| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 351 - 12 a 18 de março de 2007
Leia nesta edição
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Saúde do cérebro
Materiais porosos
Chico Buarque
 

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Pesquisadores desenvolvem o primeiro mapa
funcional da matéria-prima que é estratégica para o país

A nova ferramenta para o cultivo da cana

Trabalhador em canavial na região de Ribeirão Preto: mapa mostra os marcadores moleculares relacionados a características agronômicas da cultura (Foto: Antonio Scarpinetti)É praxe nos laboratórios da Unicamp o uso de jalecos brancos com o logotipo da Universidade. Encontrar dois deles em boas condições foi uma dificuldade para as pesquisadoras Anete Pereira de Souza e Karine Miranda Oliveira, quando solicitadas para fotos no laboratório do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG). Quase todos os jalecos estão manchados com o nitrato de prata usado para dar coloração a imagens moleculares impressas em vidro. “É comum o pessoal ter as próprias roupas estragadas”, brinca Anete.

Pesquisa facilita
trabalho de melhorista

Foi esse pessoal que participou da proeza de elaborar o primeiro mapa funcional da cana-de-açúcar. O mapa mostra os marcadores moleculares relacionados a características agronômicas da cana, ou seja, os genes responsáveis, por exemplo, por uma maior produtividade de açúcar, por suscetibilidade a doenças ou por resistência à seca. Trata-se de contribuição importante para um país cuja estratégia é aumentar exponencialmente a produção de etanol – extraído da sacarose – e que, para isso, terá de buscar novas tecnologias, melhorar as variedades da cana e expandir a área plantada, atualmente concentrada no Centro-Sul.

Muitas das manchas nos jalecos resultaram deste trabalho e corroboram as declarações das pesquisadoras sobre as dificuldades de um projeto ousado e viabilizado por meio de técnicas praticamente artesanais, mas com aplicações promissoras e de ponta. “O mapa funcional facilitará o trabalho do melhorista [que promove o cruzamento de plantas] na busca de uma variedade da cana mais tolerante à seca, como a do Nordeste. Foi assim com a soja, que começou a ser plantada no Rio Grande do Sul e hoje está no Norte do país, graças aos milagres conseguidos pelos melhoristas na formação de novas linhagens”, observa Anete de Souza, que é professora do Departamento de Genética e Evolução do Instituto de Biologia (IB).

Como pesquisadora do CBMEG, Anete está envolvida com marcadores moleculares em cana-de-açúcar desde 1997. Foi justamente esta experiência que a fez ser convidada e a pensar duas vezes diante do desafio proposto pela antiga Copersucar, hoje Centro de Tecnologia Canavieira (CTC): descobrir os marcadores funcionais na cana e depois mapeá-los no genoma. “Estava meio descrente, pois o genoma da cana é muito complexo e desenvolver marcadores era algo novo e difícil, com pouquíssima literatura a respeito”, recorda.

Cedendo à insistência, a professora, em colaboração com o professor Antonio Augusto Garcia, da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), acabou reunindo alunos de pós-graduação e de iniciação científica para iniciar o projeto financiado pelo programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) da Fapesp e pelo CTC. A equipe partiu dos dados disponibilizados pelo Genoma Cana – ou projeto de seqüenciamento de Etiquetas de Seqüências Expressas (Sucest). Desenvolvido entre 1999 e 2003, o Sucest identificou 90% dos genes da cana, representados por 43 mil seqüências expressas de genes. É considerado o mais completo banco de cana dentre os três existentes no mundo (os outros são da África do Sul e da Austrália).

“O DNA é a expressão dos genes, que vão produzir proteína. Em alguns genes temos seqüências repetidas de base, que variam bastante no genoma de uma variedade de cana para outra”, explica Anete de Souza. Segundo ela, no caso dos humanos, são essas pequenas variações nos genes, chamadas de alelos, que podem determinar a cor dos olhos ou mesmo a paternidade num teste de DNA; ou, no caso da cana, uma maior capacidade para produção de açúcar ou uma maior resistência a pragas e a seca.

“Observamos que muitas seqüências expressas possuíam o que denominamos de microssatélites e que poderiam ser utilizados como marcadores moleculares. Do banco completo do Sucest, conseguimos isolar 2.000 seqüências (2.000 genes diferentes)”, diz a pesquisadora. Os genes com funções conhecidas é que foram usados como marcadores e localizados no mapa. “A equipe chegou a 382 marcadores funcionais, sendo que 149 foram efetivamente utilizados no mapeamento. Construir o mapa funcional desse genoma pela primeira vez é realmente um feito do qual se orgulhar”.

Os estudos para o mapeamento foram realizados em uma população de 100 clones de cana resultantes de cruzamentos no Centro de Tecnologia Canavieira. “Nós medimos a produção desse material em diferentes locais, em diferentes anos, e fizemos a associação de cada clone com genes utilizados na construção do mapa. E encontramos a sucrose sintase, que é uma enzima relacionada com a tonelagem de açúcar por hectare, o que já foi um grande achado para usineiros e produtores”, comemora Anete de Souza.

Os resultados obtidos durante o projeto intitulado “Desenvolvimento de marcadores moleculares EST-SSRs e Mapeamento Funcional em cana-de-açúcar (Saccharum spp.) foram apresentados nas revistas Genome (2004), Theoretical and Applied Genetics (2006) e Plant Breeding (2006). Um quarto artigo está no prelo para publicação na Molecular Breeding agora em março.

O novo projeto, quem sabe com
equipamentos também de ponta


As pesquisadoras Anete Pereira de Souza (à esquerda) e Karine Miranda Oliveira, do CBMEG: projeto de ponta com aplicações promissoras (Foto: Antoninho Perri)A professora Anete de Souza, coordenadora do projeto que levou ao mapa funcional da cana-de-açúcar, afirma que a aplicação da pesquisa depende da utilização de uma tecnologia capaz de repetir infinitas vezes os procedimentos de laboratório. “Fizemos a genotipagem de milhares de alelos, num trabalho basicamente braçal, mas hoje já é possível automatizar a detecção de marcadores moleculares”, assegura.

Anete atribui boa parte do crédito pela construção do mapa funcional às orientadas Luciana Rossini Pinto e Karine Miranda Oliveira, ambas agora doutoras, que passaram bom tempo em pé junto à bancada. “As dificuldades foram imensas porque trabalhar com cana-de-açúcar não é nada simples. Tivemos que explorar e otimizar toda a técnica para desenvolver um marcador molecular que não existia para a cana. Achamos inclusive que não conseguiríamos cumprir esta etapa da pesquisa”, recorda Karine Miranda.

Para a segunda etapa também foi preciso criar uma metodologia específica para construir o mapa funcional da cana, segundo Karine. “Os mapas existentes eram de um parental ou de outro [um do pai e outro da mãe da população de cana analisada], quando queríamos um só mapa que juntasse as informações dos dois pais. É trabalhoso, pois os parâmetros são sempre específicos”, explica.

Entre as técnicas disponíveis, Karine fez uso da coloração com prata, mas passou dois períodos na França, de seis e de quatro meses, quando precisou de radioatividade para obter resultados mais rapidamente. “Lidando com 100 clones de cana do CTC, com gel e algumas cubas, repetíamos o procedimento duas ou três vezes para não colocar nenhum resultado incorreto no mapa. Faltavam ferramentas mais modernas para a genotipagem. Agora existem vários equipamentos capazes de fazer rapidamente tudo o que fizemos, e até muito mais”.

A professora Anete lembra que deve ser dado o devido crédito também à equipe do professor Antonio Augusto Garcia, do Departamento de Genética da Esalq, que criou um software inédito para a construção de mapas genéticos. “O novo programa causou grande impacto e foi apresentado em um dos artigos publicados em 2006. Houve uma sintonia perfeita tanto com a área de genética e estatística da Esalq, como com a área de melhoramentos do CTC”.

Investimento – Os grandes produtores de cana-de-açúcar no mundo são, pela ordem, Brasil, Índia, Cuba , México e China. “A Austrália vem bem atrás, possuindo 500 mil hectares plantados contra os 6 milhões de hectares no Brasil, mas investe infinitamente mais em pesquisa. A exemplo dos chineses, os australianos já adquiriam um espectrômetro de massa de 600 mil dólares e um pirosequenciador de 150 mil dólares, para melhor explorarem os dados do banco de cana Sucest”, compara a professora da Unicamp. “Ainda assim, fomos nós que desenvolvemos o mapa funcional da cana. Espero que a comunidade fique sensibilizada com o nosso trabalho, feito em condições bem mais humildes, e nos ofereça equipamentos potentes para reduzir o tempo de pesquisa e o esforço”.

O próximo passo já está programado. Anete informa que há um segundo projeto quase concluído dentro da linha Pite da Fapesp, coordenado pela professora Gláucia Mendes Souza, do Instituto de Química da USP, que identificou e patenteou mais de 200 genes da cana relacionados com a produção de açúcar e outras características de interesse econômico, mas que não possuem microssatélites. “A nova meta é juntar os resultados dos dois projetos, transformando os genes descobertos pela professora Gláucia em marcadores moleculares e aprimorando o mapeamento funcional do genoma”, explica.

A pesquisadora do CBMEG antecipa que os grupos da Esalq e do CTC continuarão como parceiros. Karine Miranda, apesar de um convite para trabalhar na França, optou por fazer o pós-doutoramento neste novo projeto e revela que já ganhou um jaleco novo. “Com direito ao nome bordado”, endossa Anete de Souza.

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