| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 351 - 12 a 18 de março de 2007
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Pesquisas do professor Aníbal Vercesi sobre a
estrutura intracelular ganham repercussão internacional

Desvendando segredos
(e funções) da mitocôndria

O professor, médico e bioquímico Aníbal Vercesi, da FCM: próxima etapa é estudar os mecanismos das doenças degenerativas relacionadas às disfunções da mitocôndria (Foto: Antoninho Perri)Depois de conquistar o respeito da comunidade científica internacional ao relacionar a atividade da mitocôndria à morte celular, o que poderá ajudar a desenvolver novas drogas contra o câncer e doenças imunológicas, o médico e bioquímico Aníbal E. Vercesi, titular da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, dedica-se a uma nova pesquisa que pode ampliar a compreensão sobre a formação de placas de colesterol nos vasos sanguíneos. O estudo, iniciado há quatro anos, deu origem a um projeto temático, já rendeu a publicação de cinco artigos em revistas internacionais, além de outros em preparação, e o desenvolvimento de três teses de doutorado.

Estudo pode levar a drogas mais eficientes

O trabalho, realizado em parceria com os pesquisadores Helena de Oliveira, professora associada do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Biologia (IB), e Roger Castilho, do Departamento de Patologia Clínica da FCM, enfoca a disfunção mitocondrial em modelos experimentais (camundongos) com índices elevados de colesterol e triglicérides causados por fatores genéticos. Uma das hipóteses mais importantes sobre a formação de placas de aterogênese aponta o estresse oxidativo como sendo o fator causador da deposição do colesterol nos vasos. “A grande pergunta deste tema de pesquisa é: onde e como é gerada essa situação de estresse oxidativo”, destaca Vercesi.

Etimologicamente derivada do grego (mito = filamento, chondrion = partícula), a mitocôndria é uma estrutura intracelular responsável pela retirada de energia dos alimentos e sua posterior conversão em energia utilizável pelas células. É, também, um importante local de geração de oxigênio reativo, uma forma de radical livre. “Nós estudamos a mitocôndria de animais com colesterol elevado e observamos que ela é responsável por uma situação importante de estresse oxidativo”, revela.

Nos animais pesquisados, o estresse oxidativo foi provocado pela incapacidade das células em retirar o colesterol do sangue para atender às suas necessidades intracelulares. Com isso, as células são obrigadas a sintetizar o colesterol de que necessitam. Nesse processo, usam grande quantidade da coenzima NADPH2, principal agente antioxidante mitocondrial. “O antioxidante usado na produção de colesterol acaba fazendo falta no processo de defesa contra o estresse oxidativo, o que favorece o surgimento dos radicais livres”, explica Vercesi.

Segundo o pesquisador, o estudo poderá levar ao desenvolvimento de drogas mais eficientes tanto no combate quanto na prevenção de doenças provocadas por índices elevados de colesterol e triglicérides. “Se compreendermos a parte bioquímica desse processo, poderemos interferir diretamente para prevenção da patologia”, observa. O trabalho, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), absorveu nos últimos quatro anos investimentos da ordem de R$ 1 milhão. A próxima etapa é aprofundar ainda mais as pesquisas para estudar os mecanismos das doenças degenerativas relacionadas às disfunções da mitocôndria.

“Continuo nesse tema porque cada vez mais enxergo a luz no fim do túnel”, diz o pesquisador. Aos 60 anos, ele não esconde a obstinação em desvendar todos os segredos da mitocôndria, uma estrutura que, apesar de microscópica, interfere diretamente no equilíbrio da saúde. A respiração mitocondrial converte energia de óxido-redução em um potencial eletroquímico que resultará na liberação de energia química ou de calor para o organismo. Para isso, a mitocôndria obtém da célula que a hospeda os suprimentos de oxigênio e substratos derivados de glicose, aminoácidos e ácidos graxos e os converte numa molécula chamada adenosina-trifosfato (ATP), responsável pelo armazenamento de energia.

“O ATP atua como uma moeda de energia da célula, ou seja, é uma forma conveniente de transportar energia”, explica Vercesi. Esta energia pode ser utilizada em diversos processos biológicos, como o transporte ativo de moléculas, síntese e secreção de substâncias, locomoção e divisão celular, entre outros. Para estocagem a longo prazo, a energia pode ser transferida para carboidratos e lipídios.

Nos últimos 30 anos, Vercesi participou de pesquisas que mudaram alguns dos conceitos básicos sobre essa estrutura intracelular, conhecida como a usina de energia das células. Além da disfunção mitocondrial em camundongos geneticamente hipercolesterolêmicos, suas pesquisas envolvem estudos de repercussão internacional, como o transporte de cálcio pelas mitocôndrias e a identificação de proteínas desacopladoras em mitocôndrias de plantas. Estas duas pesquisas renderam publicações de artigos em veículos de prestígio mundial, como a revista Nature e o Journal of Biological Chemistry. Em 2006, Vercesi foi escolhido pela Annual Review of Plant Biology para publicar uma revisão sobre seus trabalhos de caracterização bioquímica e molecular das proteínas desacopladoras de plantas.

As pesquisas de Vercesi ajudaram a revelar que, além de gerar calor e ATP, a mitocôndria também pode produzir radicais livres, num processo estimulado por altas concentrações de cálcio. “Entende-se hoje que ela é também um dos pontos importantes que decidem o momento em que uma célula deve morrer”. Até meados da década de 1970, sabia-se que o excesso de cálcio era tóxico às mitocôndrias por estimular a formação de radicais livres. O trabalho de Vercesi, além de confirmar esse fato, demonstrou pela primeira vez que os radicais livres produzidos pelo excesso de cálcio atacam a membrana mitocondrial, abrindo poros, impedindo a produção de ATP e acelerando a morte celular. O modelo desenvolvido pelo grupo mostra as etapas pelas quais o cálcio aumenta a produção de oxigênio reativo e a abertura do poro, que pode mediar a morte celular tanto por necrose quanto por apoptose (morte celular programada).

“Em condições normais, o sistema antioxidante mitocondrial combate os radicais livres, mas com o excesso de cálcio, não há como vencer os radicais livres”, explica. A morte celular, por sua vez, pode provocar tanto a redução da funcionalidade do tecido atingido, quanto mutações genéticas, caso as moléculas de oxigênio reativo ataquem o DNA. Nesse caso, uma das conseqüências possíveis é o surgimento do câncer.

Na década de 1990, Vercesi também chamou atenção da comunidade científica internacional ao anunciar a descoberta em plantas de uma proteína análoga à responsável pela produção de calor em animais. A UCP (sigla em inglês para proteína desacopladora) era conhecida, até então, pela função termogênica em animais. Estas proteínas permitem que o potencial eletroquímico mitocondrial gerado pela respiração seja dissipado na forma de calor, processo conhecido como termogênese.

Sua análoga vegetal foi batizada de PUMP (proteína desacopladora mitocondrial de plantas). Embora em quantidade muito pequena, a presença da proteína em plantas revelou um lado desconhecido dos vegetais. Em colaboração com a equipe do pesquisador Paulo Arruda, do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG), o trabalho demonstrou que o papel mais importante dessa proteína é regular o excesso de oxigênio reativo em plantas.

Nos animais, a UCP está presente na membrana interna das mitocôndrias do tecido adiposo marrom – gordura que os mamíferos têm na região posterior do pescoço e que na maioria desaparece aos poucos. Essa proteína consegue estabilizar, por exemplo, a temperatura corporal de ursos em torno de 37º C, enquanto eles hibernam. Ao estudar a respiração e a conversão de energia em células vegetais, Vercesi percebeu semelhanças no funcionamento de células do tecido adiposo marrom e da batata, o que o levou a confirmar a presença da PUMP no vegetal. Ela também foi localizada em tomate, milho, pêssego, entre outros alimentos.

Mesmo na 'periferia' um campeão de citações

No mundo da ciência, o impacto de uma descoberta é medido pelo número de menções que recebe em outros artigos científicos. Trata-se do chamado “reconhecimento pelos pares”. Por esse critério, o médico Aníbal Vercesi, titular da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, pode ser considerado um dos campeões nacionais no quesito produção científica. Suas pesquisas, que nos últimos 20 anos mudaram alguns dos conceitos básicos sobre a mitocôndria – a usina de energia das células –, já renderam 5,5 mil citações mundo afora, em artigos de publicações vinculadas à base de dados Thomson-ISI (Instituto para Informação Científica, na sigla em inglês).

“Poderia ser mais”, alfineta Vercesi. Segundo ele, o número de citações só não é maior por atuar num país periférico. “Caso trabalhasse em algum centro do Primeiro Mundo, o número de citações seria duas ou três vezes maior”, acredita. Não é exagero. A importância do trabalho desenvolvido pelo pesquisador da Unicamp foi destacada em recente estudo publicado pela Academia Brasileira de Ciências. Segundo o levantamento, no período de 1994 a 2003, os 20 grupos brasileiros que estudam o metabolismo oxidativo das células produziram dez artigos que alcançaram mais de cem citações. Destes dez artigos, cinco são da equipe de Vercesi.

Natural de Serra Azul, interior de São Paulo, o pesquisador ingressou na carreira científica em 1969 como aluno de iniciação científica, no Departamento de Bioquímica da Unicamp, sob orientação do professor Aldo Focesi Júnior. Após a graduação em medicina, continuou suas pesquisas sob a orientação de Focesi, doutorando-se em 1974. Em 1976, iniciou estudos sobre bioenergética mitocondrial e homeostase intracelular de cálcio, durante estágio de pós-doutorado no laboratório do professor Albert L. Lehninger, na Johns Hopkins University, Estados Unidos. De lá para cá, nunca mais abandonou a bancada dos laboratórios. E, se depender de seu apetite, não abandonará tão cedo.

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