| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Enquete | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 206 - 17 a 23 de Março de 2003
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ARTIGO

A "refundação" da Política de C&T: um compromisso da esquerda

RENATO DAGNINO

Ao ocupar uma porção do Estado de um país capitalista dependente, a esquerda brasileira chama para si o compromisso de alterar o rumo de políticas públicas que têm favorecido as elites.

Para melhor aproveitar nosso potencial de geração e difusão de conhecimento pela sociedade, ela deve concentrar-se numa parte do que tenho chamado complexo de C&T (em substituição ao neologismo neoschumpeteriano de "sistema nacional de inovação" ou, para quem ainda se lembra, à denominação a este precursora de "SNDCT").

Privilegiar o "subcomplexo" das instituições públicas ligadas ao ensino superior e à pesquisa é uma opção tática. Recomendam-na, além de sua governabilidade a ele se limitar, razões ligadas ao seu peso relativo e ao seu poder difusor e indutor, inclusive, de uma cultura "refundada" à parte privada do complexo de C&T.

Para fazê-lo, a comunidade de pesquisa de esquerda deve ter em conta as causas, de natureza estrutural, institucional e metodológica, do baixo impacto econômico e social desse complexo; essas, sim, podem ser modelizados como um "sistema" capaz de representá-lo. São assimiláveis a variáveis submetidas a relações de causalidade sistêmicas, retroalimentadas, e sustentadas por outras que, embora relativas a um contexto (sócio-econômico-político) que engloba o "subcomplexo", devem ser consideradas como variáveis - exógenas - do modelo; uma vez que também explicam sua trajetória passada e condicionam seu futuro.

Um modelo descritivo (para diagnosticar) e normativo para atuar sobre esse "subcomplexo" é uma condição para sua missão de "refundar" a Política de C&T (PCT).

As causas de natureza estrutural (variáveis exógenas do modelo) derivam do regime de acumulação e da formação sócio-cultural do País, determinam os dois outros conjuntos de causas, e estão fora da governabilidade. Um conceito chave e síntese - nossa condição periférica - que abarca desde a forma com fomos colonizados e a inexistência de um empresariado capaz de liderar uma revolução democrático-burguesa nacionalista e anti-imperialista para converter-se em inovador, até a concentração de renda, riqueza e poder político, passando pelo predomínio das multinacionais nos setores tecnologicamente mais intensivos é adequado para referí-las.

As causas de natureza institucional são associadas às anteriores. Aqui o conceito-chave é o que temos denominado "modelo institucional ofertista linear" da PCT. Adotado acriticamente no pós-guerra em função de uma "transdução" típica de nossa condição periférica, ele remonta ao mito da neutralidade - herdado do Iluminismo e da inexorabilidade do avanço da C&T - e à concepção do determinismo tecnológico - positivista e lamentavelmente tida como marxista.

Atuando "pelo lado da oferta", ao pautar nossa escassa comunidade de pesquisa pela auto-imposição de critérios exógenos de aferição da "qualidade" e pela sujeição voluntária ao efeito demonstração do padrão "universal" da pesquisa dos países avançados, ele torna ainda mais difícil captar o sinal de relevância que emite a nossa sociedade e que as causas estruturais, pelo "lado da demanda", mantêm fraco.

A relação sistêmica entre as duas causas anteriores do baixo impacto econômico e social daquele "subcomplexo" originou as de natureza metodológica. O que alguns chamam de laissez faire (mas que é melhor denotado pelo conceito-síntese dos policy analysts, de nondecision-making) tem inibido a concepção e utilização de metodologias apropriadas para a decisão racional, prospectiva, transparente e participativa acerca da priorização de linhas e grupos de pesquisa, instituições, modalidades de fomento, instrumentos de política etc.

A antipatia em relação a elas, ainda que justificável no âmbito dos países avançados onde a "estratégia" follow the leader é suficiente como normativa de PCT, não deveria ter contaminado nossa comunidade de pesquisa periférica a ponto de fazer com que sua não aplicação realimentasse as causas institucionais.

Se a bandeira da esquerda, de promover um estilo de desenvolvimento econômica e ambientalmente sustentável para todos se mantiver hasteada, e se as demandas por conhecimento que dele decorrem e alavancam vierem a ser atendidas, é de se esperar corajosas alterações no plano institucional da C&T. Inclusive para antecipar o cenário em que a remoção das causas estruturais será politicamente viável.

É possível explorar o grau de autonomia das causas institucionais em relação às estruturais mediante ações top down, e tópicas, no plano institucional. Mas para que surtam efeito é necessário que um movimento bottom up, difuso e envolvente, apoiado em novas metodologias de trabalho, as reforce e legitime.

Quem conhece a força do Modelo Incremental que tem presidido nossa PCT - caracterizado pelo ajuste mútuo de partidários em beneficio da manutenção do status quo e de privilégios corporativos, controle da agenda de decisão a temas "seguros", non decision-making, "enlaces burocráticos", transdução de prestigio acadêmico em poder político, continuum formulação-implementação, restrição do acesso de atores ao processo decisório, "privatização" de espaços públicos de decisão, supervalorização da discricionaridade do profissional em detrimento da racionalidade do burocrata, escassa preocupação com assessment e forecasting, avaliação ritualística (através de critérios exógenos e ex post), ao invés de indutora de mudanças, etc - pode inferir a importância da articulação institucional-metodológica que aqui se propõe para "refundar" a PCT

É por essas razões que a comunidade de pesquisa de esquerda terá que realizar um movimento "para dentro" do "subcomplexo" sobre o qual possui governabilidade - tão ou mais importante do que aqueles que envolvem outros espaços e atores. Um movimento que abarque uma reflexão acerca das causas do baixo impacto do nosso potencial de P&D e a concepção de metodologias para a sua ampliação numa direção coerente com seu projeto estratégico.

Renato Dagnino é professor titular do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp

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