| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição Temática 402 - 14 de julho a 2 de agosto de 2008
Leia nesta edição
Capa
Opinião
A receita do equilíbrio
Palha e bagaço
Uma meta a cumprir
Produtividade com baixo impacto
Terapia em construção
Adensar para manter o verde
Cientista não é biopirata
Muito além do ativismo
O futuro humano
Uma equação que não fecha
A corda e a caçamba
A chave do tamanho
Percepção pública da ciência
Amplo painel
Novas leituras do consumo
O espaço do indeterminado
O estranho íntimo
 


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Opinião

Reflexões sobre os
desafios da ciência brasileira

MARCO ANTONIO RAUPP

Livros expostos no Ciclo Básico da Unicamp durante a Reunião Anual da SPBC de 1982: Campinas é sede do encontro pela quarta vez (Foto: Arquivo)Há 60 anos a cidade de Campinas foi o local escolhido para a realização da 1ª. Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que contou com a participação de 104 cientistas e amigos da ciência. Esse primeiro encontro, em outubro de 1949, marcou a forma como a SBPC se pronunciaria sobre os diversos eventos científicos nacionais. Outras duas reuniões anuais aconteceram em Campinas, em 1963 e 1982, e agora a SBPC retorna à cidade para celebrar 60 anos de uma história que sempre esteve muito próxima e atuante em momentos significativos da vida nacional. Momentos e fatos científicos, sociais e políticos, que moldaram a ciência brasileira, com avanços importantes, mas ainda com muitos desafios pela frente.

A SBPC foi criada por um grupo de cientistas brasileiros em um momento da história da humanidade marcado pelo fim da segunda guerra mundial. Em todo o planeta as nações tomavam consciência da necessidade imprescindível de incentivar a ciência para promover o desenvolvimento social e econômico.

Esta tomada de consciência é tão marcante no País, que já em 1942 o governo criou os fundos universitários de pesquisa para a defesa nacional, imediatamente após a entrada do Brasil na segunda guerra mundial. Esses fundos propunham-se a “apoiar a contribuição da universidade para a vitória das forças democráticas, por meio da pesquisa e de programas de treinamento”. O governo brasileiro investiu valor equivalente a 60 mil dólares no setor até dezembro de 1946, uma quantia considerável para a época. Este fato demonstra a percepção de que o investimento em educação, ciência e tecnologia é fundamental para o desenvolvimento de qualquer país.

Acreditamos que o atual governo também tem esta percepção. Quando o presidente da República lançou o PAC da ciência, fez um pedido para que a comunidade científica acompanhasse o desenvolvimento de todos os projetos, indicando as dificuldades e propondo soluções para as mesmas. E é justamente o que a SBPC tem feito. Em particular, ele mencionou que essa oportunidade deveria estimular a ampla disseminação das atividades por todas as regiões do país. A SBPC tem procurado desempenhar esse papel de consciência crítica da sociedade brasileira no que se refere às atividades de ciência, tecnologia, inovação e educação no País.

Paradigmas e pilares do novo século

Para atuar como consciência crítica da sociedade devemos refletir e adotar alguns posicionamentos sobre os desafios que a ciência brasileira tem a enfrentar durante a próxima década. Entendemos que esses desafios devem ser considerados à luz dos principais paradigmas já estabelecidos entre as duas últimas décadas do século XX e a primeira década deste século XXI: a globalização; o desenvolvimento sustentável; e a economia do conhecimento.

Os componentes ou pilares básicos destes processos, necessários a qualquer país determinado a enfrentar os desafios e inserir-se no novo cenário internacional com vantagem competitiva, são os que seguem:

* Educação de qualidade massificada;

* Fluência entre a geração de conhecimento e a sua transformação em bens com valor econômico;

* Interdependência entre a sustentabilidade ambiental, econômica e político-social;

* Competitividade de empresas com padrão global, capazes de adaptar-se rapidamente às situações de mercado usando o conceito de destruição e construção criativa.

Situação brasileira na P&D

Nas últimas quatro décadas o Brasil desenvolveu um sistema forte de pós-graduação, pesquisa e desenvolvimento, e com isto a nossa ciência já tem papel de destaque no cenário internacional. No entanto essa base científica cresceu separada do setor produtivo. A industrialização, iniciada no País durante a primeira metade do século XX, seguiu um modelo importador de tecnologias que não exigia a capacitação tecnológica e inovadora das empresas, hoje caracterizadora do mundo globalizado.

O sistema de pesquisa e pós-graduação universitário estabelecido a partir da década de 1950, teve como principal finalidade a formação de pessoal qualificado para ocupar cargos docentes e de pesquisa nas universidades e instituições públicas. Como resultado, o reflexo direto desse esforço de formação acadêmica sobre a nossa economia, sobretudo no avanço tecnológico, tem sido pouco significativo.

Esse sistema, que deve ser considerado como um ponto de partida importante para os desafios que temos a enfrentar, possibilitou a criação e o fortalecimento de instituições como o CNPq, a Capes, a Finep, a Funtec e as Fapes estaduais, que ainda mantêm baixa sinergia com a capacidade de desenvolvimento e inovação tecnológica nas empresas. Sabemos que nenhum país consegue desenvolver uma indústria avançada e competitiva, sem que antes seja ele próprio capaz de gerar ciência e tecnologia e agregá-la ao setor produtivo. Não podemos deixar de mencionar as exceções relevantes nesse processo, que se concentraram em setores privilegiados pelo estado brasileiro como o petróleo, o agronegócio, a aeronáutica, e a hidroeletricidade.

Desafios

Os seguintes desafios são colocados às atividades de ciência e tecnologia no País. Eles devem ser equacionados e suplantados com legislação atualizada e políticas públicas que abram caminho para uma nova fase de desenvolvimento, sob a égide dos novos pilares e contemplando o bem estar da sociedade brasileira, sobretudo das novas gerações:

* Revolução educacional de grande escala e em todos os níveis, buscando qualidade, universalização, profissionalização, criatividade e flexibilidade;

* Superação das desigualdades regionais, promovendo a ocupação plena, racional e bem distribuída do território com atividades educacionais e de p&d, ocupação esta estratégica e preparada para a incorporação das novas fronteiras do desenvolvimento;

* Promoção da inovação nas empresas, superando o fosso existente entre a universidade e o setor produtivo;

* Criação de uma rede metrológica e de padrões ampla, diversificada e atuante, com capacidade de auferir qualidade entre as relações da exportação, importação, produção e consumo.

Ações políticas

Para enfrentar com bons resultados os desafios colocados, será necessária a implementação de ações e políticas públicas, já existentes ou a serem criadas, que garantam a elevação do País a um novo estágio de desenvolvimento social e econômico, apoiado em bases sólidas e menos suscetíveis às oscilações externas políticas e de mercado:

* Início imediato e com a máxima concentração de esforços e investimentos de um plano para a revolução educacional, contemplando a formação qualificada de professores de ciências, matemática e línguas; novas tecnologias de ensino como a educação a distância e o ensino técnico-profissional com qualidade;

* Políticas públicas de estímulo a mecanismos de interação universidade-empresa tais como incubadoras de empresas, parques de ciência e parques tecnológicos;

* Novos e eficazes modelos de financiamento às empresas com base tecnológica;

* Novas e eficazes legislações que dêem segurança jurídica institucional à relação público-privado, à propriedade intelectual e às patentes;

* Criação de uma Embrapa para a tecnologia industrial, capitaneando uma rede de institutos tecnológicos estaduais e municipais, trabalhando em temas de interesse da indústria, promovendo serviços tecnológicos e o extensionismo;

* Estabelecimento pleno da rede de metrologia a partir do Inmetro, com capacidade de desempenho que alcance o tamanho da economia nacional;

* Estabelecimento de liderança mundial em ciência e tecnologia sobre florestas e bacias hidrográficas equatoriais, com a elaboração imediata de um plano especial de desenvolvimento educacional, científico e tecnológico para a Amazônia;

* Ampliação com qualidade da plataforma de pesquisa e desenvolvimento nas ciências fundamentais e básicas, nas universidades e institutos governamentais, contemplando a formação de profissionais de alto nível, com flexibilidade e preparo para trabalhar nas empresas.

* E por último, mas não menos importante, a manutenção e aprimoramento de sistemas específicos, que já demonstraram competência, como a rede de pesquisa agropecuária (Embrapa), de pesquisa energética (Petrobrás e hidroelétricas), e aeronáutica (Embraer).

O tema desta 60ª. Reunião Anual da SBPC, Energia – Ambiente – Tecnologia, pretende explorar e discutir os caminhos que devemos seguir para buscar a inserção do conhecimento científico no setor produtivo, e como conseqüência, na capacidade de inovação de nossa indústria com sustentabilidade social e ambiental. A Unicamp, instituição que se destaca como exemplo nas parcerias entre a universidade e empresas de tecnologia, é um espaço privilegiado para esses debates.

Marco Antonio Raupp é presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

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