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O discurso da sedução

Aluno do IEL analisa técnicas para conquistar as donzelas desde a era medieval

ANTÔNIO ROBERTO FAVA

Passa o tempo, mudam os hábitos, as atitudes, os argumentos e as técnicas de abordagem, mas a prática da sedução vem sendo aprimorada desde a antiguidade - hoje em dia, inova-se recorrendo à internet. Se antigamente não havia regras para o processo de sedução pelo homem, no medieval século 12 a nobreza começou a se preocupar com isso. É o que se constata em Análise do Discurso do Sedutor, trabalho de iniciação científica de Lucas Kiyoharu Sanches Oda, estudante de Letras do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), que analisou centenas de textos - romances, contos, poemas clássicos e letras de música.

"Atitudes e comportamentos de caráter sedutor ganham mais intensidade na era medieval, em virtude do descaramento sexual na corte e da verificação de que existiam muitos homens para poucas mulheres. Isso acabou criando uma ideologia própria por parte da Igreja e da nobreza da época, com o propósito, digamos, de regulamentar o processo de sedução", explica Sanches Oda. Estabeleceu-se então o que se chamou de "amor cortês", criação dos trovadores de Provença (sul da França), que depois se difundiu para o resto da Europa.

Os trovadores "detinham" o poder de seduzir seguindo as regras do Tratado do Amor Cortês, escritas por Andreas Capelannus: não poupavam elogios à amada e procuravam demonstrar como ela era pura; quase "morriam" só de ver tanta pureza e associavam a amada a elementos da natureza, vendo-a parecida com os passarinhos, a primavera e os riachos, expondo-a sob uma aura singela, quase aquela legada à Virgem Maria. "Dificilmente uma mulher não se deixava seduzir pelo cavalheiro. Uma vez seduzida, não era difícil que, aos poucos, concedesse favores ao galanteador".

Ainda no período iluminista, lia-se no poema Marília de Dirceu, Lira 28, de Tomás Antonio Gonzaga (1774-1810): "Em torno das castas pombas, não rulam ternos pombinhos? E rulam, Marília, em vão? Não se afagam cos biquinhos? E a prova de mais ternura não os arrasta a paixão? . São argumentos que um autor contemporâneo dificilmente usaria. ´"Hoje, esses versos de Antonio Gonzaga soam de uma puerilidade espantosa, mas era o estilo da época", lembra Lucas.

"Não podemos, hoje, dizer que existem regras específicas para a sedução, que ocorrem de acordo com uma ideologia", acrescenta o estudante. Mas nota-se que, passado todo o período romântico, eventualmente o galanteador ainda usa cartas, documentos e outros recursos para seduzir uma donzela. Como um conhecido de Lucas Oda, que escreveu à moça que ela "é um cântaro produzido com um delicado e fino cristal, cujo conteúdo é de raríssima essência, de perfume que inebria, seduz e conquista".

Contextos - Os mesmos argumentos de conquista e sedução podem ser verificados na música Façamos (Vamos Amar), versão de Let's do it (Let's fall in love) de Cole Porter, interpretada por Chico Buarque e Elza Soares: "Os cidadãos / no Japão fazem lá / na China um bilhão faz / façamos, vamos amar". Lucas Oda explica que a música repete argumentos excessivamente usados, mas com novas imagens, em novas situações. Em outra música, Caçada, Chico canta: "Não conheço seu nome ou paradeiro / adivinho seu rastro e cheiro / vou armado de dentes e coragem / vou morder sua carne selvagem".

"A sedução exige criatividade, inovação, se não fica completamente estagnada. Os desejos e as aspirações humanas vão se transformando constantemente e, com isso, modificam-se também o processo e o estilo de seduzir, acompanhando a evolução dos tempos", afirma.

Hoje o homem adota como armas de conquista suas posses, o carro do ano, roupas de moda. "Ele não precisa falar muita coisa para seduzir a mocinha. Existem até guias de paquera encartados em revistas masculinas, contendo as mais curiosas argumentações de sedução", observa Oda, concluindo que as cantadas, das arcaicas às contemporâneas, e nem sempre as mais inteligentes, sempre vão existir.

Mais branca é do que o marfim, motivo por que lhe quero mais do que qualquer outra; se tão logo não conseguir a piedade do seu amor, morrerei, por São Gregório, a menos que consiga um beijo, em sua morada ou sob a ramagem (Guilhem de Peitieu)

Tamanduás e tatus fazem
Centopéias sem tabus fazem
Façamos, vamos amar
Os louva-deuses, com fé, fazem
Dizem que bichos-de-pé fazem
Façamos, vamos amar...

Com seus ferrões, os zangões fazem
Pulgas em calcinhas e calções fazem
Façamos, vamos amar
(Façamos - Vamos Amar, de Cole Porter)

Já viste, minha Marília
Avezinhas, que não façam
Os seus ninhos no verão?
Aquelas, com que se enlaçam
Não vão cantar-lhes defronte
Do mole pouco, em que estão?
Todos amam: só Marília desta
Lei da Natureza queria ter isenção?

(Maria de Dirceu, de Tomás Antonio Gonzaga)

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