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Ecos dos pífanos de Caruaru

O resgate da banda que começou mambembe no sertão
e deixou sua marca na música brasileira

ANTÔNIO ROBERTO FAVA

Quando o guitarrista Carlos Eduardo Pedrasse, ainda garoto, ouviu um disco da Banda de Pífanos de Caruaru, não imaginava tratar-se do mais importante conjunto do gênero. Descobriria mais tarde que tinha em mãos uma obra preciosa à espera de estudos sérios, uma música genuína, original e de riqueza imensurável. "Essas pessoas estão envelhecendo. Logo vão parar de tocar ou morrer e um acervo cultural imenso será perdido e esquecido", pensou. De tão envolvido pela sonoridade, estilo e técnica do conjunto, decidiu ele mesmo pesquisá-la.

As origens da banda não estão em Pernambuco, como sugere o nome, mas no sertão de Alagoas de 1924, quando Manoel Clarindo Biano herdou do pai um tambor, um prato e dois pífanos. Escolheu a zabumba para tocar e transformou os filhos Sebastião e Benedito, com 5 e 11 anos de idade, nos pifeiros do grupo que percorreria os rincões dos dois estados, levando os instrumentos nas costas ou em lombo de animais. Quinze anos depois, a família Biano fincou pé em Caruaru, capital do forró. Ao morrer em 1955, Manoel Clarindo pediu aos filhos que seguissem a tradição dos antepassados. E Sebastião e Benedito reuniram seus filhos para formar a Banda de Pífanos de Caruaru.

Chamadas também de cabaçal, esquenta-muié, quebra-resguardo e outros nomes, essas bandas trazem pífanos e instrumentos de percussão. "Não há instrumentos harmônicos, que fazem acordes", explica Pedrasse. A de Caruaru é constituída de dois pífanos, caixa, zabumba e surdo. Seus toques sincopados e as melodias de atmosfera pastoril enriquecem dobrados, marchas, músicas de novena e missa, frevos e peças folclóricas. "Mas hoje temos bandas de pífanos que tocam até sucessos de rádio", assinala o pesquisador, com certo inconformismo.

A Banda de Pífanos de Caruaru brilhou nos anos 1970, alcançando enorme popularidade e marcando a música popular brasileira com uma obra importante sem que nenhum de seus integrantes conhecesse música. "Todos tocam de ouvido, ninguém pisou um conservatório, tal como os Beatles e veja o resultado que a música deles alcançou", compara.

Sebastião Biano assina a maioria do repertório. Fazia a melodia e a letra (se houvesse) e depois mostrava ao irmão Benedito, que "inventava" a outra linha de pífano. Sem tempo para ensaios, os percussionistas iam aprimorando os arranjos durante as apresentações, no embalo, sugerindo um breque aqui, outro ali. "Até hoje eles não gostam de ensaiar. Só passaram a fazer isso ao tocar composições de outros autores, mais recentemente", observa Carlos Pedrasse.

Forró no rádio - Embora preserve o status de grupo mais tradicional do Brasil, a Banda foi um tanto descaracterizada. Cedeu a imposições das gravadoras a partir de 1982, gravando, por exemplo, forrós clássicos que as rádios tocam sem parar. "As dificuldades financeiras obrigaram a busca de mercados alternativos, tornando-a parecida com grupos comuns espalhados por aí", avalia o guitarrista.

O último disco lançado, Tudo isso é São João (1999) tem apenas uma música de autoria da banda. A morte por infarto de Benedito Clarindo, aos 87 anos, em 17 de dezembro de 1999, em São Paulo, contribuiu para que o conjunto perdesse muito de suas características melódicas e harmônicas. "A série de transformações incluiu instrumentos eletrônicos nas gravações, mas não procurando uma simbiose com o estilo dos pífanos e sim para dar a impressão de salão de forró", ressalta Pedrasse.

A Banda de Pífanos de Caruaru influenciou e contribuiu de modo significativo com a música popular brasileira, tendo obras gravadas por artistas consagrados como Gilberto Gil - a faixa Pipoca Moderna do disco Expresso 2222 (1972) – e Caetano Veloso - disco Jóia (1975), música de mesmo nome com letra do compositor.

Fusão de ritmos

O pífano é tocado como uma flauta transversal, embora existam tipos para execução de frente como a flauta doce. Geralmente feito de taboca, um bambu mais fino e delicado, há quem o fabrique com canos de PVC ou mesmo canos de aço. Existem três tamanhos básicos - meia-regra para sons mais agudos, três-quartos usado pela Banda de Caruaru e regra-inteira para sons graves. A palavra pífano viria do alemão "pfeiffe", "silffler" ou "pfefer": assovio ou sopro. Os instrumentos, sendo de construção artesanal e não-padronizada, produz sonoridades também não padronizadas.

As condições naturais adversas e o atraso na chegada dos meios de comunicação fizeram com que o sertão conservasse muitas referências musicais trazidas pelos colonizadores portugueses no século 16, impregnadas da cultura medieval. Essas referências -- somada a influência das músicas africana e indígena -- foram transmitidas oralmente de geração em geração, chegando até o início do século 20. "Na música da Banda de Pífanos de Caruaru, não conseguimos identificar um ritmo tipicamente brasileiro, como o xote e o baião, mas uma fusão de muitos ritmos gerando outros que nem os integrantes do grupo sabem denominar", explica o pesquisador Carlos Eduardo Pedrasse.

Pedrasse defendeu recentemente a dissertação de mestrado Banda de Pífanos de Caruaru -- Uma análise musical, sob orientação do professor José Roberto Zan, do Departamento de Música do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. Foram quatro anos de pesquisa, iniciadas em 1999 e desenvolvidas em São Paulo (onde os músicos da Banda residem) e em Caruaru, com financiamento da Fapesp.

DISCOGRAFIA

Bandinha de Pífanos - Zabumba Caruaru (1972), CBS
Bandinha de Pífanos - Zabumba Caruaru, vol. II (1973), CBS
Banda de Pífanos de Caruaru (1976), Continental
Banda de Pífanos Caruaru (1979), Marcus Pereira
A Bandinha vai Tocar (1980), Marcus Pereira
Raízes dos Pífanos (1982), Copacabana.
Tudo é São João (1999), Trama

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