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Pesquisador afirma que falta de cientistas
brasileiros qualificados faz com que região fique vulnerável

Para diretor do Inpa, o Brasil
precisa conhecer a Amazônia

JEVERSON BARBIERI

O biólogo Adalberto Luis Val, que esteve na Unicamp no último dia 18: "A Amazônia precisa integrar a agenda brasileira de desenvolvimento" (Foto: Antonio Scarpinetti)O principal gargalo para que o Brasil tenha efetivamente a soberania científica na região Amazônica é a falta de recursos humanos qualificados. O diagnóstico foi feito pelo diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o biólogo Adalberto Luis Val. De acordo com levantamento realizado por ele, isto ocorre porque no Brasil são similares os salários pagos a doutores alocados em todas as regiões, sejam elas desenvolvidas ou periféricas.

“Não adianta pensar que um doutor de alto nível vai se deslocar para uma região distante. São raros aqueles que se dispõem a ir, com um salário de R$ 5 mil, para Macapá, Rio Branco, Porto Velho, São Gabriel da Cachoeira, Tefé ou Santarém. É preciso mudar o paradigma da solução igualitária e encontrar um caminho alternativo”, afirmou ele.

Cerca de 70% da produção científica é estrangeira

O que faz a diferença, segundo Val, é o número de doutores que estão envolvidos com atividades de pesquisa nas diferentes regiões do país. Na região Sudeste, o investimento é de 50%, porque o mesmo percentual de pesquisadores com nível de doutorado está envolvido com a pesquisa científica em sua área de origem.

Pescador de Eirunepé,  cidade amazonense  banhada pelo rio Juruá (abaixo): para o diretor do Inpa, deveria haver um projeto nacional para a região amazônica (Fotos: Dário Crispim)Novo modelo – Na região Norte, os investimentos em C&T são de 2% porque lá estão radicados apenas 2% de pesquisadores com nível de doutorado no país. “Como inverter a situação? Fixando mais doutores naquela região. Porém, para isso, é preciso conceber um novo mecanismo, diferenciado, não-convencional. Pelo modelo atual, não é possível atrair pessoal de alto nível, qualificado, para se juntar ao grupo que já existe lá. Cerca de apenas 1,8 mil doutores são responsáveis por toda essa demanda crescente por informações acerca da Amazônia”, contabilizou.

Com uma área de aproximadamente 5,1 milhões de km² que abrange nove estados brasileiros, a Amazônia é muito conhecida pela diversidade de espaços, de ambientes e de culturas – abriga, por exemplo, 180 povos indígenas. Mas há, segundo o diretor do Inpa, uma diversidade completamente desconhecida que ocorre nos níveis celular, molecular e das habitações que os organismos desenvolveram para suportar as variações ambientais.

“Há, portanto, um conjunto de matizes que despertam o interesse de muitos, principalmente de setores mais desenvolvidos da ciência e da tecnologia”, afirmou o pesquisador, que esteve no último dia 18 na Unicamp, onde deu palestra no Instituto de Química (IQ).

“Nós conhecemos muito pouco sobre a Amazônia. Eu diria que a maior parte da Amazônia atualmente é conhecida apenas pelos trabalhos de descrição. Ainda fazemos esse tipo de trabalho, indo a campo com lápis e papel e descrevendo as espécies, suas cores e suas formas”, observa Val.

Mas, segundo o pesquisador, isso está muito aquém do que é preciso para começar a haver um processo de fato de integração da Amazônia. “É preciso colocá-la na agenda brasileira, no que tange ao uso dessa diversidade biológica”, observou.

Val afirma que se torna urgente saber quais são os novos atributos, produtos e processos que podem ser explorados em benefício da melhoria da qualidade de vida, não só do homem da região, mas também do homem brasileiro e de outras sociedades de uma maneira geral. Segundo Val, o que ocorre de forma “significativa”, e vem se ampliando nos últimos tempos, é que boa parte da produção científica acerca de assuntos relacionados à Amazônia não é desenvolvida por autores brasileiros.

“Eu não quero dizer com isso que a Amazônia brasileira está sendo invadida por estrangeiros, mas ela indubitavelmente desperta um interesse muito grande de países desenvolvidos. E esses países têm estudado assuntos relacionados à Amazônia, seja por meio de dados coletados via satélite ou por aquisição de material amazônico comprado em outras partes do mundo. Hoje se compra peixes da região em qualquer grande cidade do mundo. O governo brasileiro exporta um conjunto imenso de produtos, que vão do artesanato a polpa de frutas. Tudo isso é material para estudo”, esclareceu.

Ademais, Val chama a atenção para o fato de que cada navio que atraca no porto de Manaus, ao descarregar sua mercadoria, precisa carregar água de lastro. Nesse momento, transporta para seus porões um volume imenso de água do Rio Negro. Trata-se, revela o diretor, de rico material biológico e químico, que permite a produção de um conjunto de informações extremamente relevantes. “É preciso levar em conta também que animais e plantas não respeitam fronteiras. Fronteira é coisa do homem. Pássaros e peixes continuarão migrando”, disse.

Bacias – Outro ponto importante ressaltado pelo diretor do Inpa é que a bacia amazônica não é isolada. Ela guarda uma conexão com as bacias do Norte da América do Sul, da região do Pantanal e do Sul do Brasil. Dessa maneira, são amplas as possibilidades de troca de material biológico. Além disso, a Amazônia não é só brasileira. Ela se estende por todos os países da região Norte da América do Sul, como Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador e Guiana Francesa, que virou um estado da França, país cujo potencial de pesquisa é muito grande.

“Além da diversidade, das cores e das formas, temos um imenso desconhecido e uma ampla pressão internacional por conhecimento. Precisamos responder fortemente para ter a soberania do conhecimento e da inclusão dos 20 milhões de brasileiros que vivem naquela região, dentro de uma agenda brasileira de desenvolvimento”, alertou Val.

A Amazônia, de acordo com o biólogo, começa a ocupar uma posição de destaque nos cenários nacional e internacional, muito mais por um desequilíbrio causado pelo próprio homem, que é a questão das mudanças climáticas. “É necessário estudar isso. Todos os modelos – há pelo menos uns 20 – indicam que o planeta passará por um momento de aquecimento e que a diminuição do lançamento dos gases de efeito estufa é um vetor importante. E a Amazônia pode contribuir com isso. Primeiro, é preciso diminuir o desmatamento e, segundo, é preciso encontrar alternativas para a região”, ressaltou.

Para mudar essa condição, é preciso oferecer alternativas para o desenvolvimento da região. A ciência, de acordo com o diretor do Inpa, tem um papel fundamental nisso. “Os caminhos científicos é mais viável. Precisamos de gente qualificada e competente, que possa contribuir com novos modelos”, reforçou.

A preocupação começa a tomar corpo mais recentemente, apesar de não ser nova. O problema, segundo Val, é que existe muito discurso e pouca ação. Desde o Tratado de Madri, em 1750, se discute um processo de desenvolvimento da região, mas durante todo esse tempo sempre existiu uma divisão canônica em nível mundial, na qual se encontra um norte subdesenvolvido, que suporta uma região sul desenvolvida.

Descompasso – A região Norte do Brasil, exemplifica Val, é responsável por 10% do Produto Interno Brasileiro (PIB), mas recebe de volta como investimento em C&T apenas 2% dos recursos nacionais para essa área. “Se o investimento fosse proporcional ao PIB, estaríamos em melhores condições”.

“Isso não significa que a Amazônia esteja propondo uma redução de investimentos em outras regiões do país, até porque todas são responsáveis por capacitar e desenvolver recursos humanos para as demais áreas do país. O que precisa ser feito é incluir a Amazônia na agenda nacional para que ela passe ser assunto e objeto de estudo também das outras regiões do país”, afirmou o pesquisador.

Na opinião de Val, torna-se fundamental desenvolver um processo “muito competente” em nível nacional, para que isso possa ser feito, de tal forma que as principais instituições brasileiras passem a ter a Amazônia como um objeto de estudo. “Ela precisa ser incluída nas suas análises e nos seus estudos, não só para aumentar nossa capacidade de produção de informação, mas também para formar pessoal que lá possa se fixar”, alertou.

“É preciso fazer isso pensando que é necessário conceber um sistema no Brasil em que o paradigma seja quebrado. A participação de instituições desenvolvidas, que ocupam um lugar de destaque no país, é fundamental nessa briga política. E essa briga não pode ser interna”, prosseguiu. “Devemos ter uma política nacional, voltada aos interesses da região. Cerca de 70% da produção científica sobre a Amazônia é feita por estrangeiros. Se soberania é conhecimento, estamos muito longe de conquistá-la”, concluiu o diretor do Inpa.

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