade que o Brasil está apresentando nas negociações relativas à Alca?
Ricúpero—No caso da Alca, acho que a resposta é muito simples. No âmbito da América Latina e do Caribe, o Brasil é o único país que tem dimensão suficiente para sustentar a esperança de manter uma indústria própria. Os outros já abriram mão disso e estão apenas interessados em ter acesso ao mercado americano com os poucos produtos que produzem. Como o Brasil, ao contrário, tem uma estrutura industrial mais completa e integrada, procura preservar isso, evitando compromissos que possam afetá-la. Os outros não têm essa mesma sensibilidade. Como já perderam isso, para eles não faz diferença. Estão dispostos a qualquer coisa. Para alguns, basta ter uma pequena cota aumentando a possibilidade de exportar um produto ou outro que o problema está resolvido.

JU—Esse não é o caso do Brasil...
Ricúpero—Não, o caso do Brasil é muito mais complicado. Isso não ocorre no âmbito da OMC, mas, na Alca, o Brasil é o único país continental. No caso da OMC, tem a Índia, China, ou África do Sul, que são países comparados ao Brasil. Mas, no âmbito das Américas, estamos sozinhos. Os outros países há muito tempo já se resignaram com uma posição subalterna.

JU—O senhor acha que, se esses entendimentos emperrarem, o Brasil corre o risco de ficar isolado nas negociações hemisféricas?
Ricúpero—Espero que não chegue a isso. Em geral, nas negociações há sempre uma fase em que as declarações são um pouco exageradas. Mas no fundo terá de chegar o momento em que terá que se discutir os secos e molhados. Quais são as ofertas que vamos fazer aos americanos e quais as que eles farão a nós. Aí, provavelmente, haverá uma tendência para se chegar a um nível mais realista, diminuindo-se as ambições de ambas as partes. Agora, se se chegar ao pior, com o Brasil se vendo diante de uma situação em que não obtenha nenhum acesso melhorado ao mercado americano e, do lado deles, ocorrer a exigência de uma contrapartida desequilibrada, acho que aí é melhor o Brasil ficar sozinho do que ter um mal acordo.

JU—Mas se ficar de fora, o Brasil não correria o risco de perder mercados já conquistados?
Ricúpero—Não corre o risco de ser discriminado porque a lei comercial que vigora é a da OMC. Nenhum país pode sofrer discriminação. O que pode haver são alguns acordos preferenciais entre países que excluam o Brasil. Mas no âmbito hemisférico, o país tem melhorado muito as exportações para outros mercados, como a China, Índia e Rússia. Acho que não se pode exagerar muito esse perigo.

JU—Se as negociações não chegarem a um consenso, o senhor acredita que os Estados Unidos poderão, por exemplo, adotar uma agenda unilateral?
Ricúpero—Eles estão negociando com todos. Portanto, não vejo como poderiam adotar uma postura unilateral. Unilateral significa sair desse tipo de acordo que inclui muitos países e fazer um acordo com cada país de forma individual. Até certo ponto, eles já estão fazendo isso porque já têm um acordo de muitos anos com o México, com o Chile, e estão negociando com países da América Central. Essa é uma tendência. O Brasil também celebrou um acordo com o México, com Mercosul e está negociando com a União Européia e com a África do Sul. Essa tendência não quer dizer que se adotou uma postura unilateral. Em comércio exterior, unilateral é quando um país resolve levantar barreiras sem levar em conta as regras da OMC. Mas isso é muito difícil, porque se os EUA fizerem isso, ficariam de fora do sistema comercial.

JU—Em sua opinião, até que ponto a falta de consenso interno no Brasil entre os setores produtivos pode prejudicar as negociações em torno da ALCA?
Ricúpero—Isso debilita a posição brasileira. Mas, até certo ponto, é natural que haja alguns setores que tenham mais interesses nas Alca do que outros. É claro que os setores que têm expectativa de exportar mais para os Estados Unidos e que acham que um acordo como esse abriria o mercado, têm um interesse muito maior do que aqueles que não são competitivos e temem o efeito que as importações americanas vão gerar no mercado brasileiro. Mas até agora isso é muito teórico porque ainda nem se chegou a uma lista de produtos com indicação de reduções. Ainda se está numa fase em que não há uma idéia clara sobre os produtos que seriam incluídos ou excluídos. Portanto, acho difícil fazer uma avaliação. O setor de roupas tem uma esperança de melhorar sua posição, já o setor de máquinas e equipamentos considera que teria desvantagens. Isso se fala em termos gerais, mas em termos concretos ainda não temos uma definição que permita uma conclusão mais correta.

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