Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 239 - de 1º a 7 de dezembro de 2003
Leia nessa edição
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Saudação ao mestre
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Mouse para deficientes
Trauma ortopédico
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Saudação ao mestre

MARISA LAJOLO

Marisa Lajolo é professora titular do Instituto de Estudos e Linguagem (IEL) da Unicamp. O presente texto é uma reprodução, com pequenas alterações, de saudação feita a Antonio Candido por ocasião da homenagem que lhe foi prestada no Memorial da América Latina em 2 de outubro de 2003.

Tenho para mim que a melhor homenagem que se pode fazer a um mestre é discutir-lhe a obra, e seguir-lhe as lições. Principalmente quando entre as lições inclui-se a de pensar pela própria cabeça e seguir seu próprio caminho e mais principalmente ainda quando mestres e discípulos sabem que nem sempre os percursos têm o mesmo ponto de chegada. Afinal, o mundo é cheio de caminhos, um diferente do outro, mas todos conduzindo homens e mulheres ao longo da vida e da arte.

É para um mestre deste feitio a homenagem que representa o recém-lançado História e Literatura: homenagem a Antonio Candido, um trabalho de muitas mãos. Iniciou-se em um seminário na Cidade do México em 2001, amorosamente orquestrado por Jorge Ruedas de la Serna e por Ignácio Díaz Ruiz, o querido Nacho, a quem devemos a generosa acolhida que nos fez (ao professor Antonio Arnoni Prado e a mim, brasileiros convidados para o seminário) a Faculdade de Letras da Universidade Nacional Autónoma de México.

Todos nós – isto é, os autores do livro – tínhamos sido desafiados por Jorge a levar para o seminário trabalhos que articulassem diferentes aspectos do pensamento de Antonio Candido a nossos objetos de pesquisa. O resultado foram dias de animados e instigantes debates. À agenda apertada não faltaram lances divertidos como o grupo que de tão grande quase não cabia na foto, ou a dupla de brasileiros perdida pelos longos corredores da UNAM em busca de uma sala cujo número tinham esquecido.

O processo de transformação das apresentações do Congresso em livro contou com o apoio do então diretor do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, professor Luiz Carlos Dantas, que apresentou a idéia à Editora da Unicamp. Finalmente, o professor Paulo Franchetti, agora à frente da Editora, arrematou o projeto, trazendo para ele a chancela da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e da Fundação Memorial da América Latina.

Como sabe quem leu a obra do professor Candido, até agora mapeei o que Antonio Candido chama de fatores externos. Passo agora aos internos. Entre as várias lições que Candido nos ensinou, esse livro materializa uma das maiores: a necessidade constante de diálogo de uma obra com outras. Tendo ocorrido simultaneamente ao lançamento de uma antologia mexicana de seus ensaios – Estruendo y Liberación – o seminário que produziu os textos que ora se editam representou nosso diálogo com sua obra – polifonia de textos –, idéia que fundamenta e sustenta a noção de sistema literário, tão seminal em seu pensamento. Fator externo que passa a interno.

História e Literatura: homenagem a Antonio Candido consolida, na materialidade de suas quase quinhentas páginas e na dualidade das línguas de seus ensaios – espanhol e português – a homenagem latino-americana a um mestre que é Mestre porque é lido. O livro – rico, colorido e variado como um mural mexicano – é um caleidoscópio de temas e assuntos: categorias tradicionais da historiografia literária, estudos de diferentes escritores da tradição mexicana, um estudo apaixonado do teatro anarquista, a história do encontro e interpretação de um documento precioso da tradição literária brasileira, vêm lado a lado, cartografando diferentes formas da presença de Antonio Candido no panorama dos estudos literários latino-americanos.
Pois sua obra debruçou-se sobre tantos e tão diferentes aspectos da cultura desta nuestra América que tem muito a dizer a pesquisadores e professores de diferentes formações, pontos de vista e interesses. Creio que a obra de Antonio Candido sai deste livro lida e debatida com entusiasmo, de forma polifônica, num vai-e-vem de pressupostos, conclusões provisórias, hipóteses de trabalho e de projetos.
Em uma palavra, fizemos a lição de casa, que agora entregamos ao respeitável público e ao respeitabilíssimo mestre, com aquele fiapo de medo que sempre acompanha a entrega de qualquer trabalho...

O professor Antonio Candido: mestre é homenageado em trabalho de muitas mãos

Por isso, contamos que o professor Antonio Candido receba os ensaios deste livro como tantas vezes recebeu os projetos, rascunhos, versões provisórias e definitivas de nossas dissertações e teses. Receba-os como nosso mestre. Nosso mestre, sim, mas não porque sejamos ou queiramos ser seus clones: mestre não se clona, ele é quem nos fecunda. Tampouco ser discípulo é padecer da desastrosa síndrome de Peter Pan, que impede de crescer.

Crescemos, viramos gente grande, damos aulas, escrevemos livros, orientamos alunos. Podemos até divergir e meus botões acham que Candido gosta quando alguém diverge, aquela história de se pensar pela própria cabeça. Mas Candido continua nosso mestre e, nesta pauta da relação professor/aluno, quero frisar a feliz coincidência de esta homenagem ocorrer no mês de outubro, vésperas do Dia do Professor, profissão para a qual também nos ensinou muito.

Ensinou-nos a lição da humildade do mestre que jamais fez de seu rigoroso aparato crítico e de sua imensa erudição instrumento de tormento alheio e de humilhação do outro. Seus textos e suas aulas são elegantes, simples e claros. Claros – como diria a Emília de Monteiro Lobato – como água do pote. E esta clareza e simplicidade com que Antonio Candido diz e escreve o que escreve e o que diz foi lição muito importante para quem chegou a suas aulas na USP vindo de cidadezinhas quaisquer.

E continua sendo para quem ensina hoje em cursos de Letras – tanto os cursos cinco estrelas quanto os que se desenrolam nos arrabaldes mais longínquos da cidade das letras.

Creio que é esse respeito pelo outro que lhe deu os olhos generosos com que leu todos os nossos trabalhos, sublinhando sempre o que neles havia de melhor e sugerindo com mão leve como corrigir e melhorar o que precisava ser melhorado e corrigido.

É esta crença que dá a certeza de que os generosos e sábios olhos do mestre ensinam hoje a seus ouvidos a paciência necessária para tolerar mais estas arengas de seus alunos. Pois paciência, sabedoria e tolerância – marcas maiores de quem é Mestre – nunca lhe faltaram. E por isso lhe somos profundamente gratos.

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