Leia nessa edição
Capa
Artigo: O amigo Debrun
Cartas
Mutações genéticas
Empreendedorismo
Sensor virtual
Agência de inovação
Inéditos de Debrun
Entrevista de Debrun
Identidade: tema de Debrun
Aloysio Biondi
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Unicamp na mídia
Oportunidades
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Acesso ao inacessível
Centro de Campinas:
   transformações
São Paulo: 1918
 

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Pesquisadores e estudantes passam a ter
acesso a manuscritos e documentos do intelectual francês


Arquivo disponibiliza
inéditos de
Debrun

Solange eMichel Debrun, na década de 60, no Rio de Janeiro; nos destaques, documentos depositados no Arquivo Histórico do CLEAs recomendações estão em duas folhas de papel ofício. Lê-se, no cabeçalho: "Livros a serem desenvolvidos, completados ou retocados, conforme o caso". Na seqüência, enumerados em algarismo romano, aparecem os títulos de oito livros. Presume-se que o manuscrito, sem data, de autoria do filósofo francês Michel Debrun (1921-1997), tenha sido produzido pouco antes de sua morte. Premonição? Talvez, segundo alguns dos amigos. Por outro lado, mesmo aposentado, Debrun mantinha uma produção intelectual intensa e abrangente - seu campo de interesse ia da identidade nacional brasileira, passava por Gramsci e chegava aos conceitos da auto-organização.

Documentos catalogados chegam a 27 mil

O certo é que o escrito é uma das pistas concretas de que dispõem os encarregados de montar o quebra-cabeças do espólio composto por cerca de 27 mil documentos doados pela mulher do intelectual, Solange Debrun, ao Arquivo Eliane Morelli Abrahão, historiadora e coordenadora do Arquivo Histórico: fonte de pesquisa Histórico do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Unicamp (CLE), unidade onde o professor emérito da Unicamp desenvolveu seus últimos trabalhos.

Ali, num espaço criado em 1988 para abrigar a memória científica nacional, estão guardados ao menos sete livros inéditos e a mesma quantidade de ensaios de Debrun. Parte dessa massa documental começa a ser aberta ao público. A outra parte, bibliográfica, está na bibiloteca do CLE, que leva o nome do filósofo francês.

A historiadora Eliane Morelli Abrahão, coordenadora do Arquivo Histórico do CLE, tem os números de cabeça: são cerca de 20 mil manuscritos e 7 mil recortes de jornais e de revistas. Embora os documentos tenham sido deixados numa certa ordem, coube a Eliane coordenar toda a parte de higienização e classificação do material. "A partir dos trabalhos do professor Debrun, estamos montando as séries documentais. Por meio delas, a gente preserva e historia a trajetória do professor Debrun e o conjunto de sua obra, procurando ser o mais fiel possível àquilo que faria o titular do arquivo".

Eliane explica que o objetivo do Arquivo agora é disponibilizar os documentos. "Nossa função é exatamente a de difundir essas idéias. O acervo do professor Debrun é muito importante, por exemplo, para estudantes e pesquisadores da área de ciência política e de educação".

O trabalho de Eliane com o acervo de Debrun começou em 2001. Como historiadora, dimensiona a importância da obra do filósofo. "São textos didáticos, cujo conteúdo continua atual.". O Arquivo Histórico do CLE mantém ainda coleções dos professores Newton da Costa, Joaquim da Costa Ribeiro, Walter Hugo de Andrade Cunha, Ayda Ignes Arruda, dentre outros.

Depoimento

A professora Ítala Loffreddo D’Ottaviano, do CLE: “Debrun não era um exegeta”Ítala M. Loffredo D'Ottaviano

"Diria que entre os filósofos brasileiros, podemos identificar o Debrun com uma visão única da história e da realidade brasileira. Quando morreu, estava para terminar o célebre Identidade Nacional Brasileira, que alunos, filósofos, cientistas políticos do Brasil tanto esperavam. Quando começamos a trabalhar juntos, vi que sua grande expectativa era o tal do livro, que estava quase pronto. Descobri também que o Michel era um perfeccionista ao extremo. Nunca achava que o que escrevia estava pronto o suficiente para publicação. Seu outro grande projeto era o livro sobre o Gramsci, que era o resultado do seu trabalho de livre-docência defendida na Unicamp em 1982, publicado pela Editora da Unicamp, em 2001.

Quanto ao livro Identidade nacional brasileira, ele me prometeu que estaria pronto no ano em que faleceu repentinamente. Porém, quando o livro estava quase pronto, ele deu uma entrevista ao escritor e jornalista Eustáquio Gomes (leia nas páginas 6 e 7) em que se empolgou com as perguntas formuladas sobre globalização. Depois da entrevista, ele revelou que tinha que parar com tudo para se dedicar a um livro sobre imperialismo e globalização. Como ele era muito delicado, acabei concordando. Quando ele teve o problema que o vitimou, 15 dias antes de sua morte, consta que ele estava terminando seu livro sobre a globalização. Era um livro curto. Combinamos também que escreveríamos juntos um trabalho que se chamaria Da auto-organização à criação. No fundo, tratava-se de um trabalho conceitual.

Ele queria desenvolver um trabalho sobre auto-organização para dar um substrato a uma teoria sobre a qual ele deveria fundamentar as suas visões de identidade nacional brasileira, sua conexão com o que ele sempre trabalhou e estudou sobre o Gramsci e sobre imperialismo e globalização. Era o fio condutor que lhe permitia conectar esses interesses teóricos do trabalho que ele procurava fazer dentro da grande área da filosofia política. Acho que ele teria uma lógica subjacente a essa produção de sua autoria. Tanto que seus colegas mais antigos não conheciam essa sua área de interesse.

Michel nunca foi um filósofo ou cientista social estrito. Sempre olhou para os fenômenos com um olhar multidisciplinar. Ele sempre procurou dar conta da realidade e, para tal, tinha de dar conta do jeito que ela é. Não era um exegeta, estudava autores vários para analisar questões e problemas e dar conta de respondê-las.

Os textos inéditos contêm de fato o pensamento filosófico e político do Debrun. E também algo muito importante para a sociedade brasileira, que é uma análise crítica e ideológica da realidade. Devem servir como texto de referência para uma análise da realidade brasileira, como também para a pesquisa. Pretendemos organizar uma Equipe de Pesquisa, coordenada por pesquisadores do Grupo Auto-Organização, para dar conta de terminar esse trabalho e publicar toda essa produção."


Do Iseb à Unicamp

Ex-aluno da célebre École Normal Supérieure, de Paris, no tempo em que Sartre era lá professor, o francês Michel Debrun manteve, durante quatro décadas, uma vida estreitamente ligada ao Brasil, onde chegou em 1957. Foi pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, professor de filosofia e sociologia no antigo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) e na USP, perito da Unesco em planejamento educacional no Brasil e no Irã (1968-70) e, a partir de 1970, professor de filosofia política e epistemologia das ciências humanas na Unicamp. Depois de sua aposentadoria, em 1988, tornou-se professor emérito da Unicamp e deu continuidade a suas linhas de pesquisa – entre as quais destacam-se seus estudos sobre a questão da identidade nacional e sobre o processo de globalização econômica e cultural – junto ao Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE), da própria universidade. É autor dos seguintes livros: Ideologia e Realidade (1959), O Fato Político (1962), A Conciliação e Outras Estratégias (1983), Auto-organização e Estudos Interdisciplinares (em co-autoria com Maria Eunice Gonzales e Osvaldo Pereira Jr.) e Gramsci: Filosofia Política e Bom-senso (2004).


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