| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Enquete | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 207 - 24 a 30 de Março de 2003
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Pós-graduando mergulha no atlântico em busca da jubarte cantora


Ecólogo grava o canto da baleia

ANTONIO ROBERTO FAVA



Munido de apenas de um gravador digital, de um fone de ouvido e de um hidrofone, para gravações embaixo da água, durante mais de dois meses o ecólogo Eduardo Moraes Arraut navegou, quase que diariamente, pelas águas do Oceano Atlântico atrás das baleias com um único propósito: estudar, pela primeira vez no Brasil, o canto da Baleia-jubarte, na região do banco de Abrolhos, na Bahia. E chegou a resultados que o surpreenderam. Por exemplo: na família da Baleia-jubarte, apenas os machos cantam, e seu canto serve para individualizá-las, podendo ser considerado como impressão digital da população. Esse canto ocorre predominantemente nas áreas de reprodução, no caso, Abrolhos, e ao longo das rotas de migração.

"É curioso verificar que não há outro canto parecido no reino animal", atesta o estudante. É um canto que possui uma grande variação, podendo parecer um lamento em alguns trechos, uma seqüência de soluços em outros e ainda pode parecer uma seqüência de gritos, entre muitas outras variações. O canto é composto por notas que, organizadas em seqüências definidas, formam frases e, repetidas, constituem um tema. Um ciclo do canto de uma baleia dura, em média, de 6 a 35 minutos, que pode ser repetido, sem intervalo, até o ponto de já ter sido observada uma "sessão de canto" com até 22 horas de duração. As frases de temas diferentes são também distintas e, quando os temas são cantados continuamente, numa seqüência ordenada sem que nenhum deles seja repetido antes que todos os demais sejam emitidos, tem-se então um ciclo de canto.

"Por fim, a repetição de vários ciclos de canto, separados por intervalos inferiores a um minuto, perfazem uma seção de canto", acentua Arraut. Ele explica que os tipos de notas, emitidas pelo canto das baleias, foram determinados com base em parâmetros acústicos: duração da nota, do intervalo entre as notas subseqüentes, freqüências mínima e máxima. Esses quatro parâmetros foram usados para medir um total de 4.474 notas provenientes do canto de dez indivíduos diferentes, num total de cinco horas de gravações e aproximadamente 20 ciclos de canto da baleia. "No final, conseguimos identificar um total de 24 tipos de notas e 15 tipos de frases, organizadas no que chamamos de temas", explica o ecólogo.

Uma maneira interessante de entender o "pensamento" desses animais é, segundo o pesquisador, estudar o modo que eles têm de comunicar-se entre si. Por isso mesmo, são muitas as situações em que o som é o único meio pelo qual os animais interagem. É por meio de gestos, toques e sons que escolhem o parceiro sexual, se organizam para pescar, e até estabelecem relações de domínio entre os integrantes de um mesmo grupo. Eduardo explica que a comunicação sonora tem grande importância para a Baleia-jubarte, por ser uma espécie migratória, cujos indivíduos passam boa parte da vida de modo solitário.

Traineira e bote inflável

Eduardo Moraes Arraut é autor da dissertação de mestrado Estrutura e contexto eto-ecológico do canto da população brasileira de Baleia-jubarte Megaptera Novaengliae, no ano de 2000, apresentada recentemente ao Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. Para realizar suas investigações científicas, Arraut usou uma traineira de 14 metros, denominada Tomara, e um bote inflável. Todos os cantos da amostra foram gravados durante o dia. "Apesar das tentativas de se gravar à noite não terem tido sucesso, sabemos que várias baleias passam boa parte da noite cantando".

Durante o mestrado, o pesquisador foi bolsista do CNPq. Segundo diz, essa pesquisa, que resultou na sua dissertação, é fruto de trabalho conjunto entre o Laboratório de Bioacústica da Unicamp (IB) e o Instituto Baleia-Jubarte, uma ONG com base em Caravelas (BA). Além disso, Eduardo recebeu auxílio financeiro - para compra de equipamentos e diárias de campo - da Fundação O Boticário à Naturez, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Unicamp, e da Society for Marine Mammlogy.

Uma música em cada lugar

Pesquisadores que estudam outras populações do mundo vêm observando que as Baleias-jubarte emitem sons enquanto realizam as mais variadas atividades: as fêmeas, por exemplo, conversam com os filhotes, enquanto grupos competitivos da espécie emitem uma diversidade de notas, e os machos costumam cantar.


O canto dessa baleia possui uma estrutura semelhante em todos os indivíduos de uma mesma população. A cada ano eles sofrem alterações que consistem na perda de um pedaço mais antigo da frase cantada e na adição de novas notas. O aprendizado dessas notas é comum a todos os indivíduos de um mesmo grupo. "No início da temporada todos cantam de uma forma muito semelhante. Com o passar do tempo, alguns "compõem" um novo trecho e, aos poucos, todos os demais aprendem e o incorporam, até que ao final da temporada novamente todos cantam de uma forma bastante parecida", explica o pesquisador. E mais: cada população do mundo "interpreta" um canto que lhe é peculiar. Quer dizer, o canto brasileiro é diferente do canto havaiano que, por sua vez, difere do registrado na costa oeste da Austrália.

A Baleia-jubarte Megaptera novaeangliae, também conhecida como Baleia-cantora e ou Baleia-corcunda, pertence a um grupo popularmente conhecido como as grandes baleias de bossa, grupo que também inclui a Baleia-franca - única espécie de grandes baleias que se reproduz em águas brasileiras - na região de Santa Catarina -, a Baleia-azul e a Baleia-fin, entre tantas outras. Por ser um animal gigante (com muita gordura para extrair óleo) e extremamente dócil, mesmo depois de arpoado, na época de caça os marinheiros chamam a Baleia-franca de right wale - certa para ser caçada. "Para os navios baleeiros esta era a baleia que dava maior lucro com o menor esforço e o menor risco", diz Eduardo. Ele observa que é comum a todos os integrantes desse grupo, as fêmeas serem maiores que os machos. No caso da jubarte, machos e fêmeas atingem um tamanho médio de 12 a 13 metros, e um peso máximo de 35 a 45 toneladas, respectivamente.

"Sabe-se que são animais de vida longa, podendo, segundo dados obtidos a partir de animais mortos na época da caça, chegar a 60 ou 70 anos de idade, mas valores concretos para a longevidade são praticamente desconhecidos", deduz Arraut. A maturação sexual parece ocorrer em torno dos cinco anos de idade. As fêmeas usualmente têm filhos a cada dois ou três anos e, eventualmente, em anos consecutivos.

O filhote nasce com aproximadamente quatro metros, 1,5 tonelada de peso e, desde o nascimento, mama aproximadamente 100 litros de leite por dia. "O desmame ocorre ao final do primeiro ano de vida", salienta o pesquisador.

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