| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 351 - 12 a 18 de março de 2007
Leia nesta edição
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Unicamp coordena pesquisas sobre a síndrome
perisylviana, que provoca distúrbios de linguagem e epilepsia

O esforço para entender uma doença rara

A professora Marilisa Mantovani Guerreiro, coordenadora do projeto: a falta de umestudo epidemiológico impede que se estime a incidência da doença na população (Fotos: Antoninho Perri/Divulgação)Pouqíssimos leigos devem ter ouvido falar da síndrome perisylviana. Ela se caracteriza por uma série de manifestações clínicas decorrentes de uma malformação do cérebro, que começam na criança ainda pequena. As alterações neurológicas vão desde leves distúrbios de linguagem (atraso de fala e problemas na articulação das palavras), passando por dificuldades de aprendizado e déficit cognitivo, até a epilepsia. Quando congênita, a doença se expressa já ao nascimento, com dificuldade para sugar, deglutir e se alimentar.

Universo de quarenta
pacientes já foi pesquisado

A síndrome tem este nome porque a malformação se dá na região da fissura de Sylvius (veja figura), que todos nós possuímos, responsável tanto pela codificação articulatória como pela programação motora da linguagem falada. Descrita em detalhes há pouco mais de dez anos, a síndrome perisylviana é pouco freqüente, sendo que a falta de um estudo epidemiológico impede que se estime a incidência na população.

A fissura de Sylvius é a fenda existente entre os lobos frontal, parietal e temporal“A doença é rara, mas representa um problema importante para o neurologista e o neuropediatra, que devem tê-la sempre em mente para os seus diagnósticos. Como ainda é pouco conhecida inclusive no campo da neurologia, sua divulgação torna-se fundamental”, afirma a professora Marilisa Mantovani Guerreiro, do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.

A necessidade de aprofundar o conhecimento sobre a síndrome perisylviana motivou um projeto temático da Fapesp, que desde 2004 vem envolvendo cerca de 20 pessoas, entre professores e alunos de pós-graduação e de iniciação científica. O projeto já gerou duas teses e quatro dissertações, com vários trabalhos publicados em revistas científicas. As pesquisas até o momento foram realizadas em um universo de 40 pacientes.

O projeto temático, coordenado por Marilisa Guerreiro, é desenvolvido em torno de quatro suprojetos: clínico/linguístico, sob responsabilidade de Marilisa e da professora Simone Hage, do Departamento de Fonoaudiologia da USP de Bauru; neurofisiologia clínica, tendo à frente o professor Carlos Guerreiro, do Departamento de Neurologia da Unicamp; neuroimagem, com os professores Fernando Cendes e Li Li Min, do mesmo departamento; e genético, coordenado pela professora Iscia Lopes Cendes, do Departamento de Genética da Unicamp.

Linguagem – A coordenadora explica que no primeiro subprojeto procura-se avaliar o paciente do ponto de vista clínico, neurológico, psicológico e linguístico, ocupando-se mais do problema da linguagem. “Na síndrome perisylviana as crianças inicialmente apresentam atraso de fala e, depois, problemas para articular os sons. No seu processo de desenvolvimento, um pequeno grupo terá dificuldades de aprendizado. O outro grupo não demonstrará essas dificuldades, mas continuará com problemas de fala”, afirma.

Segundo a pesquisadora, o atraso no desenvolvimento da linguagem pode estar mais na expressão do que na compreensão. “Para nós, já ficou claro que a síndrome compromete sobretudo a expressão. Temos então uma criança esperta, de olhar vivo e que tudo compreende, mas que troca as letras na hora de se expressar”, exemplifica.

Quando o problema de fala não está relacionado a uma alteração global do aprendizado, ele é denominado distúrbio específico de linguagem (DEL). As manifestações são as simplificações fonológicas, vocabulário restrito, estruturação gramatical simplificada e pouco variada, e ordenação das palavras de forma não-usual.

Epilepsia – Marilisa Guerreiro informa que a epilepsia está presente em aproximadamente um terço dos pacientes com síndrome perisylviana. Ainda dentro do subprojeto clínico, os neurologistas procuraram verificar as formas de epilepsia que acometem esses pacientes. De acordo com a professora, os epilépticos apresentam crises parciais, como desligamentos rápidos, ou crises generalizadas, como a convulsão tônico-clônica, responsável pelo estigma que os envolve.

“A intenção era procurar um perfil de epilepsia nos portadores da síndrome, o que não foi possível porque as manifestações são variadas”, recorda a pesquisadora. Ela ressalva que nem todo epiléptico apresenta a malformação cerebral. “Falar de epilepsia é entrar num universo enorme, pois são inúmeras as suas causas, algumas desconhecidas. Uma das causas pode ser a síndrome perisylviana. Da mesma forma, nem todos os portadores da síndrome têm epilepsia”.

No segundo subprojeto, os pesquisadores recorreram ao eletroencefalograma, buscando igualmente um perfil das manifestações elétricas. Isto também não foi possível, visto que os pacientes sem epilepsia apresentaram exames normais, ao passo que nos epilépticos, da mesma forma que na avaliação clínica, o eletroencefalograma indicou variadas manifestações.

“Os achados inviabilizaram o estabelecimento de um padrão típico que pudesse nos auxiliar no diagnóstico da síndrome. De qualquer maneira, esta questão ainda estava pouco clara na literatura e foi dirimida na tese que uma aluna minha defendeu no ano passado e que está prestes a ser publicada”, antecipa Marilisa.

Padrão-ouro – O terceiro subprojeto, de neuroimagem, implicou o uso da ressonância magnética para visualizar o cérebro de portadores da síndrome perisylviana, com sucesso. Os estudos, segundo a professora da FCM, apontaram a neuroimagem como exame de padrão-ouro, ou seja, o meio principal para o diagnóstico da doença. “Os médicos podem ter a suspeita clínica e do eletroencefalograma, mas a confirmação da síndrome só virá com o exame de imagem, que vai mostrar as alterações na região da fissura de Sylvius e nos giros cerebrais”, afirma.

A pesquisadora acrescenta que na neuroimagem ficou nítida a divisão dos pacientes em dois subgrupos: um deles com poucas e pequenas alterações, perceptíveis apenas para um especialista bastante capacitado, e o outro subgrupo que apresenta alterações mais importantes, logo vistas na ressonância. “Foi possível estabelecer um paralelo com a avaliação clínica. Se, na imagem, a área cerebral comprometida é maior, as manifestações da síndrome perisylviana são mais exuberantes – o atraso de fala é acentuado e o paciente tem epilepsia. Já nas imagens do primeiro subgrupo, a alteração é sutil, com pouca ou quase nenhuma manifestação clínica”.

Ainda dentro deste subprojeto da neuroimagem, os pesquisadores estão iniciando uma última etapa, a ressonância funcional, a fim de verificar o que acontece no cérebro quando a lesão está presente. “Queremos saber se a área do cérebro com a malformação não funciona e está apenas desarranjando as demais, ou se a área funciona, mas com a sua função alterada”, anuncia Marilisa Guerreiro.

Hereditariedade e tratamento

O quarto grupo envolvido nos estudos da síndrome perisylviana é o de genética, coordenado pela professora Iscia Lopes Cendes, do Departamento de Genética da Unicamp. Analisando três famílias em que havia portadores da síndrome, a professora conseguiu identificar o cromossomo que é comprometido na malformação e a sua localização, sugerindo que em alguns casos existe uma transmissão herdada, geralmente por via materna.

“Foi um estudo grande, envolvendo alunos de pós-doutorado, pós-graduação e de iniciação científica, e que estabeleceu um novo locus para a síndrome, indicando a transmissão pelo cromossomo X, que é transmitido pela mãe. Esse artigo está sendo enviado para publicação”, informa a professora Marilisa Guerreiro. Existem, porém, outras duas famílias com transmissão paterna, o que sugere a existência de um outro tipo de transmissão. “Até do ponto de vista genético as coisas não acontecem do mesmo jeito”.

Segundo a coordenadora do projeto temático, é mais difícil detectar a síndrome perisylviana em adultos, mas o acompanhamento das famílias trouxe novas informações para diagnóstico. Um dos pais, por exemplo, apresentou a queixa quando criança, mas ela não foi considerada pelos médicos. “Alterações sutis de fala na infância, quando despercebidas, acarretam na fase adulta problemas em outra esfera da linguagem, que já não é da expressão, mas da leitura e da escrita. É a chamada dislexia”, explica a pesquisadora.

Os estudos realizados até o momento, de acordo com Marilisa Guerreiro, não permitiram chegar a um tratamento que seja mais adequado do que os convencionais – a fonoaudiologia e a psicologia para os distúrbios de linguagem e de aprendizado, e a medicação correta para a epilepsia. “Se a síndrome surge no momento em que o cérebro está se formando, não é possível voltar atrás e reverter uma falha da natureza”, observa.

A pesquisadora ressalta, entretanto, que os resultados do projeto temático estão contribuindo para um diagnóstico mais preciso, quando há pouco tempo viam-se apenas estudos dispersos da síndrome. “Já é possível um melhor aconselhamento às famílias, principalmente aos pais. Várias crianças acabam rotuladas até como deficientes mentais, quando as alterações estão na linguagem. É importante que elas tenham acesso a escolas e terapias apropriadas”.

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