Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 235 - de 27 outubro a 2 novembro de 2003
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Soja está no centro da
guerra dos transgênicos
Especialista da Fiocruz diz que “atentado biológico” interessa aos dois maiores produtores mundiais, EUA e Argentina

 

MANUEL ALVES FILHO

Leila Oda, presidente da Associação Nacional de Biossegurança: “As discussões têm sido muito emocionais”

A introdução das sementes de soja transgênica no Brasil, contrabandeadas da Argentina, configurou um ato de bioterrorismo contra o país. A acusação, em tom contundente, foi feita por Silvio Valle, pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que participou, no último dia 22 de outubro, do simpósio “Biossegurança, Transgênicos e Ambiente”, promovido pelo Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. De acordo com ele, o “atentado biológico” vai ao encontro dos interesses dos dois maiores produtores do mundo da soja geneticamente modificada, a saber: a própria Argentina (60% da produção nacional) e os Estados Unidos (70%). “Para essas nações, é muito conveniente essa introdução pirata e desordenada. Nós estamos nos transformando no país da soja ilegal. Eu não me surpreenderia se, daqui a alguns anos, os Estados Unidos anunciassem ao mundo que têm condições de vender a soja não-modificada”, afirmou.

Na opinião de Valle, ninguém sabe ao certo, a esta altura, onde há ou não soja transgênica no Brasil. Essa confusão, diz, favorece a consolidação do produto no País, sob as vistas grossas tanto das autoridades quanto da comunidade científica. O pesquisador da Fiocruz afirmou que ainda não há estudos suficientes no mundo – e muito menos no País -, sobre os impactos que os organismos geneticamente modificados (OGM’s), inclusive a soja, podem provocar na a saúde e no meio ambiente. Segundo ele, 98% da soja e 98% do milho transgênicos produzidos no mundo são usados na composição da ração animal. “Ora, se eles ainda não estão sendo consumidos em larga escala pelas pessoas, como é que alguém pode dizer que não causam qualquer mal para elas?”, questionou.

Para o especialista, a comunidade científica tem sido usada como “massa de manobra” pelos grupos que são contra ou a favor da adoção da soja transgênica pelo Brasil. Valle afirmou que não cabe aos cientistas assumir posições ideológicas ou mesmo emocionais em relação ao assunto. “Os pesquisadores deveriam se ater à questão meramente técnica, de modo a apontar as vantagens e riscos de uma ou outra decisão. A palavra final, nesse caso, tem de ser da sociedade”, analisou. Indagado se a população está sendo devidamente informada sobre o tema, para que possa se definir, o pesquisador da Fiocruz respondeu que não.

De acordo com ele, as pessoas têm sido bombardeadas praticamente todos os dias por informações dirigidas e, não raro, desnecessárias. “A sociedade já deu sinais claros de que os dados lançados até aqui não foram suficientes para dissipar as suas dúvidas. A comunidade científica, por exemplo, tem falado muito sobre o que ela sabe a respeito de OGM’s, mas pouco sobre o que não sabe. E, nesse campo, é preciso que deixemos de ser prepotentes. É necessário dizer para a população que nós conhecemos 10% sobre o tema e desconhecemos os outros 90%”, revelou. “Não dá simplesmente pra falar: foi testado e, portanto, pode ser liberado”, insistiu.

Antes de propor para os brasileiros a adoção ou não da soja ou de outros organismos geneticamente modificados, advertiu Valle, é preciso promover um estudo de impacto ambiental que leve em conta as especificidades do País. Paralelamente, é indispensável a realização de testes de segurança alimentar, para a identificação de eventuais substâncias alergênicas no produto obtido a partir da planta transgênica. Também se faz necessário promover um controle pós-alimentação, para verificar possíveis reações deletérias. “A desinformação das pessoas é tanta, que elas não sabem que o óleo feito da soja geneticamente modificada não é um alimento transgênico. Ele não tem o DNA e nem as proteínas transgênicas da planta, pois passa por um processo de purificação. Mas isso, por si só, não assegura que esse OGM não ofereça riscos”, explica.

Retornando aos interesses que cercam a introdução desordenada da soja transgênica no Brasil, o pesquisador da Fiocruz destacou que a biossegurança é apenas um aspecto a ser levado em conta no debate sobre a liberação ou não do alimento para a comercialização. Também devem ser consideradas as questões social e econômica. O argumento de que a soja transgênica é muito mais vantajosa do ponto de vista econômico e ambiental do que a convencional, pois é mais resistente a pragas e, portanto, exige a aplicação de menores quantidades de agrotóxicos, não convence Valle.
E ele explica o motivo do seu ceticismo: “No mercado internacional, a soja transgênica tem um custo aproximado de US$ 150 a tonelada, e é usada basicamente para a produção de ração animal. Já a proteína da soja convencional, utilizada na fabricação de embutidos, vale US$ 500 a tonelada. Por fim, a soja não-modificada destinada para fins fitoterápicos alcança o preço de US$ 10 mil a tonelada. É por isso que eu digo que não me surpreenderia se, no futuro, os Estados Unidos anunciassem que, entre os maiores produtores mundiais do grão, apenas ele é capaz de vender a soja convencional”.

China –A presidente da Associação Nacional de Biossegurança (ANBio), Leila Oda, que também participou do simpósio organizado pelo IB, afirmou que a entidade enviou um documento chamando a atenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a necessidade da formulação de um plano de prevenção e combate ao bioterrorismo no Brasil. “Atualmente, nós estamos muito suscetíveis a um ataque desse tipo”, afirmou. Ela concordou com o pesquisador da Fiocruz, no que diz respeito à desinformação da população sobre os OGM’s. “As discussões têm sido muito emocionais e poucos esclarecedoras”, disse.

Um exemplo da confusão gerada na sociedade, afirmou, diz respeito à rotulagem dos alimentos produzidos a partir de plantas transgênicas. O rótulo, conforme a presidente da ANBio, não tem a função de alertar o consumidor sobre os possíveis riscos daquele produto. “Se o alimento estiver liberado para comercialização, é sinal de que foi aprovado em todos os quesitos e é tão seguro quanto qualquer outro. O rótulo serve apenas para dar ciência ao consumidor de que o alimento teve como base um organismo geneticamente modificado. A pessoa vai optar ou não pela compra a partir de princípios religiosos ou ideológicos, mas não por causa da segurança”, esclareceu.

Em relação à adoção dos transgênicos para a produção em escala, Leila tem um posicionamento diferente da do seu colega da Fiocruz. De acordo com ela, se os agricultores de diversos países estão plantando cada vez mais sementes de OGM’s, isso é um sinal de que elas são vantajosas economicamente. “Afinal, eles visam o lucro”, ponderou. Do ponto de vista ambiental, os transgênicos também estariam se mostrando benéficos, na opinião da especialista. Para sustentar seu argumento, ela cita a China, país no qual a agricultura familiar é muito importante.

Lá, disse, os camponeses estarão aderindo de forma gradativa aos transgênicos, sobretudo o algodão. “Anteriormente, essas pessoas tinham sérios problemas de intoxicação, em razão dos defensivos agrícolas aplicados nas plantações. Com o advento do algodão transgênico, que é mais resistente às pragas, houve uma queda significativa do uso desses produtos químicos. Resultado: o nível de intoxicação dos produtores rurais foi reduzido em até oito vezes”, assegurou.

 

Outras implicações

Nos dois dias subseqüentes ao simpósio realizado pelo IB, a Alphabio Consultoria e Projetos em Ciências Biológicas, empresa júnior do mesmo instituto, promoveu o “I Fórum Internacional de Biotecnologia e Organismos Geneticamente Modificados”. O evento, aberto pelo vice-reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, reuniu pesquisadores e representantes de empresas, movimentos sociais e do Congresso Nacional. O objetivo da iniciativa, conforme Simone Tsuneda, diretora-presidente da Alphabio, foi informar a sociedade a respeito dos vários aspectos que envolvem os transgênicos. “Nós nos propusemos a ir além da questão técnica. As implicações políticas, legislativas e sócio-econômicas também nortearam os debates”, afirmou.

Simone também fez coro com os pesquisadores da Fiocruz e da ANBio, no que se refere à necessidade de um melhor esclarecimento da população sobre os OGM’s. “Infelizmente, a comunidade científica tem grande dificuldade de repassar os dados de maneira palatável para as pessoas de modo geral. Não é um bicho de sete cabeças”, disse. A diretora da Alphabio considerou, porém, que ainda há muito o que se estudar sobre os organismos geneticamente modificados. “Temos que analisar tudo com muito cuidado. As pessoas precisam ter a segurança de que nenhum produto que faça mal à saúde será lançado aleatoriamente no mercado”.

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