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Pesquisadores da Feagri desenvolvem
sistema baseado em várzeas para tratamento de águas residuárias



Do Pantanal, soluções simples para o esgoto

LUIZ SUGIMOTO


O Pantanal, maior planície alagada do mundo, possui no lado brasileiro 1,4 milhão de quilômetros quadrados, cortados por mais de 170 rios da Bacia do Rio Paraguai. As águas são drenadas e purificadas pelo solo, plantas e microrganismos, contribuindo para a paisagem exuberante e a fauna variada. E são aquelas grandes áreas alagadas que servem como modelo para pequenos sistemas naturais de tratamento de esgoto pesquisados na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp.

O professor Denis Miguel Roston e o doutorando Marcelo Mazzola estão envolvidos em um projeto de tanque séptico e leitos cultivados (conhecido internacionalmente como Construced Wetlands) - sistema de tratamento de águas residuárias que vem sendo aprimorado em teses de mestrado e doutorado e em trabalhos de iniciação científica. Os estudos baseiam-se nas várzeas naturais comuns em território paulista. "Quando falamos em sistemas naturais, há quem pense que simplesmente jogamos o esgoto na várzea, deixando tudo por conta da natureza. O que fazemos é construir esta várzea, imitando as condições nela existentes, com total controle sobre o ambiente para evitar poluição", esclarece Roston.

Ao contrário dos métodos tradicionais de tratamento de esgoto, que demandam muita energia e equipamentos sofisticados e caros, os pesquisadores da Feagri propõem um sistema para pequenas comunidades que pode ser tão eficiente quanto o convencional, mas com baixo custo e simplificação da operação e manutenção. "A questão do esgoto é relativamente recente no Brasil e falta pessoal qualificado para operar os sistemas. Nosso método pode ser operado depois de um treinamento simples dentro da própria comunidade", assegura o professor.

Denis Roston mostra, como exemplo de projeto, o desenho reproduzido nesta página, representando um leito escavado com um metro de profundidade, 80 metros de comprimento e 20 metros de largura. Depois de impermeabilizar o solo com lona ou outro material apropriado, forra-se a escavação com britas comuns de construção, que funcionam como filtro biológico. "Pode-se utilizar outros tipos de pedra, anéis plásticos ou mesmo pneus usados e triturados", acrescenta. O esgoto que entra por uma canalização se espalha de forma homogênea pelo leito, permanecendo invisível, já que o nível da água suja é mantido abaixo do nível da camada de britas.

"Temos aí um ambiente saturado, onde plantamos macrófitas aquáticas. Neste caso são taboas e juncos, mas poderíamos escolher quaisquer plantas aquáticas emergentes encontradas em zonas alagadas próximas a rios. As raízes das plantas se espalham pelas pedras, permitindo a aderência de microrganismos que se alimentam do esgoto degradando a matéria orgânica. A água tratada pela outra ponta", descreve o pesquisador.

O esgoto comum de residências é composto quase que totalmente por água, mas traz 0,1% de sólidos de vários tipos - grosseiros, sedimentáveis, coloidais e dissolvidos - que precisam ser retirados. "Como nos leitos temos materiais porosos, a entrada de grande quantidade de sólidos provavelmente entupiria o sistema", justifica Roston. Por isso, o esgoto passa antes por um tratamento primário, que exige tanques sépticos (reatores anaeróbios) ou outra unidade qualquer para decantação e depuração dos sólidos. Tais resíduos, depois de secados, podem ser lançados em solo agrícola ou, se impróprios para este fim, depositados em aterro sanitário.

Vinte dólares- O sistema de leitos cultivados poderia ser projetado para uma comunidade de até 4.000 habitantes, a um custo estimado de 20 dólares por pessoa, contra 100 dólares de um sistema tradicional. A estimativa de custos, porém, é complicada devido à questão de escala. O doutorando Marcelo Mazzola observa que o custo de um projeto seria maior para uma única família, em comparação ao executado para uma comunidade. "Também vai depender dos métodos construtivos, do material utilizado, da área disponível, da mão-de-obra. Numa comunidade, por exemplo, podemos contar com esquemas de mutirão e o ferro-cimento, material mais barato mas que exige mais mão-de-obra", observa. É possível também utilizar materiais encontrados em qualquer casa comercial de construção.

O professor Roston acrescenta que os projetos, dos mais simples aos sofisticados, devem ser analisados caso a caso. "Um dos erros cometidos é o de querer padronizar, principalmente em se tratando de moradias, como se um modelo servisse para todas. É necessário avaliar as várias alternativas e escolher a que melhor se adapte às condições locais".

Flores e odores - Denis Roston informa que, em sistemas de leitos cultivados, é possível adotar plantas aquáticas que dêem flores, o que seria muito apropriado para hotéis, por exemplo. Ao mesmo tempo em que enaltece este aspecto ornamental, o pesquisador desmente o estigma de cheiro desagradável em torno dos projetos de tratamento de esgoto. "De maneira geral, um sistema bem projetado, bem operado e bem mantido não libera odor. Mas, como se trata de um sistema biológico, às vezes ocorre uma desestabilização devido a grandes oscilações da temperatura e outras variantes naturais. Nunca tivemos esse problema na Feagri. Apenas em sistemas anaeróbios, que produzem gás sulfídrico, recomenda-se uma área mais distante de residências", afirma. A associação de pedras e plantas dificulta a proliferação de insetos.

Cientistas estudam reuso da água
A eliminação de matéria orgânica no esgoto produzido pelo homem é o maior benefício pretendido tanto em sistemas de tratamento convencionais como nos alternativos pesquisados pela Feagri. Didático, o professor Denis Miguel Roston explica que, quando os dejetos são lançados no rio diretamente, a depuração ocorre no próprio leito. "Os microrganismos que degradam os resíduos orgânicos usam oxigênio. Se a carga orgânica do despejo for muita elevada e contínua, teremos um trecho do rio sem oxigênio, sem vida. Isto sem falar na decantação dos sólidos no fundo", observa. O tratamento evita que a depressão na curva de oxigênio do rio seja por demais acentuada.

Outra questão, no entanto, desperta discussão entre os cientistas: a eliminação de nutrientes do esgoto como nitrogênio e fósforo, que são poluentes e em grandes quantidades propiciam o grande crescimento de algas, fenômeno conhecido como eutrofização. "Companhias de tratamento de água, em alguns casos, são obrigadas a interromper a captação porque o excesso de algas pode prejudicar as bombas. Além disso, há algas tóxicas e outras que provocam mau cheiro e podem imprimir gosto desagradável à água", acrescenta Roston.

Marcelo Mazzola afirma que a diminuição de nutrientes exige um tratamento mais avançado, físico-químico, com custo muito maior. No entanto, acredita que mesmo o sistema natural desenvolvido na Feagri promove a remoção de alguns nutrientes, ainda que pequena. "O junco e a taboa são plantas vasculares, que retiram oxigênio do ar e transferem para as raízes. Tem-se, então, micro-ambientes aeróbios e anaeróbios que favorecem reações (nitrificação-desnitrificação) que podem reduzir a quantidade de nitrogênio", explica Roston. O professor informa, ainda, que os Estados Unidos usam sistemas semelhantes em larga escala para remoção de nutrientes, com tratamento total do esgoto: "Em Orlando, existe uma área de 560 hectares reservada apenas para isto", finaliza.

Outras pesquisas - Uma preocupação na Feagri é com o reuso da água tratada em sistemas naturais. Outros pesquisadores estão desenvolvendo projetos nesse sentido, que podem ser de grande valia para regiões com escassez de água. Destaca-se um trabalho em que se utilizou o efluente tratado dos leitos cultivados com macrófitas para irrigação de alface, onde se verificou que é possível a utilização de certos tipos de irrigação que não contaminam a cultura. Este trabalho foi desenvolvido pelo engenheiro Delvio Sandri, que defendeu tese de doutorado recentemente.

Ainda visando ao reuso e melhora da qualidade da água do efluente destes sistemas, o professor José Euclides Paterniani desenvolveu pesquisa utilizando filtro de areia, que se mostrou eficiente na diminuição de coliformes fecais e sólidos, tornando a água mais segura para irrigação de alguns tipos de culturas.Vários outros projetos estão sendo desenvolvidos pelo doutorando Marcelus Valentim e pela aluna de iniciação científica Naila von Zuben, visando a melhoria da eficiência do sistema e o estabelecimento de parâmetros seguros para o projeto.



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