| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 351 - 12 a 18 de março de 2007
Leia nesta edição
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Décio Pignatari
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Cartas
Mitocôndria
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Saúde do cérebro
Materiais porosos
Chico Buarque
 

9

Chico Saraiva mostra na Unicamp, onde se
graduou,
músicas de seu terceiro trabalho em estúdio

Uma ‘saraivada’
de acordes (e conceitos)

O compositor Chico Saraiva, vencedor do Prêmio Visa em 2003: "A identidade de um artista é o seu principal patrimônio" (Foto: Antonio Scarpinetti)Ao perceber que podia dedilhar, aos 13 anos de idade, obras de Villa- Lobos, o compositor Chico Saraiva buscou formação em violão erudito. Mas, ao descobrir que não queria ser um solitário concertista, trocou Florianópolis por Campinas, na companhia do instrumentista Edu Ribeiro, para graduar-se em música pela Unicamp.

Já na graduação, concebeu, ao lado de José Nigros e Edu Ribeiro, o CD Água. A afinidade com Edu Ribeiro concretizou o sonho do segundo CD, Trégua, fruto do Prêmio Visa de Composição (2003), vencido por ele. O disco contou com parcerias dos letristas Luiz Tatit, Fausto Nilo e Celso Viáfora, além de participações de Ná Ozetti, Simone Guimarães, Teresa Cristina, Ceumar, Ana Luiza, Zeca Assumpção, Gilson Peranzeta e Proveta.

Agora, Saraiva une-se aos letristas Chico César, Paulo César Pinheiro, Luiz Tatit, Mauro Aguiar e Makely Ka para a gravação de Saraivada, seu terceiro trabalho, totalmente dedicado à música brasileira de raiz. O disco vai reunir uma diversidade de ritmos brasileiros recolhidos em suas viagens pelo país, em decorrência do prêmio de incentivo concedido pelo Programa de Ação Cultural (PAC), Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.

Saraiva entra em estúdio com músicos afeitos ao trabalho de resgate e preservação da música de raiz: Cléber de Almeida (baterista do Trio Curupira), Ricardo Zohyo (baixista e fundador do Curupira) e Ari Colares (percussionista), “profundo conhecedor dessa linguagem”, segundo Saraiva. O compositor esteve na Unicamp no último dia 9, para mostrar músicas do seu novo trabalho em show no Centro de Convenções. Nesta entrevista, Chico Saraiva fala de suas influências, dos novos rumos de seu trabalho e da importância da Unicamp em sua formação.

Jornal da Unicamp – Como ocorreu nos CDs Trégua e Água, o novo disco tem participação de companheiros da Unicamp?
Chico Saraiva – Quem era da Unicamp em 1992, 1993 conhece o Trio Água. Nós tocávamos por aí, nas cantinas. O CD Água, feito com Edu Ribeiro e José Nigros, surgiu disso. Era um grupo originário do momento no Instituto de Artes. No Trégua, Edu esteve presente. Mas neste novo momento reuni um time que considero ideal para o que minha música está pedindo. Isto porque reúne um contrabaixista que se chama Ricardo Zhoyo, que é fundador do Trio Curupira, descendente da escola de Hermeto Paschoal, paraninfo da Unicamp; o percussionista do Curupira Cleber Almeida, que teve vivência de música de rua, maracatu, de todo um universo no qual eu me inspirei; e o percussionista Ari Colares, que é um profundo conhecedor da música de raiz brasileira.

O Trégua foi superintimista. Até porque é fruto do Prêmio Visa e o momento pedia isso. Foi uma coisa boa. São poucos os espaços possíveis para fazer esse tipo de música. E aí aconteceu esse mergulho bem introspectivo. Mas agora, motivado pelas andanças pelo Brasil que fiz com meu grupo “A Barca”, dedicado à pesquisa e movimentação da música de raiz brasileira, compus muita coisa nos lugares por onde eu estava rodando, e as coisas saíram inspiradas neste universo. Meu propósito como compositor é movimentar e dar uma visão completamente atual. É uma mistura de ritmos, e vamos falar de ritmos brasileiros. Um choque entre esses ritmos brasileiros e minha linguagem melódico-harmônica desenvolvida em 2003.

JU – Você já se apresentou na Unicamp depois da graduação?
Saraiva – Não. Sinto-me retornando para a Unicamp mesmo para este show. É um lugar fundamental para mim. Eu vim do Sul e não tinha acesso à informação como aqueles que viviam em São Paulo. Vim com o Edu e chegamos como essa garotada está chegando agora. Com 17 anos, calor, preocupado em saber onde vai morar. Foi um lugar que serviu de abrigo mesmo para eu me desenvolver. E depois, naturalmente, me levou para São Paulo pela proximidade.

JU – De que forma a experiência do Chico estudante influencia na história do Chico consagrado e premiado?
Saraiva – Consagrado eu não sou. Sou um cara que está buscando muito uma linguagem própria. É isso que eu sou. Eu acho que até isso é muito fruto da Unicamp. É a consciência de que a identidade de um artista é o principal patrimônio dele. Isso eu aprendi na Unicamp, nas aulas de Ulisses Rocha, que é amigo até hoje, e de Gogô (Hilton Valente), que me ensinou muita harmonia. Trata-se da base da minha música. Não é pouco falar esses nomes.

JU – Quando decidiu ser músico, que idade tinha?
Saraiva – Não sou músico do tipo precoce. Faço as coisas de forma bem-digerida sempre. E aos poucos, faço um movimento, outro. Comecei com uns 12, 13 anos, tocando violão e guitarra.

JU – Mas já ouvia os grandes violonistas, não é?
Saraiva – Ainda não era uma coisa tão viva. Por isso digo que a informação era algo distante de mim.

JU – O que gostava de tocar?
Saraiva – Tocava erudito e gostava de tocar rock. Porque tinha 15 anos. Ao longo de muito tempo, fui reunindo essas informações. Numa linguagem única e minha. Agora, ao mesmo tempo, era filho de gente que ouvia tudo o que tinha de mais bonito na música brasileira. Luiz Gonzaga é uma lembrança antiga e de criança. É isso. A gente cresceu nessa geração que escutava isso. Acho que o meu irmão mais novo já não escutou. Nos anos 1970 tinha música boa em bar.

JU – Qual a importância do ídolo na formação de um jovem músico?
Saraiva – Referência, não? A gente não consegue se mexer sem saber. Vai reinventando a roda desde o início. Acho que o mundo vai rodando assim, não é? A gente vai olhando para o que as pessoas fizeram e vai se encantando com aquilo que em tantos momentos faz parte de nossa vida, nos consola, alegra, vai entrando. De repente, a gente compõe a nossa música. A gente se impregna. Jobim impregna e faz minha orientação principal, talvez. O Guinga é meu parceiro e mestre mesmo. Tem tanta gente, que é melhor nem continuar...

JU – Você disse, numa uma entrevista, que gosta de desafiar amorosamente suas influências. O que significa isto?
Saraiva – Acho perfeita a história. É simples. Algum jornalista deve ter escrito por ter percebido que sou devoto dessas pessoas e, ao mesmo tempo, essa busca de identidade é natural. Isso é mais velho que o mundo: a vontade de identidade versus a sombra de influência, ou a carga que a gente recebe e ama.

Cada um tem uma história com isso. Não julgo errada escolha de nenhum tipo. Eu simplesmente procuro a minha e eu sei que ela passa por essa reinvenção. É preciso dar uma marca própria. Ao mesmo tempo que sou apaixonado por choro tradicional, por jazz tradicional, que por um tempo não ouvi tanto e agora ouço de novo, tudo é feito de um jeito mais puro, menos misturado. Minhas referências são essas: Jobim, que é um cara que mistura, Gismonti e Guinga... É essa música que eu amo. O que eu vou fazer é misturar.

JU – Muitos músicos-professores sempre falam da influência do jazz e da música européia na bossa-nova. O que acha disso?
Saraiva – Esta é uma questão cheia de lados. Teve esse momento, Jobim foi dessa geração, da qual o Gogô faz parte. Gogô é contemporâneo desse povo todo, portanto estudar com um contemporâneo desse povo não é pouco, é muito. O Ciro Pereira também é outro.

Acontecia isso. Havia a tradição do choro-canção. Tinha a tradição pré-bossa-nova, que volta de forma muito bonita, viva. Tem toda uma geração fazendo uma leitura nova desse repertório antigo. E isso é superinteressante. Acho que é o ponto principal - como vai ser essa nova vida do material antigo. É um material dos anos 1950. A pedra fundamental de tudo é Pixinguinha mesmo. A gente sabe que Pixinguinha é a matriz da música brasileira. Jobim é sucessor dele, com essa colisão da harmonia e da música européia.

A parte que mais me interessa no Jobim é a que vem do Debussy, mais do que a que vem do jazz. Por isso vou colocar o Boto no Saraivada, e não a Garota de Ipanema. E é importante dizer que ele tem essa face. É uma coisa que fica diluída, bossa vira estereótipo e o importante é que tudo venha a convergir para uma música contemporânea viva. Bossa foi importante, que tem de se somar a essa atmosfera do choro-canção. São 30 anos da música brasileira que estão relegados a segundo plano. É legal que aconteçam esses espirais, mas é importante que tudo esteja presente no caldo atual.

JU – Você acredita que esses programas de massa, como novelas minisséries resgatando música brasileira podem influenciar no gosto da nova geração?
Saraiva – Jobim é isso. Por exemplo, “Lua estrada nua...” Fiz o Trégua olhando para isso. Não tenho dúvida de que essa é a referência desse tipo de canção. Jobim é seresteiro. Ele tem várias caras. Não é só bossa. E essa música circulava como tema de novela. É, até, uma quantidade de informação melódico-harmônica muito européia. Trata-se de um viés forte no Jobim e no Villa Lobos, que é o pai dele. Uma luz que sai iluminando para todo lado. Todo mundo fica abalado com a música do cara. E até hoje...

JU – Tocou bastante Villa-Lobos?
Saraiva – Meu principal momento foi quando resolvi ser músico, tocando Villa-Lobos. Só que eu demorei pra entender que não queria ser o concertista. Demora um pouco porque tem de ir tateando. Não tem outra maneira, não é?A informação que me pegava era a melódica que tinha uma intersecção imensa com a canção brasileira. Ficava na cabeça como uma cantiga conhecida. E é isso que me rege até hoje. Eu tinha uns 13, 14 anos quando senti essa estranheza. E estou nela e vou ficar nela.

JU – O que a conquista dos prêmios representou em sua carreira?
Saraiva – A gravação do CD também, mas representa uma fé de que aquilo que, apesar de tão pouco divulgado, apareça. Porque a música elaborada, apesar de estar na novela, está só ali como homenagem ao Jobim, e não como existência propriamente dita dessa linguagem nos meios de comunicação. Não circula. Música com elaboração melódico-harmônica cada vez menos, de um tempo para cá. Se fizer um estudo, vai perceber que a curva descendente é vertiginosa.

Temos diversos compositores que atuam nesta área, Chico Buarque é um deles. São cada vez menos tocados. Ou isso é natural porque estão ficando mais velhos. Mas o que seria natural, na minha fraca idéia, é que uma música que vem da grandeza de um Villa-Lobos, que passa pela maravilha de um Pixinguinha, que vai para Jobim, que tem um desdobramento no plano da composição é decorrente, de fato, dessas informações melódico-harmônico-rítmicas todas. E não é simplificador nem minimizador. É óbvio que a canção brasileira é ampla e tem diversos outros tipos de canção que eu adoro também. Toca profundamente. Mas volto a dizer que também freqüento ambiente de cultura popular onde não existe acorde e isso me toca profundamente. É minha inspiração principal do próximo trabalho.

Agora, não é melhor nem pior. É um tesouro nosso. É um dos nossos tesouros e, para o meu coração, um tesouro importante. O que me fascinou, por que eu fui parar nela? A minha missão é falar nela. É um pouco chato porque você fica repetitivo. Mas parece que é esse meu papel. Isso que me deu esse prêmio. Estou fazendo outras coisas, mas não deixo de achar a Luísa do Jobim e a Beatriz do Edu Lobo uma coisa que tem de reverberar por muitos e muitos anos seja misturando com eletrônica, candomblé e fazendo o que for. Esses elementos estão soltos por aí e nossa geração é que tem de acolhê-los. Então, vamos em frente suportando a grandeza que temos nas costas.

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