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Experiência possibilitará avanços
no tratamento de doenças hereditárias e de tumores


Unicamp clona genes responsáveis por proteínas em células humanas


PAULO CÉSAR NASCIMENTO

Pesquisadores do Centro de Hematologia e Hemoterapia da Unicamp clonaram pela primeira vez quatro novos genes potencialmente responsáveis pela produção de proteínas em células de humanos. A experiência abre perspectivas promissoras para melhorar a compreensão e o tratamento de doenças hereditárias e de tumores.

Coordenada pela hematologista Sara Teresinha Olalla Saad, a pesquisa se insere nos esforços de cientistas de todo o mundo que, depois do projeto genoma para o mapeamento do código genético, se debruçam agora sobre um novo desafio: o proteoma, ou estudo do conjunto das proteínas existentes em todas as células. Estima-se que o genoma humano contenha genes capazes de codificar de 80 mil e 100 mil proteínas.

Constituída de compostos orgânicos naturalmente sintetizados pelo organismo ou retirados dos alimentos (os aminoácidos), as proteínas exercem papéis essenciais em todos os processos biológicos de uma espécie. Saber em detalhes como elas atuam é o que realmente permitirá entender a biologia humana.

"Os resultados proporcionados pelo genoma só se justificam se conseguirmos identificar as proteínas produzidas pelos genes", sentencia Sara, professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. "Afinal, são essas minúsculas estruturas, codificadas pelo DNA e alteradas por múltiplas interações dentro das células, as responsáveis por todas as atividades biológicas do organismo."

Supressor tumoral - No caso da Unicamp, o trabalho consiste na identificação da composição, estrutura e funções de novas proteínas encontradas na membrana envoltória (citoesqueleto) das células, a partir da clonagem e caracterização de genes potencialmente capazes de fabricá-las.

As redes protéicas citoesqueléticas, objeto do estudo conduzido pela pesquisadora, estão presentes em várias estruturas intracelulares e têm importância na reciclagem, tráfico e triagem de proteínas a serem exportadas do interior das células para diferentes órgãos do corpo. Exemplo são os hormônios, liberados pelas células endócrinas para diferentes tecidos.

Sabe-se também que defeitos do citoesqueleto dos glóbulos vermelhos podem causar doenças hemolíticas, como as anemias hereditárias, entre as quais a talassemia, a esferocitose e a anemia falciforme, esta uma das mais comuns na população, atingindo um em cada mil nascimentos. Nessas doenças ocorre alteração da hemoglobina e do citoesqueleto das hemácias.

Há, entretanto, outras funções igualmente importantes executadas por elas, porém ainda desconhecidas.

De acordo com Sara, suspeita-se que as proteínas do citoesqueleto, em outros tecidos, desempenham o relevante papel de supressores ou indutores tumorais, ou seja, conseguem inibir ou acelerar os processos cancerígenos que afetam o desenvolvimento e o correto funcionamento das células. Mas para determinar essa e outras atividades é necessário, primeiro, definir a estrutura da proteína.

"As evidências deixam claro que a identificação das proteínas citoesqueléticas pode ajudar a confirmar essas possíveis funções", argumenta Sara, há dez anos especialista na caracterização de doenças por alterações do citoesqueleto.

A empreitada, contudo, é inacreditavelmente complexa, observa ela, porque na maioria das vezes a proteína não age sozinha na execução de uma determinada tarefa e depende da interação com outras, em células diferentes, para completar um processo biológico. Para desvendar o mecanismo completo, torna-se necessário identificar todas.

Resultados animadores - Em organismos da espécie humana a informação genética armazenada no DNA é convertida em uma seqüência de aminoácidos, formando as proteínas. Portanto, conhecer o gene que as produz é a primeira etapa da identificação dessas estruturas.

Entre as 900 mil seqüências de DNA armazenadas no banco de dados do projeto brasileiro Genoma do Câncer, financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Sara e sua equipe de dez pesquisadores escolheram 24 que tinham alguma semelhança estrutural com as proteínas citoesqueléticas.

Posteriormente, quatro das seqüências escolhidas foram utilizadas pelos cientistas para gerar cópias dos genes originais com o uso de ferramentas de bioinformática e técnicas de biologia molecular.

Após dois anos de pesquisa, os resultados dos testes laboratoriais, já divulgados para a comunidade científica, deixaram os hematologistas da Unicamp bastante entusiasmados.

De acordo com Sara, o "ARHGAP10" - primeiro novo gene catalogado - pode exercer um papel importante na formação e desenvolvimento de células sanguíneas normais, e dos tecidos nervoso e muscular, atuando no processo de diferenciação celular, pelo qual ocorre o amadurecimento das células até a sua plena capacidade de funcionamento.

"Sustenta essa hipótese o fato de encontrarmos esse gene em expressivo número no cérebro e no músculo cardíaco, constituídos por tecidos altamente diferenciados", justifica a pesquisadora. Ela adianta que testes preliminares nos outros três clones indicam que podem estar associados a doenças hematológicas.

Novas terapias e medicamentos mais eficazes

O quarteto de genes sofrerá agora uma bateria de experimentos para a identificação da composição, estrutura e funções de suas proteínas, trabalho que deverá se prolongar pelos próximos quatro anos. Financiando pela Fapesp, o projeto está exigindo investimentos da ordem de US$ 300 mil.

Os resultados finais do empreendimento, a exemplo de uma série de outros em curso em empresas e laboratórios públicos e privados ao redor do planeta, ajudarão a aprofundar o conhecimento que se tem hoje das proteínas e, com isso, poderão ser aperfeiçoados diagnósticos e tratamentos de uma ampla gama de doenças.

Hoje, as drogas convencionais já atuam sobre algumas proteínas, enzimas e membranas no combate e na cura de doenças. No futuro, a identificação de todas as proteínas humanas poderá viabilizar novas terapias e medicamentos ainda mais eficazes. É para esse horizonte que aponta a pesquisa desenvolvida pela professora Sara e sua equipe.

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