| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 356 - 23 de abril a 6 de maio de 2007
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'Há mais vagas no ensino superior do que concluintes no ensino médio'

ÁLVARO KASSAB

JU – O sr. é a favor das cotas étnicas?

Schwartzman –. Eu não acho que o critério deve ser a “raça”, não porque no Brasil não existam problemas associados à discriminação, mas, primeiro, porque os fatores que explicam as diferenças no país são, principalmente, a qualidade da educação básica, a renda e a educação familiar, e a região em que as pessoas nasceram, e isto afeta igualmente a pretos, pardos, indígenas e brancos, embora, por razões históricas, as populações de origem africana e indígena sejam mais afetadas.

As análises estatísticas que conheço, feitas pelo IPEA, mostram que as diferenças raciais explicam no máximo 5% da desigualdade no país. Segundo, porque as fronteiras entre as “raças” no Brasil são difusas, muitas pessoas não querem se classificar como “negras”, “brancas” ou o que quer seja, e o governo e as instituições públicas não devem se meter a classificar racialmente as pessoas.

Situações de discriminação racial são totalmente inaceitáveis, mas as universidades brasileiras, com seus vestibulares formais, não discriminam ninguém por causa da raça. Elas discriminam na medida em que as pessoas não tiveram educação média adequada, condições econômicas para se manter na universidade. E isso afeta brancos, negros, índios... Todos são afetados, e é importante ter políticas que melhorem a educação básica e apóiem as pessoas motivadas e competentes que precisam de recursos para continuar estudando.

JU – E o mercado, não discrimina?

Schwartzman – Aparentemente, o mercado de trabalho apresenta problemas de discriminação nem sempre visíveis. Temos profissões, por exemplo, em que os negros são discriminados. Trata-se de uma coisa que precisa ser combatida. É preciso ter uma política para acabar com isso, mas, de novo, não me parece que a resposta correta seja a introdução de cotas raciais.

JU – O Brasil investe cerca de 4% do PIB em educação. Considerando-se que o país conta com uma população jovem imensa, o sr. considera esse percentual satisfatório?

Schwartzman – Trata-se, evidentemente, de um percentual insatisfatório. De acordo com a nova metodologia de cálculo do PIB introduzida pelo IBGE, esta percentagem caiu para 3,8%, se não me equivoco. A meta que se recomenda para o Brasil é de 6%. Ocorre que também não adianta o governo aumentar os gastos se não houver uma melhora nos padrões de uso desse dinheiro. Pelos recursos de que a educação dispõe, ela é muito mais ineficiente do que deveria ser.

JU – A que o sr. atribui essa ineficiência?

Schwartzman – A vários fatores. O sistema é muito rígido, temos as grandes burocracias das redes educacionais. Não existem estímulos para resultados e desempenhos. Convivemos com uma situação rígida e paralisada, tanto na educação superior como na educação básica. As grandes redes escolares têm muito pouca capacidade de trazer inovações e de melhorar a qualidade. Não sei se despejar mais dinheiro nesse sistema vai trazer melhores resultados.

A educação entrou muito tarde na nossa agenda. Em 1850, por exemplo, toda a população da Suécia estava alfabetizada. No Brasil, a primeira vez em que o governo federal começou a falar em educação pública foi em 1930. Para a população, a educação não era uma coisa presente. Em seguida, foi criado um sistema público em que as pessoas tratavam de buscar empregos. Antes de ser criado um sistema educacional, foi criado um sistema de empregos para professores e funcionários. É muito difícil você fazer disso um sistema de qualidade. A história nossa é muito recente. Tomara que melhore.

JU – Apesar do aumento significativo do número de crianças nas escolas, convivemos com indicadores que dimensionam o nosso gap, entre os quais o analfabetismo funcional e o fato de, numa avaliação de 40 países, o Brasil ficar em penúltimo na compreensão de matemática por suas crianças, para ficar em dois exemplos. O que é preciso fazer para mudar esse quadro?

Schwartzman – Vai ser um processo de longo prazo. Não há de ser uma política só que vai mudar esse quadro. É preciso fazer uma revolução na maneira de tratar a educação. Isso implica, é lógico, recursos, mas implica sobretudo na mudança na organização das redes escolares, e alterações profundas no sistema de formação de professores, que no Brasil é bastante problemático.

Torna-se necessário também envolver mais a sociedade na exigência por qualidade na educação. Recentemente saiu uma pesquisa que dizia que as pessoas achavam que as escolas brasileiras eram boas. A opinião pública ainda não viu o problema. Não há, conseqüentemente, uma pressão vinda da sociedade por uma melhora do sistema.

Nosso sistema é frouxo. As pressões políticas e os interesses corporativos – sindicatos, associações e fornecedores – acabam quase sempre prevalecendo sobre a qualidade da educação. Mudar isto vai requerer um processo longo e difícil. Vai acontecer mais em alguns lugares do que em outros, alguns Estados e municípios podem sair na frente. As iniciativas virão de várias frentes – do setor privado, da comunidade, de governos – que buscarão formatos diferentes. Não é uma coisa que possa ser resolvida com uma simples decisão política.

JU – Que avaliação o sr. faz da reforma do ensino superior proposta pelo governo?

Schwartzman – A ênfase do governo na expansão do ensino superior é equivocada porque não está levando em conta as estatísticas do ensino médio. Não adianta querer forçar uma expansão se não existe um pool de gente demandando o ensino superior em números adequados. O governo não deveria se esforçar tanto por uma expansão que não terá demanda. Como já disse, o número de vagas do ensino superior, hoje, já é maior do que o número de pessoas que se formam no ensino médio.

A pressão sobre as universidades públicas para que aumentem o número de alunos por professor vai no sentido correto, me parece, mas peca por ser uma medida genérica que vai ser aplicada a situações muito diferentes, e pode afetar as instituições que têm programas mais fortes de pós-graduação e de pesquisa, cujos professores normalmente não dão muitas aulas, como deve ser.

JU – Existe um problema estrutural anterior, que não foi resolvido.

Schwartzman – Exatamente. O ensino médio é um problema extremamente grave e não vem sendo tratado como prioridade. Outra coisa questionável é a proposta do governo de aumentar os recursos para as universidades públicas, sem que haja um mecanismo adequado para saber se o dinheiro vai ser bem usado. O novo sistema de avaliação do ensino superior, que foi montado em substituição ao criado na gestão Paulo Renato, anda não mostrou a que veio, e o Enade, que substituiu o antigo Provão, tem defeitos técnicos graves, e ninguém usa. Não há, repito, um mecanismo de avaliação. E o governo está se propondo a injetar mais dinheiro num sistema que é muito deficiente.

JU – O sr. acredita que a inclusão digital pode colaborar para um ensino melhor no país?

Schwartzman – Eu acho que não. Se houver uma boa escola, o computador ajuda. Se a escola for ruim, não vai adiantar nada – o computador vai ficar num canto ou será mal utilizado. Já temos análises estatísticas que provam que essa política de colocar computadores em escola não traz resultados concretos. Só traz resultados para quem vende a máquina...

O investimento deve ser feito na educação. É preciso melhorar a qualidade do professor, colocar metas para o desempenho dos alunos, alfabetizar todo mundo, manter as crianças mais tempo dentro da escola etc. Se você tiver essas coisas, o computador ajuda.

Uma área na qual o computador pode ser útil é na de apoio ao professor. No Chile, por exemplo, há um programa muito interessante nesse sentido. Chama-se “Enlace”. Trata-se de uma rede de apoio aos professores, que recebem materiais e planos de aulas. Isso fortalece a capacidade do professor no que diz respeito ao ensino.

Se se consegue juntar o computador a uma idéia clara do que pode ser feito com o equipamento, pode ser útil. O que tem de vir antes, ou pelo menos junto, é saber o que vai ser feito. Colocar simplesmente o equipamento não vai levar a nada.

Simon Schwartzman (Fotos: Antônio Scarpinetti)Quem é Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade no Rio de Janeiro. Foi, entre 1994 e 1998, presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, entre 1999 e 2002, diretor para o Brasil do American Institutes for Research. Estudou sociologia, ciência política e administração pública na Universidade Federal de Minas Gerais (1961); tem um mestrado em sociologia pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO), Santiago do Chile (1963); e Ph.D. em ciência política pela Universidade da Califórnia, Berkeley (1973).

Vive no Rio de Janeiro desde 1969, trabalhando como professor e pesquisador na Fundação Getúlio Vargas, na Financiadora de Estudos e Projetos (Finep, 1976-1980) e, até 1988, no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Foi professor de ciência política da Universidade de São Paulo (1990-1994) e da Universidade Federal de Minas Gerais. No exterior, foi, entre outros, pesquisador visitante do Woodrow Wilson International Center for Scholars (1978); “Tinker Professor of Latin American Studies” na Columbia University (1986); professor visitante na School of Education e Center for Studies on Higher Education, the University of California, Berkeley (1985); professor da cátedra Joaquim Nabuco de Estudos Brasileira da Stanford University (2001); e pesquisador visitante na École Pratique des Autes Études in Paris (1982/3), no Swedish Collegium for Advanced Study in the Social Sciences em Uppsala (1986), no St. Anthony’s College, Oxford (1994), e no Centre for Brazilian Studies, Oxford (2003).

No primeiro semestre de 2004, foi professor visitante de Departamento de Sociologia da Universidade de Harvard, ocupando a Robert F. Kennedy Professorship of Latin American Studies. Foi, por muitos anos, editor de Dados - Revista de Ciências Sociais, e é membro do Conselho Editorial dos Anais da Academia Brasileira de Ciências e de várias revistas científicas no Brasil e no exterior. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia, do Comitê de Pesquisa em Sociologia da Ciência da International Sociological Association, e é membro da Academia Brasileira de Ciências. Em 1996, recebeu a Grã Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico do governo Brasileiro.

Participou, em 1985, da Comissão Nacional de Reformulação da Educação Superior Brasileira, da qual foi relator. Em 1993/94, dirigiu uma equipe de trabalho encarregada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia e o Banco Mundial de elaborar um policy paper sobre a política brasileira de ciência e tecnologia. As conclusões deste trabalho foram publicadas em três volumes pela Editora da Fundação Getúlio Vargas. Mais recentemente, coordenou um estudo do Escritório da Unesco na América Latina (OREALC) sobre o futuro da educação na América Latina e no Caribe.

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