| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição Temática 402 - 14 de julho a 2 de agosto de 2008
Leia nesta edição
Capa
Opinião
A receita do equilíbrio
Palha e bagaço
Uma meta a cumprir
Produtividade com baixo impacto
Terapia em construção
Adensar para manter o verde
Cientista não é biopirata
Muito além do ativismo
O futuro humano
Uma equação que não fecha
A corda e a caçamba
A chave do tamanho
Percepção pública da ciência
Amplo painel
Novas leituras do consumo
O espaço do indeterminado
O estranho íntimo
 


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Uma meta a cumprir

LUIZ SUGIMOTO

O professor Luís Augusto Barbosa Cortez, da Feagri: "País tem uma chance histórica" (Fotos: Antoninho Perri)O cumprimento da meta de produzir etanol da cana-de-açúcar em volume suficiente para substituir 10% da gasolina consumida no mundo, até 2025, pode elevar o Brasil do estágio de país medianamente desenvolvido a um patamar comparável ao dos países do sul da Europa, em menos de duas décadas. Esta é a expectativa do professor Luís Augusto Barbosa Cortez, que falará sobre “O etanol como programa de desenvolvimento nacional” na 60ª Reunião Anual da SBPC.

“É uma chance histórica, que o Brasil talvez nunca tenha tido. Podemos dar este salto de maneira digna, com muito trabalho e esforço tecnológico, e recorrendo às nossas boas relações diplomáticas para abrir as portas da cooperação e do comércio de uma energia incomparavelmente mais limpa do que a vendida hoje no mundo”, afirma o docente da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp e coordenador a Coordenadoria de Relações Institucionais e Internacionais (Cori).

Cortez atribui seu otimismo aos resultados dos estudos encomendados à Unicamp pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), por meio do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE). O trabalho foi coordenado pelo professor emérito Rogério Cerqueira Leite, que organizou dois grupos de pesquisa: o primeiro para definir as diretrizes necessárias para que o país cumpra a meta para 2025; o segundo dedicado ao domínio da tecnologia de hidrólise enzimática, com a qual se obterá etanol também do bagaço da cana, dobrando-se a produção sem aumentar a área plantada.

Entroncamento rodoviário em Campinas: álcool já abastece mais da metade dos veículos leves do paísOs estudos apontam que o Brasil, a fim de substituir 10% da gasolina consumida no mundo, deve produzir até 200 bilhões de litros de álcool combustível, captando em torno de US$ 60 bilhões anuais em divisas e gerando cerca de 10 milhões de empregos diretos, indiretos e induzidos. Para isso, seriam utilizados apenas 3% da área do país. “A cana ocupa uma área que ainda não chegou a 1% e que se concentra no Estado de São Paulo”, diz Cortez.

Segundo o professor, o que se pretende é estimular o plantio de cana com maior densidade em outros estados, como os do Nordeste. “O oeste da Bahia, com terras férteis e precipitação média de chuva, tem condições de responder pelo equivalente a toda a produção atual de álcool. No sul do Maranhão e no sudoeste do Piauí, a proximidade do porto é fundamental do ponto de vista logístico, havendo ainda terras disponíveis no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins e sudoeste de Minas Gerais”.

Luís Cortez ressalta que foram identificadas 17 áreas que, juntas, possibilitariam atingir a meta para 2025 sem prejuízo ao cultivo de alimentos e excluindo as áreas de restrição ambiental, como Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica. “Acho que os biocombustíveis podem inclusive contribuir para reduzir o processo de devastação das florestas, ao demandar mão-de-obra de baixa e média qualificação. Não teremos cortadores de cana, mas muitos estarão operando máquinas e em outros empregos diretos e indiretos”.

Na opinião do pesquisador, trata-se de um modelo interessante de interiorização do desenvolvimento, contemplando principalmente estados que passam por uma situação difícil e representam fronteiras agrícolas. “Seria altamente desejável um projeto para o interior, com a produção de bioetanol e de energia elétrica a partir da cana gerando o progresso e a criação de cidades, melhorando o padrão de vida desta população”.

Carros flex – Cortez não vê outro país em condições tão boas para produzir alimentos e bioenergia, capaz de atender a um mercado interno nada desprezível e de se abrir para um futuro de exportação de excedentes. “O álcool já abastece mais da metade dos veículos leves do país e seu predomínio nesta categoria será absoluto, pois em cada dez carros vendidos, nove são do tipo flex. Leve-se em conta, ainda, o peso do álcool anidro na gasolina, que estaria custando perto de três reais o litro, não fosse esta mistura”.

O docente da Unicamp observa, por outro lado, que o Brasil representa 2% do mercado mundial para veículos leves, o que significa dizer que o país já está atendendo a 1% da demanda por etanol. “Os Estados Unidos produzem outro 1%, mas à base do álcool do milho, que não apresenta um balanço energético muito bom. É verdade que eles têm como preocupação reduzir a importação de petróleo e conseguem fechar a conta econômica do etanol de milho vendendo bem os subprodutos”.

Nesse aspecto, Cortez atenta que o álcool de cana brasileiro, para fechar suas contas, ainda depende bastante do açúcar, cujo mercado é limitado. “Já dominamos um terço do mercado mundial de açúcar e é difícil crescer muito por este lado, mesmo porque se trata de um produto sujeito a grande ingerência política e, em determinado momento, as portas podem se fechar para nós”.

Peso da pesquisa – A indústria da cana no Brasil já está crescendo num ritmo superior a 10% ao ano e atingiria a meta de produção de etanol para 2025 mesmo sem programas governamentais que induzissem esta expansão, de acordo com Luís Cortez. “As perspectivas de produção são fantásticas. No entanto, precisamos estar atentos à questão ambiental, como por exemplo, buscando menor utilização da água. Para isso, a universidade tem papel fundamental na pesquisa e formação de recursos humanos”.

O professor destaca que, em nível estadual, a Fapesp vem tratando o tema como estratégico, fomentando um amplo leque de pesquisas em torno do etanol de cana, enquanto que o MCT está construindo em Campinas o Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), idealizado por Rogério Cerqueira Leite. “O centro será organizado em três áreas importantes: pesquisa básica, pesquisas na área agrícola e em novas tecnologias e pesquisas sobre sustentabilidade”.

Antevendo um cenário em que o Brasil estará produzindo não apenas açúcar, etanol e energia elétrica a partir da cana, mas também outros bioprodutos como plásticos, Cortez considera importante desenvolver plenamente as tecnologias de segunda geração, entre elas a hidrólise, para extração de biocombustível do bagaço. “Os mercados americano e europeu aceitariam melhor o chamado etanol de alta eficiência, que do ponto de vista deles seria mais sustentável”.

O discurso que caiu no vazio

O professor Luís Cortez considera que os estudos da Unicamp coordenados por Rogério Cerqueira Leite contribuem para esvaziar o discurso entoado por países europeus, que relacionam a produção de biocombustíveis com a escassez de alimentos e a alta inflacionária no mundo. “Não consigo enxergar esta relação, quando temos 1,5 bilhão de hectares de terras agriculturáveis no planeta e as fontes de bioetanol ocupam apenas 10 milhões – uma proporção de 1.500 para 10. Para mim, está claro que enfrentamos um fenômeno mundial ligado ao preço do barril de petróleo a mais de 140 dólares e à demanda de países emergentes por produtos agrícolas, notadamente da China”.

Raciocinando de maneira inversa, o professor questiona se, deixando-se de produzir bicombustíveis, os preços dos alimentos seriam reduzidos aos níveis anteriores. “Prefiro crer na análise da corrente de economistas que vêem uma reacomodação dos preços de produtos agrícolas. Recuando 40 anos, esses preços eram muito maiores em relação ao petróleo e o fazendeiro ostentava status muito melhor, com a mesma área plantada. Aparentemente, os preços estão sendo readequados a patamares médios”.

Além de desconsiderar tal discurso, o coordenador de Relações Institucionais e Internacionais da Unicamp é favorável à idéia de o Brasil assumir seu papel de liderança em tecnologia na produção de etanol a partir da cana, associando-se a outros países da América Latina e da África. “São as duas únicas regiões do mundo que, efetivamente, dispõem de terras para produção de biocombustíveis sem afetar o cultivo de alimentos e suas reservas naturais. Nem Estados Unidos e Canadá têm a mesma disponibilidade”.

Luís Cortez admite que a criação de infra-estrutura e a qualificação de mão-de-obra nestes países é uma tarefa complicada, mas acredita que o Brasil teria condições de transferir tecnologia e contribuir para formar mestres, doutores e engenheiros, como por exemplo, por meio de um programa de ensino a distância. “Vemos países que são tradicionais produtores de cana e que poderiam usar ao menos o melaço como fonte de álcool, mas importam gasolina”.

Países menores como na América Central, segundo o pesquisador, teriam como produzir etanol em escala suficiente com poucas destilarias anexadas a usinas já existentes, enquanto que refinarias de petróleo exigem investimentos altíssimos. “Sinto por parte de outros países a expectativa de que o Brasil assuma uma liderança positiva neste processo. Se o petróleo é símbolo de poluição e de conflitos, o álcool da cana pode se tornar uma bandeira de paz e de desenvolvimento do terceiro mundo”.

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