| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição Temática 402 - 14 de julho a 2 de agosto de 2008
Leia nesta edição
Capa
Opinião
A receita do equilíbrio
Palha e bagaço
Uma meta a cumprir
Produtividade com baixo impacto
Terapia em construção
Adensar para manter o verde
Cientista não é biopirata
Muito além do ativismo
O futuro humano
Uma equação que não fecha
A corda e a caçamba
A chave do tamanho
Percepção pública da ciência
Amplo painel
Novas leituras do consumo
O espaço do indeterminado
O estranho íntimo
 


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A chave do tamanho

CARMO GALLO NETTO

O professor Oswaldo Luiz Alves, do Instituto de Química:" É muito importante que a nanotecnologia tenha uma vertente ligada às políticas públicas" (Foto: Antoninho Perri)Juntamente com ciência, tecnologia e inovação, a nanotecnologia permeia a pauta nacional, embora poucos consigam caracterizar cada uma delas e, principalmente, a última. Em se tratando de nanotecnologia, a autoridade do professor Oswaldo Luiz Alves, coordenador científico do Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES), do Departamento de Química Inorgânica do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, é inquestionável.

Dentro do amplo espectro de trabalhos desenvolvidos sob sua orientação, destaca-se a criação de tecidos antibacterianos, já patenteados no exterior, para a confecção de lençóis, fronhas, jalecos e bandagens destinados a ambientes hospitalares.

Do laboratório também saiu um nano-eco-material que tem a propriedade de retirar corantes remanescentes dos efluentes resultantes das indústrias têxteis e de papel. O material oferece a vantagem de poder ser sucessivamente reciclado. Sua patente foi negociada com uma empresa da Região Metropolitana de Campinas, onde se encontra na fase de desenvolvimento industrial e tem comercialização prevista para próximo ano. O docente explica que “o laboratório realizou todo o processo, da geração do conhecimento à patente, os trabalhos científicos e a transferência de tecnologia para que a empresa pudesse então realizar o desenvolvimento industrial”.

Uma empresa francesa já manifestou interesse em fazer testes com nanotubos de titanato, também desenvolvidos no laboratório, com vistas à sua utilização em filmes nanoestruturados que revestem vidros das janelas auto-limpantes, assim denominadas porque no contato com o vidro as substâncias orgânicas se degradam e são facilmente arrastadas pela água.

Tudo que o laboratório faz é publicado e patenteado, afirma o pesquisador, que considera importante desenvolver nos estudantes a cultura das patentes: “A idéia sempre foi fazer uma pesquisa cientifica de excelência e, além disso, manter um olhar sobre o conhecimento que está sendo gerado com a perspectiva de que possa vir a ser efetivamente utilizado”.

Alves fala também com muito orgulho do LQES News, publicação eletrônica quinzenal, gratuita, do Laboratório de Química do Estado Sólido. Criada por ele em 2001, a publicação de que é editor cientifico está no sétimo ano de existência e ultrapassou a 150ª. edição. Enviada aos assinantes do LQES Website, veicula notícias e novidades de C&T&I e do LQES. Segundo ele, em língua portuguesa constitui o maior repertório de informações sobre nanotecnologia e funciona como observatório do que está acontecendo de mais importante no mundo envolvendo ciência e tecnologia. Utilizando uma linguagem acessível ao público, garante a disseminação desse conhecimento, para que a sociedade possa se manter atenta e consciente ao que acontece na área.

O professor participará de dois eventos da 60ª reunião da SBPC: no dia 14 de uma mesa-redonda que discutirá a “Inserção da ciência na vida do País” e, no dia 17, do simpósio “Nanotecnologia, sociedade e meio ambiente”.

O que é – Para remeter às dimensões que envolvem a nanotecnologia o professor Alves lembra que um nanômetro é igual a 10-9 metros, que corresponde a um segmento aproximadamente 70 mil vezes menor que o diâmetro de um fio de cabelo. Nessa escala de tamanho, as propriedades modificam-se drasticamente, levando a caracterização de um universo muito particular, que fez cunhar o termo nanotecnologia para identificá-lo.

Alves considera que a nanotecnologia resulta do encontro de conhecimentos desenvolvidos principalmente na química, na física, na biologia e nas engenharias e a vê como uma tecnologia convergente por ser nano, bio, cogno, eco, filo, econo, etc. e por isso altamente “pervasiva”. Essa tecnologia tem levado a uma mudança de paradigmas porque, além de trazer em si novas propriedades, aponta para uma mudança radical na forma de fazer as coisas, o que pode gerar impactos industriais extremamente importantes em todos os setores das atividades humanas, tais como materiais, medicina, energia, meio ambiente, água, alimentos, eletrônica, citando as mais próximas.

Então, afirma ele, a nanotecnologia pode ser entendida como o estudo, a manipulação, a construção e os impactos de materiais, substâncias, dispositivos, objetos que estão normalmente na escala abaixo de cem nanômetros e que têm propriedades que são dependentes única e exclusivamente desta escala de tamanho, sejam de partículas ou de outras entidades envolvidas.

A preocupação com o nano remonta aos tempos em que o homem procurou explicar a matéria como formada de partículas – átomos e moléculas. Por outro lado, lembra Alves, a natureza é rica em manifestações nano, caso das asas das borboletas: “O efeito furta-cor que manifestam está associado à existência de estruturas nanoscópicas. As nanoestruturas garantem também a tenacidade dos dentes. Esses fenômenos foram revelados por técnicas de observação mais finas. Principalmente a partir dos anos 90 a nanotecnologia ganhou a mídia e hoje o termo permeia praticamente todos os segmentos da sociedade, embora poucos tenham claro seu significado”.

Hoje, constata o docente, quase todos os países mantêm programas de nanotecnologia, porque os negócios no setor são estimados em 3,5 trilhões de dólares já para 2015, o que sugere grandes oportunidades de crescimento das nações em geral e não apenas dos centrais. Por isso, o docente diz que trabalha com a perspectiva da nanotecnologia para o desenvolvimento. “Todas as temáticas dos estudos que realizamos são pensadas nessa perspectiva. E, com isso, quero dizer que é muito importante que a nanotecnologia tenha uma vertente ligada às políticas públicas, envolvendo saúde, educação, meio ambiente, energia, habitação e agricultura, para citar as principais. Como é impossível fazer nanotecnologia sem a ajuda do governo? Por que não ligar a nanotecnologia às políticas públicas, uma vez que várias soluções podem passar por ela?”, indaga o docente.

Ele entende que o valor de mercado e a possibilidade de ligação com as políticas públicas são importantes, principalmente em certas áreas como energia, porque os sistemas utilizados hoje não têm grande performance. E a nanotecnologia pode vir a fornecer soluções que viabilizem a economia de energia, com implicações muito importantes para o meio ambiente. Lembra que na Alemanha, até 2010, as lâmpadas incandescentes serão substituídas por leds, que além de maior capacidade de iluminação são mais econômicos, o que considera muito significativo principalmente nos grandes centros urbanos.

Outra questão colocada pelo professor é a da utilização da nanotecnologia na medicina, que vislumbra a possibilidade de novos tratamentos, aponta para as possibilidades de diagnósticos rápidos, mais precisos e de menor custo e abre caminho para tratamentos mais adequados.

Ele acaba de chegar do Minatec Cross Roads, congresso realizado em Grenoble, França, de que participaram autoridades mundiais, organizado pela Minatec, um grande centro de micro e nanotecnologia da Comunidade Européia, em que se discutiram diferentes aspectos da nanotecnologia como ciência, aplicações, riscos e se fez a prospecção do futuro. Teve oportunidade de constatar então que, pelo menos no cenário europeu, se discute muito sobre água, energia, meio ambiente e medicina, o que evidencia em que setores das atividades humanas a nanotecnologia é mais impactante. Estas constatações sugerem que para o Brasil, rico em água, recursos naturais e biodiversidade, as oportunidades são extremamente promissoras no campo da nanotecnologia, alavancadas por uma imagem cada vez mais positiva que se tem do País no exterior devido ao desenvolvimento pelo qual vem passando e ao papel que se espera venha desempenhar no futuro.

Apesar de seu entusiasmo por esse promissor universo, ele acha que, face às novas propriedades, essa tecnologia precisa ser muito bem avaliada em termos dos riscos e salvaguardas tanto para o homem como para o meio ambiente, pelo fato de se manipular nessa escala de tamanho e de ter que se considerar que todos esses novos materiais terão um ciclo de vida. E explica: “São produzidos, incorporados em algum outro material, têm suas funcionalidades, mas depois fenecem. O destino do material resultante provoca uma grande discussão na comunidade internacional. Não podemos furtar-nos a esse debate para evitar que ele derive para posições emocionais, como aconteceu com os organismos geneticamente modificados. Por isso temos que nos preparar para a discussão com a sociedade, fundamental para que se possa desenvolver uma atividade responsável e segura e para que as pessoas entendam a nanotecnologia como uma possibilidade da melhoria da qualidade de vida”.

O professor Oswaldo Luiz Alves acaba de assumir a função de membro do Conselho Consultivo do MCT para a Nanotecnologia. Afirma que essa nova tecnologia será desenvolvida dentro do contexto brasileiro como uma ação consertada entre MCT e Midic através de agências CNPq e Finep, com o apoio do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e da Agência Brasileira para o Desenvolvimento Industrial (ABDI), da qual também é consultor, exercendo a função de sensibilizar os setores industriais brasileiros para oportunidades ligadas à nanotecnologia. Para isso tem visitado as federações das indústrias de vários estados do País, como também participado de eventos com os setores produtivos.

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