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Projeto temático da Fapesp busca
aproximação dos músicos com a tecnologia eletrônica


No laptop, da sinfonia
ao som do carro de boi

O professor e compositor Silvio Ferraz Mello Filho, que coordena o projeto temático da Fapesp, durante apresentação com Lídia Bazarian e em sua sala (abaixo) no IA: novas fronteiras da música (Fotos: Divulgação/Antonio Scarpinetti)O preço de uma porta acústica pode chegar a R$ 5 mil, mas na sala 32 do Instituto de Artes (IA) da Unicamp foram necessárias apenas duas portas de madeira, a R$ 90 cada, uma bolsa de ar e conhecimento de acústica. As paredes têm uma estrutura de gesso, lã de vidro e madeira – na verdade, são meras divisórias, mas como nenhuma parede é paralela a outra, impede-se que uma freqüência sonora se estabeleça mais do que outras. “Conseguimos um isolamento bastante razoável para ouvir o nosso material de trabalho”, diz o professor e compositor Silvio Ferraz Mello Filho, que coordena o projeto temático da Fapesp denominado “O computador como ambiente de composição e performance”.

Próximo passo é criar módulo de gravação

Um velho piano de cauda ocupa quase metade da sala. “É o primeiro piano do Instituto de Artes. Durante muito tempo os concertos foram realizados com ele”, informa Ferraz. Agora, a relíquia serve aos experimentos de alunos que nela introduzem objetos para transformar seu som e ligam fios de microfones, de caixas acústicas e de computadores para realizar análises acústicas. Na sala 32, os músicos estão menos preocupados em tocar piano ou outros instrumentos. “Somos tocadores de laptop”, define o professor do IA, com bom humor.

Um laptop de 1997, usado por Silvio Ferraz em seu primeiro projeto, ainda funciona muito bem em concertos. Outro foi comprado em 2000 e o mais recente, no ano passado. Além disso, muitos alunos carregam seus próprios equipamentos. Sobre uma bancada estão dois computadores, um maior e mais poderoso para uso no laboratório, e outro menor, que é constantemente removido para performances, com a mesa de som que ali nunca é tirada da caixa.

Ferraz conta que começou a trabalhar na relação entre música e tecnologia em 1996, com o professor Fernando Iazetta (hoje na USP), dentro de um programa de Comunicação da PUC de São Paulo que chegou a receber 40 músicos para a pós-graduação numa área que não existia em faculdades de música. “Montamos então esse grupo de tocar laptop e fizemos diversos trabalhos associando computador e instrumento, computador e dança, computador e voz”, relembra.

O software Max/MSP, que permite a transformação de sons em tempo real, é a ferramenta básica. “Trata-se de um ambiente de programação onde o usuário, na verdade, cria um instrumento musical, que pode ser tocado manipulando-se os chamados patchs e sub-patchs (conjuntos de operadores)”, explica Ferraz. Assim, clicando sobre ícones e barras exibidos na tela do computador, o pesquisador põe para tocar uma melodia tão bela quanto estranha. “É som de um carro de boi. Analisamos o espectro e tentamos ressimular aquele som, um trabalho ainda inacabado”, esclarece.

Na opinião de Silvio Ferraz, o compositor de hoje não pode mais se dedicar apenas a escrever música, mas também em programá-la no computador. “Ele pode usar um laptop para calcular, por exemplo, toda a família de notas ou de estruturas rítmicas que pretende usar na composição, obtendo uma idéia do resultado final, e ainda gerar a partitura”, explica. Entre as ferramentas já utilizadas pelo professor estão o Áudio Sculpt, um analisador de espectro capaz de fornecer dados específicos para, por exemplo, transformar canto de passarinho em partitura, e o OpenMusic, com o qual transformou em partitura a voz de um cantor da República Popular da China, transportando-a depois para o piano.

Projeto temático – Silvio Ferraz havia recebido uma bolsa Jovem Pesquisador da Fapesp na PUC de São Paulo, onde também iniciou uma Bolsa de Auxílio à Pesquisa que terminaria aqui na Unicamp (chegou em 2000). Ambas as pesquisas relacionavam música e tecnologia. Foi quando surgiu a idéia de converter esses dois trabalhos individuais em um projeto temático, no intuito de envolver mais alunos com o Max/MSP, um software bastante difundido no mundo mas pouquíssimo utilizado em escolas de música brasileiras. Em outros países, já corre entre os estudantes uma versão livre do Pure Data (PD), software similar ao Max/MSP, com uma biblioteca de aplicativos ainda pequena mas que em breve deverá ultrapassar a do original.

“Esta linha de pesquisa trouxe a professores e alunos de composição do Instituto de Artes certa autonomia em termos de equipamentos. Criamos esta sala, própria para desenvolver tanto projetos de estudos de som e de criação de softwares, como para preparar concertos”, afirma Ferraz. Assim, ao invés de um estúdio fixo, montou-se um módulo móvel de performance, onde todo o equipamento é colocado em um case, até a sala de concertos. O próximo passo é criar um módulo móvel de gravação.

A Unicamp, com este projeto temático, reforça sua presença numa área onde o Nics (Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora) já desenvolve um trabalho conhecido em todo o país. “Ocorre que o Nics, coordenado pelo professor Jônatas Manzolli, tem como foco a luthieria, ou seja, a construção e o estudo do instrumento. Já o nosso grupo é voltado para a composição e a criação dos instrumentos para essas composições”, observa Ferraz.

O som na mão – O professor do IA ressalta ainda a relação muito próxima que existe entre os pesquisadores da Unicamp e o Ircam (Institut de Recherche et Coodination Acoustique/Musique), do Centro Georges Pompidou em Paris, e onde foi criado o Max/MSP. Em 2003, cinco pesquisadores do Ircam estiveram no Brasil dentro do projeto MusArts (Musica Articulata Scientia, ou música articulada com ciência), promovendo concertos e workshops; em contrapartida, professores e alunos brasileiros vêm tendo estágios facilitados no instituto francês.

Silvio Ferraz informa que pelo projeto “O computador como ambiente de composição e performance” já passaram 16 alunos de doutorado, mestrado e iniciação científica, número que este ano deve chegar a 20, todos sob orientação dele e dos professores José Augusto Mannis e Denise Garcia. “Queremos que os alunos se aproximem cada vez mais desta tecnologia. Quem não tem laptop carrega as ferramentas no PC. O som parece algo extremamente abstrato, mas quando criamos figuras e observamos os espectros na tela do computador, parece que estamos pegando o som com a mão”.

Evolução da tecnologia está
mudando o perfil do músico

O primeiro instrumento eletrônico portável surgiu em 1920, inventado por Leon Theremin, engenheiro russo que morou nos Estados Unidos, foi raptado pela KGB e depois foi levado de volta para a América. Era uma caixa com duas antenas em 90 graus: quanto mais perto a mão da antena inferior, menor o volume do som, e quanto mais longe, maior; quanto mais perto a mão da antena vertical, mais grave, e quanto mais longe, mais agudo. Walt Disney popularizou o “theremin” quando fez muito uso dele em de seus desenhos animados, por exemplo, quando quis reproduzir o canto da sereia. “O instrumento tem um som bonito, que soa como voz pura”, diz o professor Silvio Ferraz.

Já os compositores começaram a se interessar por esta tecnologia no final dos anos 1940, fascinados com o surgimento de instrumentos que podiam tocar por eles. “Ao invés de instrumentistas, um equipamento que espalhava a música gravada por meio de caixas instaladas no palco. Já nas décadas de 20 e 30, o compositor francês Edgard Varèse preconizava que a música do futuro seria a das máquinas eletrônicas”, recorda Ferraz. O Grupo de Música Concreta, que nos anos 50 associou-se ao estúdio da Rádio e Televisão Francesa, está atuando até hoje. Na mesma época, surgiu um grupo na rádio de Colônia (Alemanha) desenvolvendo uma música chamada de eletrônica.

Esta interação dos compositores com a tecnologia eletrônica seguiu linearmente até o final dos anos 60, quando diversos deles voltaram a se dedicar apenas à música instrumental, embora continuassem suas pesquisas. Mas tais pesquisas, que eram realizadas nos grandes computadores IBM, seriam fortemente incrementadas com o advento do computador pessoal na década de 80: a música passou a ser simulada com alguns quilos de equipamentos, ao invés de toneladas. A partir dos 90, com os laptops, os quilos transformaram-se em gramas.

“Além disso, os computadores estão cada vez mais potentes, oferecendo uma infinidade de recursos para a música eletrônica, que inclusive já mudou de nome, sendo chamada de eletroacústica e, por alguns grupos, de música acusmática. Há um deslanche enorme nesse tipo de produção”, observa Silvio Ferraz. Em sua opinião, compositores e músicos da atualidade não têm como abrir mão de tanta tecnologia. “Qualquer garoto que lide com homepages sabe como processar um software de áudio”, argumenta.

As escolas de música no Brasil, segundo o pesquisador do IA, ainda não se deram conta de que a tecnologia vem induzindo mudanças na formação profissional, com vistas à colocação dos estudantes no mercado de trabalho. “Para um violinista, o mercado, mesmo em um Estado como São Paulo, é de uma orquestra por região metropolitana. Falamos em um máximo de 20 violinistas por cidade grande, sendo que há orquestras que têm apenas cinco desses instrumentistas. Um produtor de som, por outro lado, pode sobreviver criando trilhas para cinema, televisão, teatro, publicidade, internet e até para telefone celular”, pondera.

Ferraz atenta que esse tipo de profissional está sendo formado dentro dos cursos de comunicação, em especialidades denominadas de multimídia, mídia digital, hipermídia, intermídia etc. No Brasil existe apenas um curso de produção musical, na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba. “No mais, são grupos com os da Unicamp, USP e de outras poucas instituições que procuram aproximar o aluno de música da tecnologia eletrônica. Lembro-me de um rapaz da Federal de Minas Gerais que se formou em composição e hoje é DJ”.

O professor acrescenta que um projeto temático como este financiado pela Fapesp possibilita ao músico articular-se com gente das engenharias, computação, matemática, arquitetura ou da biomedicina. “O músico vai continuar compondo – eu sou basicamente compositor – mas ele passa a ter outro tipo de relação, que extrapola a área de humanas. Há uma mudança bastante grande no perfil do músico, que vai perdendo aquela imagem romântica de alguém que se preocupa apenas com a sua arte”.


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