| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 356 - 23 de abril a 6 de maio de 2007
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'Há mais vagas no ensino superior do que concluintes no ensino médio'

ÁLVARO KASSABNa opinão de Simon Schwartzman, o sistema brasileiro é muito rígido, pouco afeito a inovações e marcado pelas grandes burocracias das redes, tanto no nível superior como na educação básica (Fotos: Antônio Scarpinetti)

JU – O sr. acha que esse caminho é uma tendência?

Schwartzman – Todos os países que estão modernizando suas universidades estão adotando esse modelo. Ocorre que no Brasil essa discussão é proibida. Trata-se de um tabu. Todo mundo morre de medo quando os estudantes e os professores vão para a rua protestar. Essa própria dicotomia entre o público e o privado também é anacrônica.

O que é instituição pública? É uma instituição que desempenha um trabalho de interesse da sociedade. Se ela está desenvolvendo uma pesquisa importante e um trabalho adequado, e isso tem interesse social, o governo deveria estar ajudando e apoiando. Por outro lado, temos no Brasil instituições que são nominalmente públicas, mas que acabam sendo apropriadas pelas pessoas que nela estão, sejam professores ou alunos, e cujo benefício social é muito reduzido.

JU – Há quem veja nesse tipo de iniciativa uma tentativa de se privatizar a universidade. Como o sr. vê essas críticas?

Schwartzman – Trata-se de mais uma concepção anacrônica. Eu nunca vi ninguém que propusesse, em sério, privatizar a USP ou a Unicamp. Duvido que alguém queira comprar. Estas devem permanecer públicas, em termos de sua missão, mas precisam também gerir seus recursos materiais e humanos com autonomia e eficiência, da mesma maneira que empresas públicas como a Petrobrás ou Banco do Brasil o fazem, ou deveriam fazer.

Existe espaço para muitos tipos diferentes de instituições de ensino superior: as públicas, que são financiadas em grande parte com recursos públicos, têm missões importantes, e que deveriam ser estimuladas a buscar recursos adicionais em outras partes, inclusive cobrando dos alunos que podem pagar. Existem instituições privadas não-lucrativas, que também possuem missões importantes, e que poderiam ser financiadas em razão de sua qualidade e de seus resultados. E existem instituições privadas organizadas com fins de lucro, que podem vender seus produtos inclusive para o governo, na medida em que houver interesse.

O governo Lula já faz isto, ao comprar lugares no ensino privado para alunos carentes, mediante isenção fiscal, no ProUni. Isto é muito mais barato do que criar novas universidades públicas para estes estudantes. O problema que eu vejo com o ProUni é que este financiamento está sendo feito indiscriminadamente, sem selecionar as universidades beneficiadas pela sua qualidade.

JU – Esse tipo de prospecção por recursos adicionais vingaria no Brasil?

Schwartzman – No Brasil, isso acontece, de maneira não muito explícita, nessas fundações que existem dentro das universidades. Elas são fatores de dinamismo. Elas fazem prospecção de recursos em várias fontes, trazendo-os para a instituição, complementam salários de professores etc. As fundações têm uma função muito importante.

JU – Mas também são alvo de críticas.

Schwartzman – Se as fundações não forem devidamente reguladas, elas podem, de fato, ser desvirtuadas. Podem se transformar em caça-níqueis, fazendo uso de recursos públicos, e sem benefícios para as instituições. Mas isto pode ser controlado, e vejo com muita preocupação que há um movimento reacionário que quer impedir que essas fundações existam justamente por causa de suas qualidades, ou seja, porque elas são um instrumento de dinamismo, atração de recursos e fortalecimento dos departamentos mais dinâmicos das universidades.

JU – Voltando à questão. E de novo, o que o sr. vê?

Schwartzman – De novo, temos algumas áreas de pesquisa que apontam para caminhos novos. Temos também um esforço de algumas instituições no sentido de se abrir para um novo formato de organização. Temos também uma pequena parte do setor privado que está buscando um ensino de qualidade.

JU – Em sua opinião, a universidade brasileira estava preparada para o crescimento da sociedade do conhecimento? Em caso positivo, o que é preciso ser feito para aperfeiçoá-la? Do contrário, como adequá-la aos novos tempos?

Schwartzman – Essa questão passa também pela questão da diferenciação, já que você nunca vai ter “a” universidade brasileira, mas sim um sistema muito grande de instituições muito distintas. É preciso, portanto, começar a reconhecer as diferenças. É preciso começar a aceitar a especialização das instituições. Acho que chegamos a um nível de massificação do ensino superior em que é preciso ter uma educação mais prática, mais aplicada, mais voltada para o mercado de trabalho, ao lado de formas mais clássicas de educação superior e de pesquisa.

Os países que, hoje em dia, estão avançando no ensino superior, estão criando sistemas muito amplos e diferenciados que buscam recursos de todos os lados – no setor público, no setor privado, em organismos internacionais, em empresas, em governos etc. É constituída, dessa forma, uma rede cuja densidade é muito grande. É por aí que temos que caminhar.

JU – Nesse âmbito, o sr. acha que a nossa universidade está preparando como deveria o jovem para um mercado de trabalho cujas exigências são cada vez mais sofisticadas?

Schwartzman – O mercado de trabalho, no Brasil, é ótimo para quem tem nível superior. O prêmio pago pelo mercado para quem tem diploma universitário é muito alto, mesmo no caso de pessoas formadas em áreas de pouco prestígio ou tidas como de baixa qualidade. Apesar de a formação muitas vezes deixar a desejar, ainda vale muito a pena do ponto de vista individual. Por isso que as pessoas buscam o diploma, mesmo que a educação não seja de qualidade. Elas sabem que os benefícios são muitos grandes – entre os de nível universitário, o desemprego é muito baixo e os níveis salariais são relativamente altos.

JU – O problema então não estaria tanto na qualidade do ensino, mas sim no mercado?

Schwartzman – Na medida em que se tiver mais gente com nível superior, a oferta vai aumentar e o mercado vai ficar mais seletivo. Neste momento, ainda convivemos com uma situação em que o mercado de trabalho não encontra os recursos humanos de que necessita.

Há um tipo de qualificação média, que tem a ver com a capacidade de ler, de escrever, de se comunicar em inglês e de minimamente mexer com dados, que na área do comércio e dos serviços, por exemplo, é uma coisa muito demandada. Esse tipo de formação mais ampla e mais básica, o Brasil não está proporcionando como deveria. Não estou falando da outra ponta, que é a da qualificação técnica e da pesquisa de alto nível, mas sim da coisa mais geral, da base.

JU – Que avaliação o senhor faz dos currículos adotados pelas universidades? O sr. é favorável a reformas?

Schwartzman – Na área das ciências sociais, que conheço mais, vejo problemas. São cursos muito genéricos, que não preparam a pessoa para nada mais específico, sem falar da qualidade, que deixa a desejar. Não acho que tem a ver diretamente com currículo, mas sim sobre quais seriam os objetivos desses cursos.

Muitos fazem esses cursos, largam no meio e poucos trabalham em suas áreas de formação. Dados da OAB mostram que cerca de 10% dos que se candidatam ao exame da Ordem, passam. Os outros 90% reprovados dão um jeito de se virar com o diploma universitário. Se eles tivessem feito um curso de formação geral, poderia ter sido melhor. Eles não precisavam ter feito um curso de direito.

É preciso distinguir as chamadas profissões sociais das ciências sociais. Hoje em dia, quando falamos em profissões sociais, estamos pensando em administração, direito, contabilidade, educação. São áreas muito grandes, de fácil acesso e pouco competitivas – com raras exceções, o nível dos cursos é muito fraco, até porque os professores são despreparados e os alunos vêm sem uma base sólida. Em todo o caso, esses cursos dão algum tipo de formação aos alunos, e um diploma que o mercado ainda valoriza.

As chamadas ciências sociais – a sociologia, ciência política, antropologia, economia etc – podem ser vistas de duas maneiras. Por um lado, elas devem fazer parte da formação das pessoas que buscam uma formação geral e ampla na área social, tanto quanto a literatura, as línguas estrangeiras, a filosofia e a história. Por outro lado, elas são áreas de pesquisa, que requerem níveis altos de formação e competência, de doutorado.

A maneira correta de organizar o currículo destes cursos, me parece, é a que vem da tradição inglesa e americana, e está sendo implantada na Europa a partir do chamado “Processo de Bolonha”. Ao invés de o aluno escolher uma “profissão” de administrador, sociólogo ou economista, ele escolhe uma grande área de formação, e, dentro dela, se aprofunda em algumas disciplinas, em razão do que queira fazer depois.

Se ele se interessa pela área social, deveria tomar matérias de economia, história, sociologia, estatística etc. Ele também poderia ter a opção de tomar cursos mais aplicados, na área de processamento de dados, por exemplo, ou em línguas estrangeiras. Esta etapa dura cerca de três anos, e os alunos recebem um diploma de conclusão, que pode ser um bacharelado, ou equivalente.

Depois disto, se ele quiser continuar, se candidata então para uma especialização de um ou dois anos, em nível de mestrado, para áreas como administração, marketing, jornalismo, recursos humanos, e outras; ou ingressa em cursos profissionais mais longos, como o direito e a medicina (mas que poderiam ser mais curtos do que hoje); ou, finalmente, opta por uma carreira de pesquisador com nível de doutorado, para se transformar, aí sim, em um economista, sociólogo, cientista político ou professor universitário em uma destas disciplinas. Eu estou dando o exemplo das ciências sociais, mas o modelo vale também para as áreas das ciências e profissões da natureza.

JU – Novos modelos de estruturação de universidades vêm sendo adotados na Europa e nos Estados Unidos. Desses, qual (ou quais) na sua opinião merece ser destacado e, em última instância, poderia ser útil à experiência brasileira?

Schwartzman – Como disse antes, há uma convergência. A Europa está adotando basicamente o modelo inglês, o qual é muito próximo do modelo americano. São vários componentes. Uma das áreas onde os Estados Unidos são excepcionais, é no nível da pós-graduação, que é a melhor do mundo. De uma certa maneira, todo mundo tenta copiar, inclusive o Brasil, que em 1968 criou esse formato de cursos de pós-graduação associados à pesquisa. Trata-se de um modelo que, recentemente, os europeus também começaram a copiar.

Na outra ponta existe, tanto na Europa como nos Estados Unidos, uma massificação do ensino superior a partir de uma diferenciação muito grande. Ela consiste basicamente na criação de cursos relativamente curtos, muito variados. Alguns são mais acadêmicos e outros, muito práticos, mais voltados ao mercado de trabalho.

Veja o exemplo da Alemanha. Tradicionalmente, o sistema alemão identificava muito cedo, aos 11 ou 12 anos idade, os jovens que iriam para a universidade, para longos cursos acadêmicos, e os que iriam para a formação técnica e profissional. Essa dualidade inicial está acabando. As pessoas não querem ser orientadas muito cedo para o trabalho aplicado. Elas querem continuar estudando. A dificuldade está em reconhecer que nem todas pessoas têm o interesse, a vocação e as condições para fazer os cursos mais acadêmicos, mas, ao mesmo tempo, elas não podem ser divididas em compartimentos educacionais estanques.

O que está ocorrendo é que, na Europa, estão sendo criadas escolas de nível médio de currículo abrangente, formando tipos diferentes de alunos. As antigas escolas técnicas estão aprofundando a formação de seus alunos, junto com a formação profissional; e os cursos mais acadêmicos procuram também se tornar mais práticos e aplicados.

Na universidade tradicional alemã, o primeiro título é o equivalente a um mestrado em outros países, pode demorar seis ou mais anos, e muitos jovens não querem entrar neste tipo de sistema. Com a unificação européia, os jovens alemães começaram a ir para a Inglaterra e outros países que ofereciam currículos mais diversificados e flexíveis, e agora a Alemanha está avançando rapidamente, também, na implantação do formato de Bolonha.

JU – E o Brasil?

Schwartzman – Existem algumas experiências, mas são isoladas – no ABC, em São Paulo, e na Bahia. O assunto está entrando na agenda.

JU – Que análise o sr. faz das propostas de massificação do ensino superior e dos programas de ação afirmativa? O sr. é a favor das cotas étnicas?

Schwartzman – A massificação é uma tendência normal e inevitável. O principal fator que impede o crescimento do ensino superior brasileiro é o fato de o ensino médio formar pouca gente, além de formar muito mal. Hoje, a cada ano, já há mais vagas no ensino superior brasileiro do que pessoas que concluem o ensino médio. Na medida em que o ensino médio melhorar e se expandir, a demanda pelo ensino superior vai continuar aumentando. Isso é inevitável e é normal. É preciso criar um sistema diferenciado para poder atender um público muito grande – e com perfil também diferente. Não há dúvida quanto a isso.

Quanto à questão dos programas de ação afirmativa, minha opinião é que ela pode se justificar quando o objetivo é dar a pessoas que não têm condições de competir por lugares nos cursos superiores as condições para continuar estudando e avançando.

JU – Qual seria o modelo ideal?

Schwartzman – Se deixar essa pessoa desamparada, ela vai ser expulsa do sistema ou não vai conseguir competir. Não temos muitos dados, mas sabemos que o nível de deserção é muito alto. Acho, portanto, que a política de inclusão só faz sentido se for acompanhada de uma política adequada de retenção.

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